Institui o Estatuto da Equidade Racial no Estado do Pará, adota os preceitos da Lei Federal n° 12.288, de 20 de julho de 2010, e altera a Lei Estadual n° 6.941, de 17 de janeiro de 2007.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARÁ, estatui e eu sanciono a seguinte Lei:
TÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1° Esta Lei institui o Estatuto da Equidade Racial no Estado do Pará, adota os preceitos da Lei Federal n° 12.288, de 20 de julho de 2010, e altera a Lei Estadual n° 6.941, de 17 de janeiro de 2007, com a finalidade de garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos raciais individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnico-racial.
Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se:
I – discriminação racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada;
II – desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica;
III – desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais;
IV – população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga;
V – políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais;
VI – ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.
Art. 2° É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas e ambientais defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais.
Art. 3° Além das normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais, econômicos e culturais, ambientais e políticos, o Estatuto da Equidade Racial adota como diretriz político-jurídica a inclusão das vítimas de desigualdade racial, a valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional brasileira.
Art. 4° A participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural, ambiental do país será promovida, prioritariamente, por meio de:
I – inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social;
II – adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa;
III – modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado enfrentamento e a superação das desigualdades decorrentes do preconceito e da discriminação racial;
IV – promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à discriminação racial e às desigualdades étnicas em todas as suas manifestações individuais, institucionais e estruturais;
V – eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade racial nas esferas pública e privada;
VI – estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às desigualdades raciais, inclusive mediante a implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos públicos;
VII – implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades raciais no tocante à educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros.
Parágrafo único. Os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sócio-raciais e de gênero e demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas pública e privada, durante o processo de formação social do Estado do Pará e do País.
Art. 5° Para a consecução dos objetivos desta Lei, poderá ser instituído o Sistema Estadual de Promoção da Igualdade Racial (SEPIR), conforme estabelecido no Título III.
TÍTULO II
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
CAPÍTULO I
DO DIREITO À SAÚDE
Art. 6° O direito à saúde da população negra será garantido pelo Poder Público mediante políticas e programas universais, sociais e econômicas e específicas destinadas à redução do risco de doenças e de outros agravos.
- 1° O acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde (SUS) para promoção, proteção e recuperação da saúde da população negra, sem prejuízo das atribuições das entidades públicas federais, será de responsabilidade dos órgãos e instituições estaduais e municipais, da administração direta e indireta.
- 2° O Poder Público garantirá que o segmento da população negra vinculado aos seguros privados de saúde seja tratado sem discriminação.
Art. 7° O conjunto de ações de saúde voltadas à população negra constitui a Política Estadual de Saúde Integral da População Negra, organizada de acordo com as diretrizes abaixo especificadas:
I – ampliação e fortalecimento da participação de lideranças dos movimentos sociais em defesa da saúde da população negra nas instâncias de participação e controle social do SUS;
II – produção de conhecimento científico e tecnológico em saúde da população negra;
III – desenvolvimento de processos de informação, comunicação e educação para contribuir com a redução das vulnerabilidades da população negra;
IV – fortalecimento do programa voltado para saúde da população negra e quilombolas com ampliação e aprimoramento do atendimento a pacientes com Anemia Falciforme e fortalecimento do SUS;
V – fortalecimento das ações de saúde mental a população negra vítima do racismo e da discriminação racial.
Art. 8° Constituem objetivos da Política Estadual de Saúde Integral da População Negra:
I – a promoção da saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades raciais e o combate à discriminação nas instituições e serviços do SUS;
II – a melhoria da qualidade dos sistemas de informação do SUS no que tange à coleta, ao processamento e à análise dos dados desagregados por cor, etnia e gênero;
III – o fomento à realização de estudos e pesquisas sobre racismo e saúde da população negra;
IV – a inclusão do conteúdo da saúde da população negra nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde;
V – a inclusão da temática saúde da população negra nos processos de formação política das lideranças de movimentos sociais para o exercício da participação e controle social no SUS.
Parágrafo único. Os membros das comunidades de remanescentes de quilombos serão beneficiários de incentivos específicos para a garantia do direito à saúde, incluindo melhorias nas condições ambientais, no saneamento básico, na segurança alimentar e nutricional e na atenção integral à saúde.
CAPÍTULO II
DO DIREITO À EDUCAÇÃO, À CULTURA, AO ESPORTE E AO LAZER
Seção I
Disposições Gerais
Art. 9° A população negra tem direito a participar de atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer adequadas a seus interesses e condições, de modo a contribuir para o patrimônio cultural de sua comunidade, do Estado e da sociedade brasileira.
Art. 10. Para o cumprimento do disposto no art. 9°, sem prejuízo de participação em iniciativas do governo federal, o governo estadual e as prefeituras municipais adotarão as seguintes providências:
I – promoção de ações para viabilizar e ampliar o acesso da população negra ao ensino gratuito e às atividades esportivas e de lazer;
II – apoio à iniciativa de entidades que mantenham espaço para promoção social e cultural da população negra;
III – desenvolvimento de campanhas educativas, inclusive nas escolas, para que a solidariedade aos membros da população negra faça parte da cultura de toda a sociedade;
IV – implementação de políticas públicas para o fortalecimento da juventude negra paraense.
Seção II
Da Educação
Art. 11. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, é obrigatório o estudo da história geral da África e da história da população negra no Estado do Pará e no Brasil, observado o disposto na Lei Federal n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
- 1° Os conteúdos referentes à história da população negra no Estado do Pará e no Brasil serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, resgatando sua contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural e ambiental do País.
- 2° O órgão competente do Poder Executivo fomentará a formação inicial e continuada de professores e a elaboração de material didático específico para o cumprimento do disposto no caput deste artigo.
- 3° Nas datas comemorativas de caráter cívico, os órgãos responsáveis pela educação incentivarão a participação de intelectuais e representantes do movimento negro para debater com os estudantes suas vivências relativas ao tema em comemoração.
Art. 12. Os órgãos estaduais de fomento à pesquisa e à pós-graduação poderão criar incentivos a pesquisas e a programas de estudo voltados para temas referentes às relações étnicas, aos quilombos e às questões pertinentes à população negra.
Parágrafo único. Em cumprimento ao disposto no caput os órgãos estaduais de fomento à pesquisa e à pós-graduação em cooperação ou associação aos congêneres federais poderão participar do desenvolvimento de pesquisas e programas de estudos nacionais.
Art. 13. O Poder Executivo Estadual, por meio dos órgãos competentes, incentivará as instituições de ensino superior públicas e privadas, sem prejuízo da legislação em vigor a:
I – resguardar os princípios da ética em pesquisa e apoiar grupos, núcleos e centros de pesquisa, nos diversos programas de pós-graduação que desenvolvam temáticas de interesse da população negra;
II – incorporar nas matrizes curriculares dos cursos de formação de professores temas que incluam valores concernentes à pluralidade racial e cultural da sociedade brasileira;
III – formação continuada para professores que já estejam atuando na rede de ensino estadual, a fim de que possam trabalhar com a Lei Federal n° 10.639/2003;
IV – desenvolver programas de extensão universitária destinados a aproximar jovens negros de tecnologias avançadas, assegurado o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários;
V – estabelecer programas de cooperação técnica, nos estabelecimentos de ensino públicos, privados e comunitários, com as escolas de educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e ensino técnico, para a formação docente baseada em princípios de equidade, de tolerância e de respeito às diferenças étnicas.
Art. 14. O Poder Público estimulará e apoiará ações socioeducacionais realizadas por entidades do movimento negro que desenvolvam atividades voltadas para a inclusão social, mediante cooperação técnica, intercâmbios, convênios e incentivos, entre outros mecanismos.
Art. 15. O Poder Público adotará programas de ação afirmativa, reservando em escolas técnicas estaduais e instituições de ensino superior por ele mantidas no mínimo 40% (quarenta por cento) das vagas a candidatos negros que se submetam a processo seletivo pelo critério cor, preta ou parda.
Art. 16. VETADO.
Parágrafo único. VETADO.
Art. 17. O Poder Executivo Estadual, por meio dos seus órgãos competentes, acompanhará e avaliará os programas de que trata esta Seção.
Seção III
Da Cultura
Art. 18. Sem prejuízo das atribuições do ente federal, o Poder Público Estadual garantirá o reconhecimento das sociedades negras, clubes e outras formas de manifestação coletiva da população negra, com trajetória histórica comprovada, como patrimônio histórico e cultural, nos termos dos arts. 215 e 216 da Constituição Federal e Constituição do Estado do Pará, arts. 277/ VII -1° e 286 – § 1°, -b.
Art. 19. É assegurado aos remanescentes das comunidades dos quilombos o direito à preservação de seus usos, costumes, tradições e manifestos religiosos, sob a proteção do Estado.
Parágrafo único. A preservação dos documentos e dos sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, tombados nos termos do § 5° do art. 216 da Constituição Federal, receberá especial atenção do Poder Público Estadual, sem prejuízo das atribuições das instituições federais.
Art. 20. O Poder Público incentivará a celebração das personalidades e das datas comemorativas relacionadas à trajetória do samba, samba de cacete, carimbó, marambiré, boi bumbá, siriá, lundu, e de outras manifestações culturais de matriz africana, bem como sua comemoração nas instituições de ensino públicas e privadas.
Art. 21. O Poder Público garantirá o registro e a proteção da capoeira, em todas as suas modalidades, como bem de natureza imaterial e de formação da identidade cultural brasileira, nos termos do art. 216 da Constituição Federal.
Parágrafo único. O Poder Público buscará garantir, por meio dos atos normativos necessários, a preservação dos elementos formadores tradicionais da capoeira nas suas relações internacionais.
Seção IV
Do Esporte e Lazer
Art. 22. O Poder Público Estadual fomentará o pleno acesso da população negra às práticas desportivas, consolidando o esporte e o lazer como direitos sociais, sem prejuízo das iniciativas do ente federal.
- 1° A atividade de capoeirista será reconhecida em todas as modalidades em que a capoeira se manifesta, seja como esporte, luta, dança ou música, sendo livre o exercício em todo o território nacional.
- 2° É facultado o ensino da capoeira nas instituições públicas e privadas pelos capoeiristas e mestres tradicionais, pública e formalmente reconhecidos.
Art. 23. O Poder Público Estadual garantirá políticas de ação afirmativa com bolsas para atletas negros paraolímpicos e bolsa atleta para jovens negros em diversas modalidades.
CAPÍTULO III
DO DIREITO À LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA E AO LIVRE EXERCÍCIO DOS CULTOS RELIGIOSOS
Art. 24. É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos de religiões de matriz africana e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
Art. 25. O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende:
I – a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins e a suas liturgias;
II – a celebração de festividades e cerimônias de acordo com preceitos das respectivas religiões;
III – a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes ligadas às respectivas convicções religiosas;
IV – a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e materiais religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas por legislação específica;
V – a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e à difusão das religiões de matriz africana;
VI – a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a manutenção das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões;
VII – o acesso aos órgãos e aos meios de comunicação para divulgação das respectivas religiões; VIII – a comunicação ao Ministério Público para abertura de ação penal em face de atitudes e práticas de racismo e intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros locais.
Art. 26. É garantida a assistência religiosa aos praticantes de religiões de matrizes africanas internados em hospitais ou em outras instituições de internação coletiva, inclusive àqueles submetidos à pena privativa de liberdade.
Art. 27. O Poder Público Estadual adotará as medidas necessárias para o combate à intolerância com as religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus seguidores, especialmente com o objetivo de:
I – coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas;
II – inventariar, restaurar e proteger os documentos, obras e outros bens de valor artístico e cultural, os monumentos, mananciais, flora e sítios arqueológicos vinculados às religiões de matrizes africanas;
III – assegurar a participação proporcional de representantes das religiões de matrizes africanas, ao lado da representação das demais religiões, em comissões, conselhos, órgãos e outras instâncias de deliberação vinculadas ao Poder Público;
IV – assegurar que as políticas públicas voltadas para a população negra, sejam estendidas aos povos e comunidades tradicionais de matriz africana (POTMAS), considerando que são territórios de negritude.
CAPÍTULO IV
DO ACESSO À TERRA E À MORADIA ADEQUADA
Seção I
Do Acesso à Terra
Art. 28. O Poder Público Estadual elaborará e implementará políticas públicas capazes de promover o acesso da população negra à terra e às atividades produtivas no campo, sem prejuízo das atribuições do ente federal.
Art. 29. Para incentivar o desenvolvimento das atividades produtivas da população negra no campo, o Poder Público Estadual promoverá ações para viabilizar e ampliar o seu acesso ao financiamento agrícola, sem prejuízo do ente federal.
Art. 30. Serão assegurados à população negra a Assistência Técnica Rural, a simplificação do acesso ao crédito agrícola e o fortalecimento da infraestrutura de logística para a comercialização da produção, sem prejuízo das responsabilidades e ações dos entes federais.
Art. 31. O Poder Público Estadual promoverá a educação e a orientação profissional agrícola para os trabalhadores negros e as comunidades negras rurais, sem prejuízo das atribuições do ente federal.
Art. 32. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado do Pará emitir-lhes os títulos respectivos quando couber ou em acordo com a União Federal e seus órgãos fundiários, observado o art. 322 da Constituição Estadual.
Parágrafo único. VETADO.
Art. 33. O Poder Executivo Estadual, em colaboração com o ente federal ou por iniciativa própria, elaborará e desenvolverá políticas públicas especiais voltadas para o desenvolvimento sustentável dos remanescentes das comunidades dos quilombos, respeitando as tradições de proteção ambiental das comunidades.
Art. 34. Para fins de política agrícola, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento especial diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento público, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infraestrutura.
Art. 35. Os remanescentes das comunidades dos quilombos se beneficiarão de todas as iniciativas previstas nesta e em outras leis para a promoção da equidade racial.
Seção II
Da Moradia
Art. 36. O Poder Público Estadual garantirá a implementação de políticas públicas para assegurar o direito à moradia adequada da população negra que vive em favelas, cortiços, áreas urbanas subutilizadas, degradadas ou em processo de degradação, a fim de reintegrá-las à dinâmica urbana e promover melhorias no ambiente e na qualidade de vida, sem prejuízo das atribuições de entes federais e das políticas que desenvolvam de idêntica finalidade.
Parágrafo único. O direito à moradia adequada, para os efeitos desta Lei, inclui não apenas o provimento habitacional, mas também a garantia da infraestrutura urbana e dos equipamentos comunitários associados à função habitacional, bem como a Assistência Técnica e Jurídica para a construção, a reforma ou a regularização fundiária da habitação em área urbana.
Art. 37. Os programas, projetos e outras ações no Estado do Pará devem estar articuladas e realizadas no âmbito do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), regulado pela Lei n° 11.124, de 16 de junho de 2005, devendo considerar as peculiaridades sociais, econômicas e culturais da população negra.
Parágrafo único. O Estado do Pará e os Municípios estimularão e facilitarão a participação de organizações e movimentos representativos da população negra na composição dos conselhos constituídos para fins de aplicação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS). Art. 38. Os agentes financeiros, públicos ou privados, promoverão ações para viabilizar o acesso da população negra aos financiamentos habitacionais.
Art. 39. A implementação de políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho será de responsabilidade do Poder Público, sem prejuízo das atribuições da União Federal, observando-se:
I – o instituído neste Estatuto;
II – os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965;
III – os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção n° 111, de 1958, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da discriminação no emprego e na profissão;
IV – os demais compromissos formalmente assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional.
Art. 40. O Poder Público Estadual promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e de economia mista, além do incentivo de adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas.
- 1° A igualdade de oportunidades será lograda mediante a adoção de políticas e programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltados para a população negra.
- 2° As ações visando a promover a igualdade de oportunidades na esfera da administração pública far-se-ão por meio de normas estabelecidas ou a serem estabelecidas em legislação específica e em seus regulamentos.
- 3° O Poder Público Estadual estimulará, por meio de incentivos, a adoção de iguais medidas pelo setor privado.
- 4° As ações de que trata o caput deste artigo assegurarão o princípio da paridade de gênero entre os beneficiários.
- 5° Será assegurado o acesso ao crédito para a pequena produção, nos meios rural e urbano, com ações afirmativas para mulheres negras.
- 6° O Poder Executivo, por meio de seus órgãos competentes, promoverá campanhas de sensibilização contra a marginalização da mulher negra no trabalho artístico e cultural, respeitando sua identidade de gênero.
- 7° O Poder Público promoverá ações com o objetivo de elevar a escolaridade e a qualificação profissional nos setores da economia que contem com alto índice de ocupação por trabalhadores negros de baixa escolarização.
- 8° VETADO.
- 9° O Poder Público incentivará parcerias com cursos técnicos do Sistema S para pessoas negras de baixa renda (até dois salários mínimos) e do mercado informal.
- 10. VETADO.
- 11. O Estado, por meio de seus órgãos competentes, deverá conceder Selo de Equidade Racial, que deverá ser criado por lei específica, para empresas que possuam políticas de ação afirmativa para pessoas negras nos seus processos de recrutamento e seleção.
Art. 41. O Poder Executivo Estadual formulará políticas, programas e projetos voltados para a inclusão da população negra no mercado de trabalho e orientará a destinação de recursos para seu financiamento.
Art. 42. As ações de emprego e renda, promovidas por meio de financiamento para constituição e ampliação de pequenas e médias empresas e de programas de geração de renda, contemplarão o estímulo à promoção de empresários negros.
Parágrafo único. O Poder Público estimulará as atividades voltadas ao turismo com o enfoque na valorização da cultura racial com enfoque nos locais, monumentos e cidades que retratem a cultura, os usos e os costumes da população negra.
Art. 43. VETADO.
CAPÍTULO VI
DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Art. 44. A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a herança cultural e a participação da população negra na história do Pará.
Art. 45. Na produção de filmes e programas destinados à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas, deverá ser adotada a prática de conferir oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros, sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política, ideológica, racial ou artística.
Art. 46. Aplica-se à produção de peças publicitárias destinadas à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas o disposto no art. 43.
Art. 47. Os órgãos e entidades da administração pública direta, autárquica ou fundacional, as empresas públicas e as sociedades de economia mista do Estado do Pará, deverão incluir cláusulas de participação de artistas negros nos contratos de realização de filmes, programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário.
- 1° Os órgãos e entidades de que trata este artigo incluirão, nas especificações para contratação de serviços de consultoria, conceituação, produção e realização de filmes, programas ou peças publicitárias, a obrigatoriedade da prática de iguais oportunidades de emprego para as pessoas relacionadas com o projeto ou serviço contratado.
- 2° Entende-se por prática de iguais oportunidades de emprego o conjunto de medidas sistemáticas executadas com a finalidade de garantir a diversidade racial, de sexo e de idade na equipe vinculada ao projeto ou serviço contratado.
- 3° A autoridade contratante poderá, se considerar necessário para garantir a prática de iguais oportunidades de emprego, requerer auditoria por órgão do Poder Público Estadual.
- 4° A exigência disposta no caput não se aplica às produções publicitárias quando abordarem especificidades de grupos étnicos determinados.
Art. 48. Deverá ser assegurado nos territórios quilombolas o acesso às Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s), principalmente da informática e da internet no Estado do Pará, proporcionando à população quilombola paraense melhores oportunidades no mercado de trabalho e a apropriação do conhecimento para o benefício da comunidade.
TÍTULO III
DO SISTEMA ESTADUAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (SIEPIR)
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÃO PRELIMINAR
Art. 49. É instituído o Sistema Estadual de Promoção da Igualdade Racial (SIEPIR) como forma de organização e de articulação voltadas à implementação do conjunto de políticas e serviços destinados a superar as desigualdades étnicas existentes no Estado do Pará.
- 1° O Estado do Pará poderá aderir ao Sistema Nacional de Promoção de Igualdade Racial e mediante adesão os Municípios poderão participar do Sistema Estadual.
- 2° O Poder Público Estadual incentivará a sociedade e a iniciativa privada a participar do SIEPIR.
CAPÍTULO II
DOS OBJETIVOS
Art. 50. São objetivos do SIEPIR:
I – promover a igualdade racial e o combate às desigualdades sociais resultantes do racismo, inclusive mediante adoção de ações afirmativas;
II – formular políticas destinadas a combater os fatores de marginalização e a promover a integração social da população negra;
III – descentralizar a implementação de ações afirmativas pelos governos estaduais, distrital e municipais;
IV – articular planos, ações e mecanismos voltados à promoção da igualdade racial;
V – garantir a eficácia dos meios e dos instrumentos criados para a implementação das ações afirmativas e o cumprimento das metas a serem estabelecidas.
CAPÍTULO III
DA ORGANIZAÇÃO E COMPETÊNCIA
Art. 51. O Poder Executivo, por meio de seus órgãos competentes, elaborará plano estadual de promoção da igualdade racial contendo as metas, princípios e diretrizes para a implementação da Política Estadual de Promoção da Igualdade Racial (PEPIR).
- 1° A elaboração, implementação, coordenação, avaliação e acompanhamento da PEPIR, bem como a organização, articulação e coordenação do SIEPIR, serão efetivados pelo órgão responsável pela política de promoção da igualdade racial em âmbito estadual.
- 2° O Poder Executivo Estadual, por meio de seus órgãos competentes, instituirá fórum intergovernamental de promoção da igualdade racial, com o objetivo de implementar estratégias que visem à incorporação da política nacional de promoção da igualdade racial nas ações governamentais de Estados e Municípios.
- 3° As diretrizes das políticas nacional e regional de promoção da igualdade étnica serão elaboradas por órgão colegiado que assegure a participação da sociedade civil.
Art. 52. Os Poderes Executivos Estadual e Municipal, no âmbito das respectivas esferas de competência, poderão instituir conselhos de promoção da equidade racial, de caráter permanente, deliberativo e consultivo, compostos por igual número de representantes de órgãos e entidades públicas e de organizações da sociedade civil representativas da população negra.
- 1° O Poder Executivo Estadual, por meio de seus órgãos competentes, captará os recursos que lhe foram destinados em decorrência de programas e atividades previstos na Lei Federal aos Estados e Municípios que tenham criado conselhos de promoção da equidade étnico-racial.
- 2° Será assegurado no Conselho de que trata o caput a função de elaboração, implementação, monitoramento e avaliação de Programas e ações de equidade raciais na área de educação, saúde, esportes e lazer sob responsabilidade dos Movimentos Negro do Pará para garantir a transversalidade com verba assegurada no orçamento anual do Estado do Pará.
CAPÍTULO IV
DAS OUVIDORIAS PERMANENTES E DO ACESSO À JUSTIÇA E À SEGURANÇA
Art. 53. O Poder Público poderá instituir, na forma da lei e no âmbito dos Poderes Legislativo e Executivo, Ouvidorias Permanentes em Defesa da Equidade Racial, para receber e encaminhar denúncias de preconceito e discriminação com base em cor e acompanhar a implementação de medidas para a promoção da igualdade.
Art. 54. É assegurado às vítimas de discriminação racial o acesso aos órgãos de Ouvidoria Permanente, à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, em todas as suas instâncias, para a garantia do cumprimento de seus direitos.
Parágrafo único. O Estado assegurará atenção às mulheres negras, respeitando sua identidade de gênero, em situação de violência, garantida a assistência física, psíquica, social e jurídica bem como assegurará que sejam atendidas, de forma especifica, nas demais questões jurídicas, considerando a situação de vulnerabilidade.
Art. 55. O Estado adotará medidas especiais para coibir a violência policial incidente sobre a população negra, com medidas específicas para combater o extermínio da juventude negra.
Parágrafo único. O Estado implementará ações de ressocialização e proteção da juventude negra em conflito com a lei e exposta a experiências de exclusão social.
Art. 56. O Estado adotará medidas para coibir atos de discriminação e preconceito praticados por servidores públicos em detrimento da população negra, observado, no que couber, o disposto na Lei n° 7.716, de 5 de janeiro de 1989.
Art. 57. Para a apreciação judicial das lesões e das ameaças de lesão aos interesses da população negra decorrentes de situações de desigualdade racial, recorrer-se-á, entre outros instrumentos, à ação civil pública, disciplinada na Lei Federal n° 7.347, de 24 de julho de 1985.
Art. 58. Deverá ser assegurado, pelos órgãos competentes do Poder Executivo, nos cursos de capacitação de servidores do Sistema de Segurança Pública, disciplinas curriculares específicas de enfrentamento ao racismo e outras práticas discriminatórias, e sobre o direito de igualdade racial, previstos no art. 3°, inciso IV da Constituição Federal e Decreto n° 65.810, de 8 de dezembro de 1969.
Parágrafo único. Considera-se cursos de capacitação, todo e qualquer curso realizado de formação ou de qualificação profissional dos servidores que trata o caput deste artigo.
Art. 59. Os relatórios do Conselho Estadual de Segurança Pública sobre violência e homicídios, deverão conter o recorte racial contra a população negra.
Art. 60. Deverá constar em qualquer concurso público, de qualquer dos Poderes do Estado do Pará, conteúdos sobre a legislação antirracista e de promoção da igualdade racial, em especial o Estatuto da Igualdade Racial Federal, Lei Federal n° 7.716/89 e Estadual quando houver.
CAPÍTULO V
DO FINANCIAMENTO DAS INICIATIVAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL
Art. 61. Na implementação dos programas e das ações constantes dos Planos Plurianuais e dos Orçamentos Anuais do Estado do Pará, deverão ser observadas as políticas de ação afirmativa a que se refere o inciso VII do art. 4° desta Lei e outras políticas públicas que tenham como objetivo promover a igualdade de oportunidades e a inclusão social da população negra, especialmente no que tange a:
I – promoção da igualdade de oportunidades em educação, emprego, geração de renda, moradia e saneamento básico;
II – financiamento de pesquisas, nas áreas de educação, saúde e emprego, voltadas para a melhoria da qualidade de vida da população negra;
III – incentivo à criação de programas e veículos de comunicação destinados à divulgação de matérias relacionadas aos interesses da população negra;
IV – incentivo à criação e à manutenção de microempresas administradas por pessoas autodeclaradas negras;
V – iniciativas que incrementem o acesso e a permanência das pessoas negras na educação fundamental, média, técnica e superior;
VI – apoio a programas e projetos do Governo Estadual e Municipal e de entidades da sociedade civil voltados para a promoção da igualdade de oportunidades para a população negra;
VII – apoio a iniciativas em defesa da cultura, da memória e das tradições africanas e brasileiras.
- 1° O Poder Executivo Estadual deverá adotar medidas que garantam, em cada exercício, a transparência na alocação e na execução dos recursos necessários ao financiamento das ações previstas neste Estatuto, explicitando, entre outros, a proporção dos recursos orçamentários destinados aos programas de promoção da igualdade, especialmente nas áreas de educação, saúde, emprego e renda, desenvolvimento agrário, habitação popular, desenvolvimento regional, cultura, esporte e lazer.
- 2° Durante os 10 (dez) primeiros anos, a contar do exercício subsequente à publicação deste Estatuto, os órgãos do Poder Executivo Estadual que desenvolvem políticas e programas nas áreas referidas no § 1° deste artigo, discriminarão em seus orçamentos anuais a participação nos programas de ação afirmativa referidos no inciso VII do art. 4° desta Lei.
- 3° O Poder Executivo Estadual poderá adotar as medidas necessárias para a adequada implementação do disposto neste artigo, podendo estabelecer patamares de participação crescente dos programas de ação afirmativa nos orçamentos anuais a que se refere o § 2° deste artigo.
- 4° O Poder Executivo Estadual, por meio de seus órgãos competentes, acompanhará e avaliará a programação das ações referidas neste artigo nas propostas orçamentárias do Estado.
Art. 62. Sem prejuízo da destinação de recursos ordinários, poderão ser consignados nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social para financiamento das ações de que trata o art. 55:
I – transferências voluntárias da União Federal;
II – doações voluntárias de particulares;
III – doações de empresas privadas e organizações não governamentais, nacionais ou internacionais;
IV – doações voluntárias de fundos nacionais ou internacionais;
V – doações de Estados estrangeiros, por meio de convênios, tratados e acordos internacionais;
VI – VETADO.
TÍTULO IV
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 63. As medidas instituídas nesta Lei não excluem outras em prol da população negra que tenham sido ou venham a ser adotadas no âmbito da União Federal ou dos Municípios.
Art. 64. O Poder Executivo Estadual criará instrumentos para aferir a eficácia social das medidas previstas nesta Lei e efetuará seu monitoramento constante, com a emissão e a divulgação de relatórios periódicos, inclusive pela rede mundial de computadores.
Art. 65. VETADO.
Parágrafo único. VETADO.
Art. 66. O parágrafo único do art. 1° da Lei n° 6.941, de 17 de janeiro de 2007, passa a viger com a seguinte redação:
“Art.1° ……………………………………………………………….
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, considera-se população negra o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga e sejam socialmente reconhecidas como tal.”
Art. 67. Ficam mantidos os efeitos das Leis n°s 6.457, de 30 de abril de 2002, 6.938, de 28 de agosto de 2006, e 6.941, de 17 de janeiro de 2007, não havendo oposição à presente Lei.
Art. 68. Os direitos e garantias expressos neste Estatuto não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ele adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (Art. 5°, LXXVIII, § 2° da Constituição Federal/88) (preâmbulo).
Art. 69. VETADO.
Art. 70. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
PALÁCIO DO GOVERNO, 11 de novembro de 2021.
FRANCISCO DAS CHAGAS SILVA MELO FILHO
Governador do Estado em exercício
Este texto não substitui o publicado no DO de 12/11/2021