Oficina virtual promovida pela Pró-Índio reuniu lideranças de comunidades que utilizam recursos da Floresta Nacional para formação sobre os instrumentos de gestão de Unidades de Conservação.
Quilombolas e ribeirinhos dependem da floresta para sobreviver e ajudam a manter ela de pé. Mas ficam em segundo plano na divisão do Plano de Manejo da Flona Saracá-Taquera. Foto: Carlos Penteado
Lideranças quilombolas e ribeirinhas de Oriximiná e Óbidos, no Norte do Pará, reuniram-se no último dia 27/07 em oficina virtual sobre o Plano de Manejo da Floresta Nacional de Saracá-Taquera. Promovido pela Comissão Pró-Índio de São Paulo, o encontro visou munir as lideranças de conhecimentos sobre o atual plano e os direitos das comunidades quilombolas e ribeirinhas.
A oficina foi conduzida pela pesquisadora Ítala Nepomuceno, doutoranda em Antropologia Social na Universidade Federal do Amazonas. Participaram lideranças de sete comunidades quilombolas e ribeirinhas de Oriximiná e Óbidos.
A Floresta Nacional Saracá-Taquera e seu uso pelas comunidades
A Floresta Nacional (Flona) Saracá Taquera é uma Unidade de Conservação (UC) federal com 427 mil hectares (ou 4,4 mil quilômetros quadrados), que engloba partes dos municípios de Oriximiná, Terra Santa e Faro, no Pará. Sua extensão territorial é maior que a das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro somadas, e não fica longe da do Distrito Federal inteiro (5,8 mil quilômetros quadrados).
A Flona sobrepõe-se às Terras Quilombolas Alto Trombetas I e Alto Trombetas II, e também é utilizada por comunidades ribeirinhas como Saracá e Boa Nova, entre outras. Ou seja, populações que tradicionalmente ocupam o espaço e dependem dos recursos naturais da floresta para manter seu modo de vida e subsistência.
Plano de Manejo – direitos de quilombolas e ribeirinhos ignorados
O plano de manejo é o documento que rege as formas de utilização da Flona tanto pelas comunidades que ali vivem como por outros interessados, como a Mineração Rio do Norte, que extrai bauxita do território em larga escala.
Esse plano, que foi publicado pelo governo federal em 2002, define também o zoneamento da UC, indicando as áreas reservadas à moradia, exploração minerária e madeireira, preservação integral da floresta, etc.
Atual zoneamento definido pelo Plano de Manejo da Flona Saracá-Taquera. Muito espaço para mineração, pequenas áreas para comunidades e recuperação da floresta. Fonte: Ibama, Plano de Manejo
Falta de informações claras para quilombolas e ribeirinhos
As lideranças presentes na oficina disseram que faltam informações e esclarecimentos sobre o plano de manejo atual e o processo de sua revisão, e manifestaram sua surpresa com o mapa do zoneamento da Flona. Espremidas pelo que sobra da enorme área destinada à mineração, as zonas populacionais e de recuperação da vegetação quase não podem ser vistas sem a ampliação do mapa. “Dá para ver que a nossa parte, para os ribeirinhos e quilombolas, está sendo tomada pela mineradora”, comentou Jesi, da comunidade ribeirinha São Francisco.
O zoneamento reserva apenas uma faixa de terra de um quilômetro nas margens do Rio Trombetas para a “zona populacional”, mostrou a pesquisadora Ítala. “A gente ouve falar, mas não fica sabendo o que significa o plano de manejo, zoneamento… Eu não tinha esse conhecimento. O que pude observar é que a gente ficou só nas bordazinhas, bem espremidinho”, reclamou Fátima Viana, ribeirinha da comunidade Boa Nova.
Voz ativa na revisão do plano
Na oficina foi dado o alerta que o plano de manejo atual está em processo de revisão pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e que está é uma oportunidade para ribeirinhos e quilombolas conseguirem um plano de reconheça seus direitos.
Parte importante da apresentação de Ítala foi mostrar que os povos tradicionais não só devem ser contemplados de forma justa no zoneamento, como devem poder influenciar na tomada de decisões que envolvem o manejo da Flona. Isso é garantido tanto pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC (Lei 9.985/2000), quanto pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário.
Ribeirinhos não têm o direito de uso da Flona reconhecido no atual Plano de Manejo. Na imagem, membros da comunidade Boa Nova. Foto: Carlos Penteado
“[A Lei 9.985/2000] permite que as comunidades existam em conformidade com o plano de manejo. Mas diz também que elas têm direito à participação – de revisar, fazer mudanças, etc. E de participar no conselho consultivo, que é uma das formas pelas quais a comunidade tem direito de falar e participar da gestão da Flona”, explicou Ítala.
Benefícios do encontro e próximos passos
Para as lideranças presentes, a oficina foi útil para que estejam mais conscientes dos seus direitos relativos ao território que ocupam. “Agora que a gente está sendo informado sobre nossos direitos e como funciona esse plano, estaremos mais bem preparados. A gente não tinha essa informação de forma transparente sobre o que a gente pode reivindicar”, afirmou Jesi.
Para seguir com o trabalho de colaboração com as comunidades ribeirinhas e quilombolas, a Comissão Pró-Índio de São Paulo já tem outras oficinas marcadas sobre assuntos que impactam diretamente na vida dessas comunidades. Sobre o Plano de Manejo da Flona Saracá-Taquera, uma cartilha explicativa será produzida em breve, para distribuição nas comunidades e divulgação para o público geral.
“Para mim foi muito boa a oficina, Com a pandemia estamos muito sem informações. Espero que vocês enviem mesmo essas cartilhas porque tem muita gente que não tem nenhuma informação. Acho que vai abranger muitas pessoas. Agradeço muito a oficina”, Ari Carlos Printes do Quilombo Abuí.