Evento aconteceu no quilombo Arapucu, em Óbidos (PA), onde foram discutidas a titulação, proteção dos territórios e outros direitos sociais
Plenária do 12º Encontro Raízes Negras. Foto: Juliana Donato (CPI-SP)
Nos dias 14, 15 e 16 de julho aconteceu o 12º Encontro Raízes Negras do Baixo Amazonas, no quilombo Arapucu, município de Óbidos (PA). O evento, que teve sua primeira edição em 1988, foi organizado pela Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Óbidos (ARQMOB), Associação de Remanescentes de Quilombo da Comunidade Arapucu (ARQUICA) e Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu), reunindo quilombolas dos municípios de Monte Alegre, Prainha, Oriximiná, Óbidos e Santarém.
A estimativa das entidades organizadoras é de que entre 600 e 700 pessoas participaram. Sob o tema “Resistir para Existir – Tenho Raízes e Não Nego Minhas Origens”, diferentes pautas estratégicas para a organização e luta dos quilombolas foram discutidas.
Douglas Sena, coordenador administrativo da ARQMOB, ressaltou que a “importância de realizar o Encontro Raízes Negras é a garantia do fortalecimento do movimento quilombola, desde as nossas comunidades e associações até às organizações em níveis mais abrangente”.
No mesmo sentido, Redinaldo Alves, coordenador de articulação da ARQMOB e morador da comunidade Arapucu, reforçou a importância do Raízes Negras: “O Raízes Negras é muito importante para o nosso movimento dessa forma, dessa troca de experiência, dessa troca de ideia que é colocada sempre em favor do movimento.”
Durante o encontro, lideranças quilombolas do Baixo Amazonas fizerem depoimentos de suas lutas, desafios atuais e conquistas ao longo dos anos, destacando a história do movimento no Baixo Amazonas.
Os participantes lembraram da importância da fundação das associações, como a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná (ARQMO), município onde foi titulado o primeiro quilombo no Brasil.
Irene Viana, da comunidade Boa Vista do Cuminã, da TQ Erepecuru (Oriximiná), comentou sobre a importância do movimento negro para os quilombolas: “A vida, a experiência, nós adquirimos no movimento negro. A universidade vem complementar. A experiência da vida é resistência. A resistência é o nosso forte”.
E também citou a importância de, principalmente os jovens, valorizarem a luta quilombola e as lideranças mais antigas: “Essa história vai resistir por muito tempo, desde que cada um de nós valorize essa luta. Essa história não pode morrer, essa história tem que estar escrita por nós”.
O encontro contou ainda com mesas sobre educação escolar, titulação e políticas públicas e formação de lideranças, com foco na identidade cultural e igualdade de gênero.
Comunidade Arapucu. Foto: Carolina Bellinger (Acervo CPI-SP).
Principal demanda: titulação das terras quilombolas no Baixo Amazonas
No segundo dia de evento, ocorreu a mesa “Titulação – território e implementação de políticas públicas”. Foram debatidos os desafios enfrentados pelo movimento quilombola para a regularização das terras no Baixo Amazonas, as dificuldades que os órgãos de governo para dar andamento aos processos e o acesso a outras políticas e programas de governo que apoiem os quilombolas na proteção de seus territórios.
Nessa mesa, Julia Gibertoni Leite, assessora da Comissão Pró-Índio de São Paulo, contribuiu com a apresentação de informações sobre a conjuntura nacional do andamento dos processos de titulação, focando nos avanços e entraves de 2023. Participaram também o Superintendente Regional do Incra no Oeste do Pará, José Maria de Sousa Melo, e o Diretor do Departamento de Reconhecimento, Proteção de Territórios Tradicionais e Etnodesenvolvimento do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Antônio Crioulo.
A principal demanda apresentada pelos quilombolas foi a regularização dos territórios. Atualmente há 18 processos de titulação de terras quilombolas do Baixo Amazonas abertos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). As terras quilombolas Passagem e Peafú, localizadas no município de Monte Alegre, estão com processos correndo no Instituto de Terras do Pará (Iterpa), órgão competente para a titulação a nível estadual.
No caso dos representantes das terras quilombolas já regularizadas, a principal demanda foi a atualização da Relação de Beneficiários (RB) pelo Incra. A atualização da RB é fundamental, pois é requisito para que as famílias tenham acesso às políticas públicas conduzidas pelo Incra.
Diante das reivindicações, José Maria de Sousa Melo, do Incra, apontou a necessidade de estabelecer prioridades, uma vez que o Incra está com poucos recursos orçamentários e de pessoal. Porém, já contando com uma melhora da situação diante do novo governo, se comprometeu a permanecer atento às questões levantadas e a estabelecer uma agenda de reuniões nos diferentes municípios para melhor encaminhamento das demandas. “Nós estamos atentos a todas essas questões, e estabelecemos já um processo de diálogo, de reuniões. O problema diante de todas as questões levantadas aqui é como se retoma todas essas pautas, pela diversidade e quantidade dos problemas apresentados. O desafio é estabelecer as prioridades”, disse o Superintendente.
Davi Ferreira da Silva e Redinaldo Alves com o CAR. Foto: Coletivo Audiovisual do Arapucu
Cadastro Ambiental Rural
Outro momento importante do encontro foi a entrega do Cadastro Ambiental Rural Coletivo de Povos e Comunidades Tradicionais – CAR/PCT à comunidade Arapucu pelo secretário adjunto de Gestão e Regularidade Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará, Rodolpho Zahluth Bastos. Segundo o órgão, foi incluída no cadastro uma área de mais de 766,69 hectares, beneficiando 207 quilombolas.
A entrega do CAR faz parte das ações do Programa Regulariza Pará. De acordo com a Semas/PA, o programa busca garantir a integridade de espaços territoriais protegidos e promover a regularização ambiental e fundiária dos imóveis rurais. Neste sentido, a Semas tem priorizado a emissão de CARs coletivos, e há previsão desta entrega, para o próximo mês, para mais quatro comunidades quilombolas da região Baixo Amazonas, beneficiando mais de 1.000 pessoas. Outras terras quilombolas de Óbidos foram incluídas pela Semas na base de dados, e aguardam agora a conclusão do processo.
Encontro Raízes Negras de 1989. Foto: Lúcia M. M. de Andrade (Acervo CPI-SP)
História do Raízes Negras
A mobilização das comunidades quilombolas nos Municípios no Baixo Amazonas por direitos coletivos nasceu nos anos de 1980 nos encontros Raízes Negras. Nessa época, as organizações que promoveram o espaço de diálogo foram o Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa) em parceria com comunidades quilombolas da região, com a Paróquia de Oriximiná e a Associação Cultural Obidense – ACOB.
Esses momentos foram essenciais para que as comunidades traçassem estratégias de luta pela efetividade do artigo 68 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, que garante às comunidades remanescentes dos quilombos o direito à propriedade de suas terras.
E a iniciativa foi bem-sucedida: é no Baixo Amazonas onde foram conquistadas as primeiras titulações de quilombos no Brasil: em 1995 a TQ Boa Vista (Oriximiná), em 1996, as TQs Água Fria (Oriximiná) e Pacoval (Alenquer) e em 1997 a TQ Erepecuru (Oriximiná).