POVO INDÍGENA KATXUYANA

Os Katxuyana são um povo de língua caribe, cuja população é de aproximadamente 450 pessoas residindo em três terras indígenas: na TI Katxuyana-Tunayana, na TI Nhamundá-Mapuera (vivendo junto aos Hixkaryana e Waiwai no rio Nhamundá) e na TI Parque do Tumucumaque (vivendo com os Tiriyó no território localizado entre Pará e Amapá).

HISTÓRIA

As informações mais antigas que se referem a pessoas conhecidas como Katxuyana remetem aos séculos XVIII e XIX. Foram feitas, sobretudo, por missionários e viajantes, limitando-se a mencionar sua localização, sem entrar em detalhes. Aponta-se para sua presença na região central da bacia do Trombetas, onde mantinham guerras e vínculos comerciais e matrimoniais com os Tiriyó e Tunayana. Os próprios Katxuyana dizem que os primeiros contatos com os brancos foram feitos em povoados no baixo Amazonas. Esses encontros se constituíram de batalhas armadas, por meio das quais os inimigos raptavam mulheres e abatiam os homens indígenas.

Nos anos 1950 não passavam de 70 pessoas, remanescentes de um grupo bem maior, aproximadamente 400 pessoas. Estes, por sua vez, eram resultado de um encontro decorrido nos anos 1920 entre pessoas que teriam descido os rios Cachorrinho e Cachorro e outro grupo que subia o Cachorro desde o Amazonas, conhecidos como Warikyana.

Já nesse momento se estabelece a “mistura” característica dos Katxuyana, tal como expressada pelos próprios índios. Este grande grupo teria se dispersado em vários pequenos grupos hoje conhecidos como Katxuyana, Kahyana, Yoskuryana e Txuruwayana, nomes referentes aos rios ocupados por estes, respetivamente, Cachorro, Trombetas, Jascuri e Cachorrinho.

RELAÇÕES COM OS NEGROS

Com os conflitos intensos no baixo Trombetas, os indígenas da região se refugiaram nas chamadas águas bravas, acima de Cachoeira Porteira. E foi nessa região que índios e quilombolas se encontraram a partir do século XIX. De início tais relações foram também conflituosas. Mas com o tempo os conflitos se transmutaram em parcerias. Na primeira metade do século XX o relatório da Comissão Brasileira Demarcadora de Limites fazia referência a uma maloca katxuyana composta por 13 pessoas na foz do rio Cachorro. Destacava-se a parceria entre índios e quilombolas no comércio da castanha-do-pará e da balata, e também na troca de mulheres.

Hoje, índios e negros estão de acordo sobre as mudanças históricas que viveram, das guerras à cordialidade e amizade. Foi isso que permitiu aos índios frequentarem novamente as águas mansas do Trombetas, ativando também parcerias comerciais com mercadores ambulantes da região. Todavia, na primeira metade do século XX, a relação de proximidade com os negros trazia também epidemias, contribuindo para a redução da população Katxuyana a menos de 70 pessoas até a década de 1950.

MISSÃO TIRIYÓ

Já no século XIX, os missionários tinham conhecimento da existência dos Katxuyana. Mas a aproximação na década de 1960 foi marcante para os Katxuyana. Com a proliferação das doenças trazidas por brancos e quilombolas vários subgrupos katxuyana simplesmente desapareceram até os anos 1960. No final desta década, os sobreviventes passaram a promover uma dispersão pela bacia do Trombetas.

Um pequeno grupo se deslocou inicialmente para a atual vila de Cachoeira Porteira, mas em seguida se juntou aos Hixkaryana no rio Nhamundá. Em 1959, outro grupo maior foi retirado de seu lugar de habitação tradicional por missionários franciscanos apoiados pela Força Aérea Brasileia (FAB), e levado para a Missão Tiriyó no Parque do Tumucumaque. Tal iniciativa convergia os interesses do governo brasileiro em ocupar as fronteiras do país e dos missionários de concentrarem os indígenas facilitando o processo de evangelização.  Por sua vez, de certa forma, sanava também o desejo dos Katxuyana que, além de estarem cansados de enterrar seus mortos, não tinham mais opções de casamento, de acordo com suas próprias regras tradicionais. Mas também porque necessitavam acessar bens (como produtos manufaturados e medicamentos), que não eram ofertados a eles na região central do Trombetas.

RETORNO AO RIO CACHORRO
Assim que chegaram ao Tumucumaque, os Katxuyana se organizaram em núcleos separados dos Tiriyó, construindo suas casas na periferia da aldeia. Desde a chegada na Missão Tiriyó, os Katxuyana já planejavam seu retorno ao Rio Cachorro, o que somente viria a se efetivar décadas depois. Só a partir do novo milênio que os Katxuyana iniciam efetivamente o processo de retorno ao seu território tradicional.

Em 2004, os Katxuyana refundaram a primeira aldeia, Santidade (Waraha Hatxa), localizada no médio Cachorro, em Oriximiná. Logo a aldeia contou com o apoio da Funai para a instalação de uma estrutura básica de comunicação e transporte, o que atraiu outras famílias tanto do Rio Paru de Oeste quanto do Rio Nhamundá.

Assim em 2006, famílias que se encontravam na aldeia Cafezal, junto dos Hixkaryana no rio Nhamundá, vieram para Santidade. Não demorou muito para que estes resolvessem abrir outra aldeia. Em 2008, fundaram a aldeia Chapéu, à jusante de Santidade. Nessas duas aldeias estão aqueles que se reconhecem como Katxuyana. Em, 2009, uma terceira aldeia, Kaspakuru (ou Visina), foi fundada entre os rios Kaxpakuru e Trombetas, para onde foram os Kahyana.

Desde que deixaram a Missão Tiriyó, os Katxuyana passaram a ter relações diretas com outros missionários, agora os evangélicos da Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), que vieram a se instalar nas novas aldeias.

O processo de retomada foi acompanhado de uma demanda junto à Funai pela demarcação de suas terras. Em resposta à reivindicação dos índios, Funai em 2005 formalizou um processo.  Três anos mais tarde, em 2008, a Funai constituiu Grupo Técnico com o objetivo de realizar os estudos de identificação e delimitação da Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana (Portaria 875 de 31/07/2008). Os estudos foram concluídos em 2013.

Durante dois anos, os índios – em parceria com os quilombolas e com o apoio do Iepé e a Comissão Pró-Índio de São Paulo – pressionaram para que o relatório de identificação fosse publicado. Finalmente, em outubro de 2015, a Funai publicou o Relatório de Identificação da TI Katxuyana-Tunayana reconhecendo os estudos de identificação e delimitação da Terra Indígena.

Assista ao vídeo da Campanha Terra Titulada-Demarcada Já

POVO MISTURADO

A sua característica de “povo misturado” é constantemente afirmada pelos Katxuyana. Desde os estudos iniciais na primeira metade do século passado, pesquisadores notaram o uso contextual dos nomes atribuídos pelos índios a si próprios: genericamente Warikyana, e em outros momentos Katxuyana ou Kahyana, fazendo referências aos seus lugares de moradia.

Esses pequenos grupos espalhados pela região central do Trombetas eram muito próximos, visitavam-se mutuamente em festividades frequentes. Se atualmente os Warikyana se veem fragmentados entre Katxuyana e Kahyana, ainda é preciso lembrar que seus movimentos de dispersão contribuíram ainda mais para a mistura. A mudança para a Missão Tiriyó e para o Nhamundá propiciou casamentos com os Tiriyó, Hixkaryana e Waiwai, povos com os quais pouco se tinha relação. E com a volta para o Cachorro, foram trazidas sobretudo as mulheres tiriyó tomadas como esposas.

Com o tempo e o convívio, esses processos levaram a um reconhecimento da proximidade entre esses povos. Como dizem os próprios Katxuyana, passaram a se entender como “um pouco Tiriyó” e “um pouco Waiwai”. Entretanto, nunca esse processo de aproximação se efetivou por completo. Os Katxuyana afirmam que mesmo vivendo junto desses outros povos, eram vistos por estes como estrangeiros, e os espaços de roça, pesca, caça, conquistados pelos Katxuyana nos novos lugares de habitação na aldeia-missão eram constantemente tomados de volta pelos ocupantes anteriores.

Era, portanto, preciso retornar a seu território tradicional, o médio rio Cachorro. Somente ali poderiam “viver sem mistura”, mais uma vez como afirmam os próprios Katxuyana. Todavia, os movimentos atuais, seja na continuidade dos casamentos entre esses povos, seja pelas viagens e moradias cada vez mais frequentes no mundo dos brancos e no meio urbano, apenas reforçam a ideia de como os movimentos traçados pelos indígenas na região, misturando-se e diferenciando-se, são constituintes de seu modo de ser. As aldeias atuais ocupadas pelos Katxuyana expressam muito bem os efeitos dessa mistura, como por exemplo, Santidade onde vivem Katxuyana e Tiriryó; Chapéu onde vivem Katxuyana, Hixkaryana e Waiwai; e Katxpakuru onde vivem Kahyana e Tiriyó.

BIBLIOGRAFIA

FRIKEL, Protásio. 1970. “Os Kaxuyana: notas etno-históricas”. In: Publicações Avulsas N. 14. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi.

GIRARDI, Luisa Gonçalves. 2011. “Gente do Kaxuru”: mistura e transformação entre um povo indígena karib-guianense. Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte: PPGAN/FAFICH/UFMG.
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ALCANTARA E SILVA, Vitor. 2015. Vestígios do rio Turuni: perseguindo fragmentos de uma história txikyana. Dissertação em Antropologia Social, PPGAS-USP, São Paulo