Revogada pela Instrução Normativa Incra n.º 20, de 19.09.2005
Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
O PRESIDENTE DO INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 18 do Regimento Interno, aprovado pelo Decreto 5.011/2004:
DO OBJETIVO
Art. 1º Estabelecer procedimentos do processo administrativo, para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos Remanescentes de Comunidades dos Quilombos.
DA FUNDAMENTAÇÃO LEGAL
Art. 2º As ações objeto da presente Instrução Normativa têm como fundamento legal:
– Artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias;
– Artigos 215 e 216 da Constituição Federal ;
– Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962;
– Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964;
– Decreto nº 59.428, de 27 de outubro de 1966;
– Decreto nº 433, de 24 de janeiro de 1992;
– Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 e alterações posteriores;
– Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003.
– Decreto nº 4.886, de 20 de novembro de 2003
Convenção Internacional nº 169, da Organização Internacional do Trabalho – OIT
DA CONCEITUAÇÃO
Art. 3º Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.
Art. 4º Consideram-se terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos toda a terra utilizada para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural, bem como as áreas detentoras de recursos ambientais necessários à preservação dos seus costumes, tradições, cultura e lazer, englobando os espaços de moradia e, inclusive, os espaços destinados aos cultos religiosos e os sítios que contenham reminiscências históricas dos antigos quilombos.
DAS COMPETÊNCIAS DE ATUAÇÃO
Art. 5º Compete ao INCRA a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§1º As atribuições contidas na presente Instrução serão coordenadas e supervisionadas pela Superintendência Nacional do Desenvolvimento Agrário – SD e executadas pelas Superintendências Regionais- SR e Unidades Avançadas – UA do INCRA, através de Divisão Técnica, grupos ou comissões constituídas através de ordem de serviço do Superintendente Regional.
§2º Fica garantida a participação dos Gestores Regionais e dos Asseguradores do Programa de Promoção da Igualdade em Gênero, Raça e Etnia da Superintendência Regional em todas as fases do processo de regularização das áreas das Comunidades Remanescentes de Quilombos.
§3º A Superintendência Regional do INCRA poderá, sempre que necessário, estabelecer convênios, contratos e instrumentos similares com órgãos da administração pública federal, estadual, municipal, do Distrito Federal, organizações não-governamentais e entidades privadas, observada a legislação pertinente.
DOS PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS PARA ABERTURA DO PROCESSO
Art. 6º O processo administrativo terá inicio por requerimento de qualquer interessado, das entidades ou associações representativas de quilombolas ou de ofício pelo INCRA, sendo entendido como simples manifestação da vontade da parte, apresentada por escrito ou reduzido a termo por representante do INCRA, quando o pedido for verbal.
§1º A comunidade ou o interessado deverá apresentar informações sobre a localização da área objeto de identificação.
§2º À Superintendência Regional incumbe fornecer à SD, de forma sistemática, as informações concernentes aos pedidos de regularização das áreas remanescentes das Comunidades de Quilombos e dos processos em curso com vistas à inclusão dos dados no Sistema de Obtenção de Terras SISOTE e no Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária – SIPRA, para monitoramento e controle.
RECONHECIMENTO
Art. 7º A caracterização dos remanescentes das Comunidades de Quilombos será atestada mediante auto- definição da comunidade.
Parágrafo Primeiro – a auto definição será demonstrada através de simples declaração escrita da comunidade interessada ou beneficiária, com dados de ancestralidade negra, trajetória histórica, resistência à opressão, culto e costumes.
Parágrafo Segundo – A auto definição da Comunidade deverá confirmada pela Fundação Cultural Palmares – FCP, mediante Certidão de Registro no Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos do referido órgão, nos termos do § 4º, do artigo 3º, do Decreto 4.887/2003.
Parágrafo Terceiro – O processo que não contiver a Certidão de Registro no Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos da FCP será remetido pelo INCRA, por cópia, àquela fundação para as providências de registro, não interrompendo o prosseguimento administrativo respectivo.
IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO
Art. 8º A verificação do território reivindicado será precedida de reuniões com a comunidade e contará com a participação dos seus representantes e dos técnicos da Superintendência Regional do INCRA, no trabalho e na apresentação dos procedimentos que serão adotados.
Art. 9º A identificação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos consiste na caracterização espacial da área ocupada pela comunidade e será realizada mediante Relatório Técnico de Identificação, elaborado pela Superintendência Regional, a partir da indicação feita pela própria comunidade, além de estudos técnicos e científicos já existentes, encaminhados ao INCRA com anuência da comunidade.
DA ELABORAÇÃO DE RELATÓRIO TÉCNICO
Art. 10. O Relatório Técnico de Identificação será elaborado pela Divisão Técnica e se dará pelas seguintes etapas:
I – levantamento de informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas, socioeconômicas e históricas, junto às Instituições públicas e privadas (Secretaria de Patrimônio da União – SPU, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis -IBAMA, Ministério da Defesa, Fundação Nacional do Índio – FUNAI, Institutos de Terra, etc);
II – Planta e memorial descritivo do perímetro do território;
III – Cadastramento das famílias remanescentes de comunidades de quilombos, utilizando-se o formulário específico do SIPRA e contendo, no mínimo, as seguintes informações:
a) Composição familiar.
b) Idade, sexo, data e local de nascimento e filiação de todos.
c) Tempo de moradia no local ( território)
d) Atividade de produção principal, comercial e de subsistência.
IV Cadastramento dos demais ocupantes e presumíveis detentores de título de domínio relativos ao território pleiteado, observadas as mesmas informações contidas nas alíneas “a ” a “d” do inciso III;
V Levantamento da cadeia dominial completa do título de domínio e outros documentos inseridos no perímetro do território pleiteado;
VI Parecer conclusivo sobre a proposta de território e dos estudos e documentos apresentados pelo interessado por ocasião do pedido de abertura do processo;
PUBLICIDADE
Art. 11. A Superintendência Regional, após concluir os trabalhos de identificação, delimitação e levantamentos ocupacional e cartorial, publicará por duas vezes consecutivas no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federativa o extrato do edital de reconhecimento dos Remanescentes de Comunidades de Quilombos e notificação da realização de vistoria aos presumíveis detentores de título de domínio, ocupantes, confinantes e demais interessados nas áreas objeto de reconhecimento, contendo as seguintes informações:
I – denominação do imóvel ocupado pelos remanescentes das comunidades dos quilombos;
II – circunscrição judiciária ou administrativa em que está situado o imóvel;
III – limites, confrontações e dimensão constantes do memorial descritivo das terras a serem tituladas; e
IV – títulos, registros e matrículas eventualmente incidentes sobre as terras consideradas suscetíveis de reconhecimento e demarcação.
§ 1º A publicação do extrato do edital será afixada na sede da prefeitura municipal onde está situado o imóvel.
§ 2º A Superintendência Regional notificará os ocupantes e confinantes, não detentores de domínio, identificados no território pleiteado, para apresentar recurso.
PRAZO DE CONTESTAÇÃO
Art. 12. Os interessados terão o prazo de noventa dias, após a publicação e as notificações, para oferecer recurso contra a conclusão do relatório, juntando as provas pertinentes, encaminhando-as para as Superintendências Regionais e ou Unidades Avançadas do INCRA, que as recepcionará para subseqüentes encaminhamentos.
Parágrafo Único – Para este fim, entende-se como provas pertinentes o previsto em lei, cujo ônus fica a cargo do recorrente.
CONSULTA À ÓRGÃO E ENTIDADES
Art. 13. Após os trabalhos de identificação e delimitação, conforme disposto no artigo 8º, do Decreto 4.887, de 20/11/2003, concomitantemente com a publicação do edital, a Superintendência Regional do INCRA remeterá o Relatório Técnico de Identificação aos órgãos e entidades abaixo relacionados, para, no prazo comum de trinta dias, apresentar manifestação sobre as matérias de suas respectivas competências:
I – Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional – IPHAN;
II – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA;
III Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
IV – Fundação Nacional do Índio – FUNAI;
V – Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional;
VI – Fundação Cultural Palmares.
§1º No caso dos incisos V e VI, a Superintendência Regional procederá a consulta através da Superintendência Nacional de Desenvolvimento Agrário.
§2º Expirado o prazo e não havendo manifestação dos órgãos e entidades, dar-se-á como tácita a concordância sobre o conteúdo do relatório técnico.
DA ANÁLISE DA SITUAÇÃO FUNDIÁRIA DOS TERRITÓRIOS PLEITEADOS
Art. 14. A Superintendência Regional fará análise da situação fundiária dos territórios pleiteados, considerando a incidência de títulos públicos e privados, conforme descrições a seguir:
I – Quando as terras ocupadas por Remanescentes das Comunidades dos Quilombos incidirem sobre terrenos de marinha, a Superintendência Regional através da Superintendência Nacional do Desenvolvimento Agrário encaminhará os documentos à Secretaria do Patrimônio da União – SPU para a expedição do instrumento de titulação;
II – Quando as terras ocupadas por Remanescentes das Comunidades dos Quilombos estiverem sobrepostas à unidade de conservação constituída, às áreas de segurança nacional, à faixa de fronteira e às terras indígenas, a Superintendência Regional, através da Superintendência Nacional do Desenvolvimento Agrário, adotará as medidas cabíveis visando garantir a sustentabilidade destas comunidades, ouvidos o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente -IBAMA, a Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional, a Fundação Nacional do Índio – FUNAI e a Fundação Cultural Palmares;
III – Constatado que as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos incidem em terras de propriedade dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, a Superintendência Regional proporá a celebração de convênio com aquelas unidades da Federação para execução dos procedimentos e encaminhará os autos para os entes responsáveis pela titulação;
IV – Incidindo nos territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos quilombos título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado ineficaz por outros fundamentos, será realizada vistoria e avaliação do imóvel, objetivando a adoção dos atos necessários à sua obtenção.
V Constatado a incidência nos territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos quilombos de área de posse particular de domínio da União, será feita a abertura de processo administrativo para retomada da área em nome do poder público;
VI – Para os fins desta Instrução, o INCRA estará autorizado a ingressar no imóvel de propriedade particular, após as publicações editalícias do art. 11º para efeitos de comunicação prévia.
DA MEDIÇÃO E DEMARCAÇÃO
Art. 15. Para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios de territorialidade indicados no relatório técnico, devendo ser obedecidos os procedimentos contidos na Norma Técnica para Georeferenciamento de Imóveis Rurais, aprovada pela Portaria/INCRA/P/n.º 1.101, de 19 de novembro de 2003, e demais atos regulamentadores expedidos pelo INCRA em atendimento a Lei 10.267/01.
Parágrafo Único. Fica facultado à comunidade interessada apresentar as peças técnicas oriundas do processo demarcatório, desde que atendidas as normas e instrução estabelecidas pelo INCRA.
DA TITULAÇÃO
Art. 16. Não havendo impugnações ou sendo elas indeferidas, a Superintendência Regional concluirá o trabalho de titulação da terra ocupada pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, mediante aprovação em assembléia.
Art. 17. A titulação será reconhecida mediante outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades, em nome de suas associações legalmente constituídas, sem qualquer ônus financeiro, com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade, devidamente registrado no Serviço Registral da Comarca de localização das áreas.
Parágrafo Único. Aos remanescentes de comunidades de quilombos fica facultada a solicitação da emissão de Título de Concessão de Direito Real de Uso, em caráter provisório, enquanto não se ultima a concessão do Título de Reconhecimento de Domínio, para que possam exercer direitos reais sobre o território que ocupam. A emissão do Título de Concessão de Direito Real de Uso não desobriga a concessão do Título de Reconhecimento de Domínio.
Art. 18. A expedição do título e o registro cadastral a ser procedido pela SR far-se-ão sem ônus de qualquer espécie aos Remanescentes das Comunidades de Quilombos, independentemente do tamanho da área.
REASSENTAMENTO
Art. 19. Verificada a presença de ocupantes nas terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, a Superintendência Regional providenciará o reassentamento das famílias de agricultores que preencherem os requisitos da legislação agrária.
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 20. Os procedimentos administrativos de reconhecimento dos remanescentes das comunidades dos quilombos em andamento, em qualquer fase em que se encontrem, passarão a ser regidos por esta norma.
Art. 21. A Superintendência Nacional do Desenvolvimento Agrário, ouvida a Fundação Cultural Palmares, estabelecerá as regras de transição para a transferência dos processos administrativos e judiciais anteriores à publicação do Decreto 4.887/03, num prazo de 60 (sessenta dias) após publicação desta Instrução Normativa.
Art. 22. A Superintendência Regional promoverá o registro cadastral dos imóveis titulados em favor dos remanescentes das comunidades dos quilombos em formulários específicos.
Art. 23. Fica assegurada aos remanescentes das comunidades dos quilombos a participação em todas as fases do procedimento administrativo, bem como o acompanhamento dos processos de regularização em trâmite na Superintendência Regional, diretamente ou por meio de representantes por eles indicados.
Art. 24. As despesas decorrentes da aplicação das disposições contidas nesta Instrução correrão à conta das dotações orçamentárias consignadas na lei orçamentária anual para tal finalidade, observados os limites de movimentação, empenho e pagamento.
Art. 25. A Superintendência Regional, através da Superintendência Nacional do Desenvolvimento Agrário, encaminhará à Fundação Cultural Palmares, com vistas ao IPHAN, todas as informações relativas ao patrimônio cultural, material e imaterial, contidos no relatório Técnico de identificação territorial, para efeito de destaque e tombamento.
Art. 26. A Superintendência Nacional do Desenvolvimento Agrário manterá o MDA, SEPPIR e Fundação Cultural Palmares informados do andamento dos processos de regularização das terras de Remanescentes de Quilombos.
ROLF HACKBART
Publicado no Diário Oficial da União, edição número 78, em 26.04.2004