POVO INDÍGENA WAIWAI

Os Waiwai são um povo de língua caribe, cuja população ultrapassa 3000 pessoas. Ocupam atualmente três terras indígenas: TI Trombetas-Mapuera, TI Nhamundá-Mapuera e TI Waiwai, (no estado de Roraima). Existem Waiwai vivendo ainda em aldeias na região sul da Guiana.

Os Waiwai vivem da pesca, caça, coleta e agricultura, atividades destinadas principalmente à subsistência. Como fonte de renda contam com benefícios do governo (como aposentadorias e Bolsa família), a venda de artesanato, e salários enquanto professores indígenas e Agentes Indígenas de Saúde (AIS).

HISTÓRIA

Na passagem do século XIX para o XX, os Waiwai viviam dispersos na fronteira do Brasil com a Guiana, nas cabeceiras dos rios Essequibo e Mapuera. Viviam em pequenas aldeias de 20 a 50 pessoas. As aldeias não costumavam durar mais do que cinco anos, sendo abandonadas por diferentes motivos muitas vezes combinados entre si: escassez de recursos naturais, brigas, morte do líder, ascensão de novas lideranças.

Mantinham relações de troca e amizade com alguns povos vizinhos, comercializando bens apreciados na região, como papagaios falantes, cães de caça, sofisticados raladores de mandioca, e contas de vidro. Era comum o casamento com mulheres desses outros povos. Entretanto, nem sempre eles eram realizados consensualmente. Os Waiwai promoviam expedições para capturarem mulheres e/ou, muitas vezes, para vingar alguma morte por agressão xamânica.

Ao longo do século XX os Waiwai se aproximaram intensamente de outros povos da região visando arranjar casamentos, como os Mawayana, Katuena, Hixkaryana, Xereu, Tiriyó, Wapichana, dentre outros. Essa aproximação não se dava somente por uma consequência de um modo de ser próprio aos Waiwai. No final do século XIX, os Waiwai teriam quase sido dizimados pelas doenças trazidas pela colonização, o que teria feito dos casamentos com outros povos um meio de sobrevivência.

EWKA: RELAÇÃO COM OS MISSIONÁRIOS E A CONCENTRAÇÃO EM KANASHEN

Por volta de 1947, missionários evangélicos da Unevangelized Fields Mission (UFM) – ou, em sua versão atual, Missão Evangélica da Amazônia (MEVA) – chegaram a Guiana. Organizaram mais tarde a missão Kanashen, que segundo os próprios missionários significaria “Deus ama você” na língua waiwai. Atraíram para esse lugar vários povos que habitavam os rios Nhamundá e Mapuera. Forçaram os índios a abandonarem muitos dos comportamentos e valores tradicionais.

Mesmo depois da chegada dos missionários, estava evidente que os Waiwai continuavam o processo de fusão com outros povos por meio de casamentos, isto ao menos até meados da década de 1950. Nessa época a estimativa era de 70 a 200 Waiwai. Nesse sentido, o processo de fusão entre esses povos não se iniciou com a chegada dos missionários, por mais que tenha sido potencializado por eles com a introdução do novo contexto religioso.

É diante desse contexto que os missionários perceberam uma porta aberta também entre os Waiwai. Souberam de um jovem líder waiwai, Ewka, que vinha do Mapuera para a Guiana, e depois de cinco anos conseguiram sua conversão. A partir de Ewka, os missionários estimularam a busca de outros indígenas da região para Kanashen. Em dezoito anos, a população da aldeia-missão passou de cerca de 50 para 450 pessoas de diferentes povos.

Até hoje os Waiwai são responsáveis pela atração de índios não evangelizados e não contatados. Quando perguntados o porquê das expedições que promovem, dizem imaginar que estes índios devem estar doentes e sofrendo, tal como eles quando chegaram os missionários. É nesse sentido que pelo menos a história recente de todos os índios da região está intrinsecamente ligada a dos Waiwai, e vice-versa.

OUTRA VEZ EWKA: DISPERSÃO E OS RETORNOS TERRITORIAIS

A missão Kanashen fez parte de um movimento mais amplo entre os anos 1950 e 70 que envolvia grandes concentrações em uma única aldeia, marcante na História da região. Mas, desde os anos 70, os habitantes de Kanashen desejavam se dispersar, incluindo os próprios Waiwai que – novamente por meio da liderança de Ewka – pretendiam voltar ao Mapuera.

Os índios Katuena, levados para Kanashen entre 1966-67, em menos de cinco anos já procuravam voltar para seu lugar de ocupação tradicional no Mapuera. De fato, eles vieram junto aos Waiwai para o Mapuera, e desde então ainda cultivam a ideia de voltar para o rio Turuni.

Paralelamente a paulatina saída de Kanashen, nos anos 1970, os Waiwai seguiram com o processo de pacificação de seus vizinhos. Foram em direção ao médio Mapuera, local de origem dos Xereu. Também seguiram para a região onde hoje está a TI Waiwai no estado de Roraima, com o intuito de contribuir com o processo de pacificação dos Waimiri-Atroari. Todavia, a participação dos Waiwai na pacificação dos Waimiri-Atroari não obteve sucesso.

Por fim, instalada a nova aldeia dos Waiwai no rio Mapuera, também seguiram com a busca por “povos não-vistos”, como dizem os próprios Waiwai; povos que não haviam deixado a região no movimento para Kanashen. Em 1981, encontraram os Karapawyana no interflúvio do alto Mapuera e do alto Jatapu, e algumas pessoas se juntaram aos Waiwai. Mas devido à contração de doenças, e algumas mortes, os Karapawyana convenceram o líder Ewka a levá-los de volta ao local onde foram encontrados, para se reencontrarem com seus parentes.

No final dos anos 1980, então, os Waiwai se encontravam em quatro aldeias: no alto Essequibo (Guiana), no rio Nova, no rio Jatapuzinho, e no rio Mapuera (Roraima e Pará, nos limites atuais da TI Trombetas-Mapuera). No final desta década um surto de malária provocou várias mortes na aldeia do rio Nova, fazendo com que as famílias se dividissem e migrassem parte para o Jatapuzinho e outra para o Mapuera.

Contudo, no início dos anos 1990 os ex-habitantes da aldeia do rio Nova já desejavam voltar, com medo que os brancos ocupassem a região. Em 1994, cerca de 50 pessoas fundaram uma aldeia próxima ao ponto da antiga aldeia, batizando-a com o mesmo nome.

Até o final da década de 1990, essas únicas quatro grandes aldeias waiwai contrastavam com a paisagem da presença de isolados que ocupavam as cabeceiras dos igarapés ao redor das mesmas. Nesse período, com a recuperação demográfica dos povos da região, verificou-se um movimento maior de dispersão e/ou regresso para os territórios tradicionais.

Hoje os Waiwai estão distribuídos principalmente em aldeias do rio Mapuera, Jatapu e Jatapuzinho, além de algumas pessoas que vivem em aldeias de maioria de outros povos, como Katxuyana e Hixkaryana, por exemplo.

COMO VIVEM

Os Waiwai vivem da pesca, caça, coleta e agricultura além de auxílios do governo como aposentadorias e Bolsa família, e salários enquanto professores indígenas e Agentes Indígenas de Saúde (AIS).

Até meados do século XX, os habitantes das aldeias ocupavam uma única casa comunal, dividida internamente entre as famílias. Além dessa habitação, era comum também uma casa para processamento de mandioca e uma outra para receber visitantes.  Hoje, as habitações são divididas por família, e a casa-grande, umaná, é utilizada como ambiente de festas e reuniões.

A organização das aldeias varia de acordo com a relação que seus moradores mantêm com não-indígenas, mas também com a mistura entre os indígenas que lá vivem. No caso da aldeia Mapuera, por exemplo, é dividida em “bairros”, como dizem os próprios índios: bairro Katuena, bairro Waiwai, etc. Além das habitações e da umaná, há também uma escola, uma igreja, postos de saúde e da FUNAI, além de uma pista de pouso.

CHEFES-PASTORES: CONTINUIDADES NA TRANSFORMAÇÃO

A relação dos Waiwai com a atividade missionária é especialmente marcante na história da região. Podem-se apontar alguns dos principais aspectos dessa relação que ainda impactam a vida dos Waiwai – e analogamente a de outros povos: o abandono da casa comunal por habitações familiares; substituição de um sistema político apoiado na figura do xamã por um conselho de lideranças formado por pastores; concentração das populações em grandes aldeias acarretando escassez de produtos de subsistência e gerando dependência de alimentação não-indígena; proibição da realização de festas, danças e rituais nos quais eram servidas bebidas fermentadas e alcoólicas; adoção de cultos cristãos e ensinamentos da Bíblia; proibição da poligamia, luta contra o divórcio e contra os tabus alimentares.

Todavia, é possível chamar atenção para alguns aspectos significativos que se mantêm ao longo das transformações históricas vividas pelos Waiwai. Primeiro, se hoje as festas seguem as datas cristãs da páscoa e do natal, a estrutura de recepção dos visitantes pawana continua fundamental no desenvolvimento das mesmas, tal como acontece também nos Hixkaryana, por exemplo.

Outro aspecto é a manutenção na lógica de interpretação xamanística no sistema de acusações que geram conflitos ao mesmo tempo em que expressam as diferenças entre unidades sociais. Assim, embora os Waiwai afirmem que hoje não têm mais xamãs, isso não significa que não possuem xamanismo, no sentido de que princípios xamanísticos se mantiveram. Isso se expressa, por exemplo, na dinâmica de constatação de doenças e mortes que nunca são vistas como naturais, sempre sendo apontada como causa a feitiçaria.

Por fim, tomando Ewka como exemplo paradigmático do modo como funcionam o modelo de liderança na região, é possível fazer mais uma alusão às ações ocorridas nos últimos anos. Mesmo antes da evangelização Ewka convergia as posições religiosa e política sendo xamã e chefe ao mesmo tempo, característica fundamental no sistema políitico desses povos. Característica essa que se combina com uma segunda, a de que são esses líderes quem iniciam os processos de dispersão e fragmentação de aldeias, abrindo novas aldeias, criando novos agrupamentos sociais e políticos. Assim não é de se espantar que em muitos casos são os pastores indígenas que hoje assumem tais empreendimentos, uma vez que são eles que acumulam a posição de liderança mesmo quando essa se articula com eleições municipais, por exemplo.

BIBLIOGRAFIA

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FOCK, Niels
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QUEIROZ, Rubens Caixeta de
_1999. “A Saga de Ewká: epidemias e evangelização entre os Waiwai”. In: Robin Wright. (Org.). Transformando Deuses: Os Múltiplos Sentidos da Conversão Entre os Povos Indígenas no Brasil. Campinas: Editora da UNICAMP, 1999, p. 255-284.
__2015. “Cosmologia e História Waiwai e Katxuyana: sobre os movimentos de fusão e dispersão dos povos (yana)” In: Entre águas bravas e mansas. Índios & Quilombolas de Oriximiná. Comissão Pró-Índio de São Paulo & Instituto de Formação e Pesquisa Indígena, 104-133.