O GOVERNADOR DO ESTADO DO PARÁ, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 135, inciso VII, alínea “a”, e o art. 322 da Constituição Estadual, e de acordo com a Constituição da República em seus arts. 215, § 1º, 216 e art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e Considerando a existência de um grande contingente de Comunidades Quilombolas no Estado do Pará, para as quais se faz necessária a “instituição de políticas públicas afirmativas”, em reconhecimento a contribuição histórica e social dada por estes à formação do nosso povo; Considerando que cabe ao Estado garantir a melhoria das condições de vida a essas comunidades, baseado no respeito aos seus processos organizativos e às suas práticas comunitárias, às suas identidades e diversidades; Considerando que as ações a serem viabilizadas devem respeitar a interação entre os conhecimentos técnicocientíficos e os saberes tradicionais comunitários, de modo a garantir a sustentabilidade das comunidades de forma coletiva e solidária,

DECRETA:

 CAPÍTULO I
DA POLÍTICA INSTITUIDA
Art. 1º Fica instituída a Política Estadual para as Comunidades Remanescentes de Quilombos no Estado do Pará, desenvolvida a partir de um conjunto de planos, projetos e ações sistemáticas e articuladas entre os órgãos da Administração Direta e Indireta, tendo em vista a garantia de direitos e a promoção do desenvolvimento sócio-econômico-ambiental sustentável das Comunidades Remanescentes de Quilombos.
Art. 2º A Política Estadual para as Comunidades Remanescentes de Quilombos tem por objetivo geral reconhecer, promover e proteger os direitos dessas Comunidades, assegurando-lhes melhoria da qualidade de vida, respeito as suas identidades, instituições e formas de organização, garantindo a participação de seus representantes nas decisões.
Art. 3º São objetivos específicos da Política Estadual para as Comunidades Remanescentes de Quilombos:
I – propor e instituir políticas públicas com vistas a promover o desenvolvimento sócio-econômico-ambiental e cultural das comunidades segundo seus padrões de ocupação territorial, valores e dimensão histórico-cultural;
II – apoiar os processos de fortalecimento institucional e organizacional, valorizando os conhecimentos tradicionais e práticas de uso dos recursos naturais locais historicamente construídos nas comunidades;
III – realizar os procedimentos necessários ao reconhecimento dos direitos territoriais, identificando, demarcando e titulando as terras ocupadas por essas comunidades, de modo a garantir sua reprodução física e sócio-cultural;
IV – desenvolver de forma compartilhada com as comunidades todas as etapas dos planos, projetos e ações, desde o diagnóstico das comunidades e planejamento de uso dos recursos disponíveis até a sua execução.
Art. 4º Consideram-se Comunidades Remanescentes de Quilombos, para os fins deste Decreto, conforme conceituação antropológica, os grupos étnicos constituídos por descendentes de negros escravizados que compartilham identidade e referência histórica comuns, possuindo normas de pertencimento explícitas, com consciência de sua identidade.
Parágrafo único. Será objeto desta política as comunidades que com base no principio da consciência da identidade étnica se reconheçam como Remanescentes de Quilombos perante o Estado, de acordo com a Legislação Federal, Estadual e Convenções Internacionais das quais o Brasil seja signatário, especialmente a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.
Art. 5º A Política Estadual para Comunidades Remanescentes de Quilombos será executada com base nos seguintes instrumentos:
I – nos Planos de Utilização Sustentável e de Desenvolvimento Sócio-Econômico-Ambiental, consideradas as especificidades das
comunidades aquando da elaboração dos mesmos;
II – nos procedimentos de identificação, delimitação e expedição de títulos de reconhecimento de domínio das terras ocupadas por Comunidades Remanescentes de Quilombos;
III – no Plano Plurianual – PPA do Estado do Pará.
CAPÍTULO II
DO RECONHECIMENTO, IDENTIFICAÇÃO, DEMARCAÇÃO E TITULAÇÃO DAS TERRAS OCUPADAS POR COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS
Art. 6º O reconhecimento, identificação, demarcação, titulação e registro das terras ocupadas por comunidades que compartilham identidade e referência histórica comuns de Quilombos respeitarão o autoreconhecimento da comunidade e a autoidentificação do território e serão realizados de acordo com o que estabelece o art. 68 dos ADCT da Constituição Federal, o art. 322 da Constituição Estadual, a Lei n.º 6.165, de 2 de dezembro de 1998, e o Decreto n.º 3.572, de 22 de julho de 1999.
Parágrafo único. As Comunidades Remanescentes de Quilombos serão representadas perante o Poder Público Estadual por suas associações legalmente constituídas ou por membros moradores das mesmas, indicados pela comunidade, sendo assegurado o acompanhamento de todas as etapas dos procedimentos necessários ao reconhecimento e titulação de suas terras.
Art. 7º Entende-se por terra ocupada, para os fins deste Decreto, a ser delimitada, medida, demarcada e titulada, aquela necessária à reprodução física e sociocultural das Comunidades Remanescentes de Quilombos, englobando os espaços de moradia, de conservação ambiental, de exploração econômica, das atividades sócio-culturais, inclusive os espaços destinados aos cultos religiosos e ao lazer.
Art. 8º A propriedade será reconhecida mediante outorga de título de reconhecimento de domínio, registrado no Cartório de Imóveis competente, em favor da associação representativa das respectivas comunidades, com cláusulas de indivisibilidade, intransferibilidade, imprescritibilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade.
CAPÍTULO III
DOS PLANOS DE UTILIZAÇÃO SUSTENTÁVEL E DE DESENVOLVIMENTO SÓCIO-ECONÔMICOAMBIENTAL PARA AS COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS
Art. 9º Os Planos de Utilização e de Desenvolvimento para as Comunidades Remanescentes de Quilombos têm por objetivo nortear a implementação da Política Estadual, devendo contemplar programas, projetos e ações, com definição de metas, recursos e responsabilidades dos órgãos públicos envolvidos na sua execução.
Art. 10. As dimensões das culturas material e imaterial, conforme definidas pelas normas constitucionais e de política cultural do Estado, deverão ser o suporte da construção dos Planos de Utilização Sustentável e Desenvolvimento Sócio- Econômico-Ambiental, os quais levarão em conta as dimensões racial, de gênero e etária, considerando a correlação entre as seguintes diretrizes:
I – direito territorial: garantia do reconhecimento de domínio das terras ocupadas por Comunidades Quilombolas;
II – qualidade de vida: acesso à educação e inserção da história dos Quilombos nas escolas das Comunidades Quilombolas, melhoria do meio ambiente local com educação para gestão ambiental, acesso à saúde, ao saneamento básico, à segurança alimentar, ao esporte e lazer, à energia elétrica, à infraestrutura de estradas e meios de transporte, e à habitação;
III – geração de renda: com sustentabilidade ambiental da terra e dos recursos naturais disponíveis na mesma, dotação de infraestrutura produtiva e tecnológica, acesso ao trabalho e geração de renda, acesso à assistência técnica e extensão rural, e acesso à qualificação profissional e gerencial;
IV – equidade de gênero e faixa etária: ações voltadas para as mulheres, crianças, jovens e idosos;
V – fortalecimento das comunidades: resgate da história, da memória e de cultura, levantamento de documentação existente, acesso à assistência social, acesso às tecnologias adaptadas com enfoque na produção e difusão do conhecimento local, acesso à informação e comunicação;
VI – valorização das comunidades: ações que favoreçam a interação entre as Comunidades Quilombolas visando à troca de experiências e de conhecimentos tradicionais, de modo a permitir a manutenção, divulgação e consolidação de saberes;
VII – participação e controle social: será assegurado o acompanhamento e monitoramento dos programas, planos, projetos e ações por parte das representações Quilombolas.
Art. 11. Os planos de utilização e desenvolvimento poderão se referir a uma comunidade ou a um conjunto de Comunidades Remanescentes de Quilombos existentes no mesmo “território”, entendido este enquanto espaço necessário para a garantia de áreas de moradia, de reprodução econômica, social e cultural, bem como de ocorrência de recursos ambientais necessários à preservação dos costumes, tradições, cultura e lazer, e da qualidade ambiental local. Parágrafo único. Os planos, programas, projetos e ações específicos de cada Comunidade Remanescente de Quilombo serão definidos em reuniões públicas, assegurada a participação e acompanhamento por parte das comunidades em todas as etapas de implementação dos mesmos.
CAPÍTULO IV
DA GESTÃO DA POLÍTICA ESTADUAL PARA COMUNIDADES QUILOMBOLAS
Art. 12. A gestão dos planos de utilização e planos de desenvolvimento de que trata a Política Estadual para Comunidades Remanescentes de Quilombos será desenvolvida por meio da Comissão Estadual de Políticas para Comunidades Remanescentes de Quilombos e por seu Comitê Executivo, que em conjunto garantirão a implementação e o controle da Política Estadual.
Art. 13. A Comissão Estadual de natureza bipartite e paritária representa um espaço privilegiado de participação das Comunidades organizadas Remanescentes de Quilombos, atuando como fórum facilitador e propositor das ações de governo destinadas ao atendimento das necessidades dessas comunidades, cabendo o estabelecimento de diretrizes e prioridades para implementação da Política Estadual.
Art. 14. A Comissão Estadual será composta por 7 (sete) representantes do Estado do Pará e 7 (sete) das Comunidades Remanescentes de Quilombos, titulares e suplentes, na
seguinte forma:
§ 1º Representantes do Estado do Pará oriundos do/a:
I – Gabinete do Governador;
II – Secretaria de Estado de Cultura – SECULT;
III – Secretaria de Estado de Agricultura – SAGRI;
IV – Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará – IDESP;
V – Secretaria de Estado da Educação – SEDUC;
VI – Instituto de Terras do Pará – ITERPA;
VII – Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos -SEJUDH;
§ 2º Representantes das Comunidades Remanescentes de Quilombos:
I – 7 (sete) representantes da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará –
MALUNGU.
§ 3º Os membros da Comissão Estadual, titulares e suplentes, de que trata o caput deste artigo serão indicados, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a partir da publicação deste Decreto, pelos respectivos dirigentes dos órgãos e entes estaduais e entidades representativas, sendo nomeados pelo
Governador do Estado.
Art. 15. À Comissão Estadual de Políticas para Comunidades Remanescentes de Quilombos compete:
I – formular as diretrizes específicas da Política Estadual para atuação do Comitê Executivo;
II – propor, articular, coordenar, monitorar e avaliar as ações a que se refere o art. 12, por meio da atuação compartilhada de órgãos, entidades públicas e privadas;
III – aprovar o programa anual e o relatório anual de atividades proposto pelo Comitê Executivo;
IV – estreitar as relações entre os gestores públicos locais e as Comunidades Quilombolas;
V – promover articulações para a identificação de mecanismos que possibilitem a obtenção de recursos e demais meios para a execução das ações do Comitê Executivo;
VI – promover o intercâmbio e a integração de informações produzidas pelo Comitê Executivo;
VII – divulgar informações sobre suas ações e do Comitê Executivo;
VIII – propor medidas efetivas que contribuam para melhoria da qualidade de vida das Comunidades Quilombolas;
IX – propor a alocação de recursos, por área prioritária de atuação, quando da elaboração dos Planos de Utilização Sustentável e de Desenvolvimento para as Comunidades Remanescentes de Quilombos;
X – apresentar ao Chefe do Poder Executivo instrumentos legais que se façam necessários ao aperfeiçoamento da Legislação Estadual no que se refere às Comunidades Remanescentes de Quilombos;
XI – elaborar e aprovar seu regimento interno, a ser ratificado por ato do Governador do Estado.
Art. 16. As atividades na Comissão Estadual que trata este Decreto não ensejarão remuneração de qualquer natureza, sendo seu exercício considerado de relevante interesse público.
Art. 17. O Comitê Executivo da Comissão Estadual de Políticas Públicas para as Comunidades Remanescentes de Quilombos, vinculado ao Gabinete do Governador, será responsável pela execução das atividades e ações propostas pela Comissão, e pela articulação e integração dos órgãos e entidades para a implementação da Política Estadual para Comunidades Remanescentes de Quilombos.
Parágrafo único. Caberá à Comissão Estadual dispor, em seu regimento interno, organização e o funcionamento do Comitê Executivo, inclusive especificando as funções a serem desempenhadas por seus integrantes.
Art. 18. Ao Comitê Executivo, vinculado ao Gabinete do Governador, caberão as seguintes atribuições:
I – disponibilizar apoio técnico e administrativo às atividades da Comissão Estadual de Políticas para Comunidades Remanescentes de Quilombos;
II – elaborar o programa anual de atividades e o relatório anual de atividades para aprovação da Comissão Estadual de Políticas para Comunidades Remanescentes de Quilombos;
III – executar as determinações que lhes forem destinadas pela Comissão Estadual de Políticas para Comunidades Remanescentes de Quilombos;
IV – coordenar e elaborar diagnósticos de âmbito Municipal e Estadual para subsidiar as ações dos órgãos e das entidades da Administração Pública Federal e Estadual com atuação nas Comunidades Remanescentes de Quilombos;
V – promover o levantamento histórico e cultural dessas comunidades;
VI – promover a visibilidade, valorização e reconhecimento das Comunidades Remanescentes de Quilombos;
VII – identificar projetos culturais para enquadramento nas leis de incentivo à cultura;
VIII – apoiar a implementação de projetos de desenvolvimento locais que contemplem a exploração sócio-econômico-ambiental em bases sustentáveis;
IX – estimular a abertura de linhas de crédito para o turismo cultural e ecológico, a fim de viabilizar o acesso e o conhecimento das Comunidades Remanescentes;
X – instituir um Cadastro Estadual de Comunidades Remanescentes de Quilombos;
XI – articular-se com instituições públicas e privadas, inclusive acadêmicas e de pesquisa, com vistas à obtenção de subsídios para orientação de suas ações;
XII – acompanhar, supervisionar e monitorar a implantação efetiva dos Planos de Utilização e Planos de Desenvolvimento para as Comunidades Remanescentes de Quilombos.
Art. 19. O Gabinete do Governador assegurará o suporte técnico, administrativo, financeiro e logístico necessários ao funcionamento da Comissão Estadual e de seu Comitê Executivo, podendo, para tanto, solicitar a cessão de servidores estaduais e, por seu titular, designá-los para atuar no Comitê.
CAPÍTULO V
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 20. O Estado, a partir do levantamento histórico e cultural das Comunidades Remanescentes de Quilombos, incluirá no currículo escolar obrigatório, no âmbito estadual, o estudo da história dos Quilombos e das suas características culturais.
Art. 21. A Comissão Estadual, tendo em vista a implementação dos Planos de Utilização e de Desenvolvimento para as Comunidades Remanescentes de Quilombos, apresentará ao Estado do Pará as ações contempladas no Plano Plurianual – PPA para as Comunidades Remanescentes de Quilombos, com indicativo dos recursos comprometidos ou que possam vir a ser assegurados por fontes externas.
Parágrafo único. A apresentação das ações de que trata o caput deste artigo será feita num prazo de até 60 (sessenta) dias, contados a partir da nomeação dos representantes que compõem a Comissão Estadual de Políticas para Comunidades Remanescentes de Quilombos e o Comitê Executivo, conforme prevêem os arts. 14 e 17 deste Decreto.
Art. 22. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 23. Revogam-se as disposições em contrário.
PALÁCIO DO GOVERNO, 22 de novembro de 2011.
SIMÃO JATENE
Governador do Estado

Publicação oficial do Diário Oficial do Estado, em 23.11.2011