Responsabilidade de acompanhar os processos de licenciamento ambiental com potencial de impactar comunidades quilombolas e conduzir a consulta livre, prévia e informada foi transferida para o Incra. Entenda como foi essa mudança e suas consequências
Logo que assumiu a presidência, no dia 2 de janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro transferiu a competência de acompanhar os processos de licenciamento ambiental de empreendimentos com potenciais impactos em Terras Quilombolas da Fundação Cultural Palmares para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), sob o comando dos ruralistas.
Porém, foi só em fevereiro de 2020, que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi definido como o órgão vinculado ao MAPA responsável pela tarefa. Assim, além de continuar respondendo pela titulação das terras quilombolas, o Incra passa a acompanhar também os processos de licenciamento ambiental de empreendimentos e obras que podem impactar comunidades quilombolas. Essa nova responsabilidade inclui ainda a condução da consulta livre, prévia e informada aos quilombolas no âmbito do licenciamento ambiental.
A mudança foi recebida com cautela, principalmente porque não houve consulta ou diálogo com os quilombolas. “A CONAQ não foi consultada. Na realidade, o diálogo com o governo atual, dentro dessa nova conjuntura, não existe”, explica José Carlos Galiza, liderança da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).
A Procuradora Regional da República, Maria Luiza Grabner, também problematiza a forma como a decisão foi tomada: “Esse tipo de atuação, sem diálogo, sem transparência, não nos dá segurança para achar que esse processo vai ser bom daqui para frente. Então, a gente vê com preocupação sim”.
Em entrevista à Rádio da Pró-Índio, Érico Goulart, coordenador geral de regularização de territórios quilombolas do Incra, explica que o órgão está se organizando para assumir suas novas atribuições: “Foi criada a equipe nacional de licenciamento ambiental, em julho. A equipe conta com nove servidores, sendo quatro da regularização geral de territórios quilombolas. Os demais técnicos são das superintendências da Paraíba, do Amazonas, do Rio de Janeiro e da unidade especial de Sertão, em Pernambuco.” O coordenador esclarece ainda que uma instrução normativa do Incra “está em fase final de elaboração, podendo ser publicada nos próximos dias”.
Retrocessos na Política Ambiental
As preocupações com relação aos direitos das comunidades quilombolas nos processos de licenciamento ambiental não decorrem apenas da mudança de responsabilidades da Fundação Palmares para o Incra. De forma geral, o que se assiste no Brasil são sucessivas tentativas de retroceder na legislação socioambiental e enfraquecer o licenciamento ambiental.
Assim, pontua Suely Araújo, que foi presidente do Ibama entre 2016 e 2018, “Com diferentes governos de diferentes ideologias, às vezes você caminhava mais em meio ambiente, às vezes você caminhava menos, mas nunca houve um desmonte. Esse governo entra e entra desconstruindo, ele não está substituindo, ele simplesmente está desmontando. É uma visão da política ambiental como uma barreira que tem que ser removida para viabilizar empreendimentos mais rápidos, sem controle governamental, com os empresários decidindo por eles mesmos”.