Apesar de marcar oficialmente a abolição da escravatura no Brasil, a data esconde um legado de desigualdades e ausência de reparações à população negra.

Novo episódio da Rádio da Pró-Índio - Por que não devemos comemorar o 13 de maio

No dia 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que aboliu oficialmente a escravidão no Brasil. Desde então, a data é usada por muitos para “celebrar” o ato que “pôs fim do regime escravista” no país. Mas foi assim mesmo que aconteceu? E, após essa data, de fato ex- escravos foram integrados à sociedade?

Na verdade, a história é um pouco diferente, como mostram lideranças do movimento negro entrevistados para o novo episódio da Rádio da Pró-Índio. Nilma Bentes, cofundadora do Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará (CENDEPA), e da rede Fulanas-NAB, Negras da Amazônia Brasileira; e Flávio Jorge, membro executivo da Coordenação Nacional de Entidades Negras, e ativista da Soweto Organização Negra, apontam que a abolição de 1888 não teve a intenção reparar as injustiças cometidas contra os escravos, e contribuiu para manter um cenário de desigualdades que deixa sequelas até hoje.

Ao longo do século XIX, a economia do nosso país era totalmente dependente do trabalho escravo, e essa situação era aceita e explorada pela maioria da sociedade branca. Houve intensa resistência dos escravos por meio de fugas e formação de quilombos, por exemplo, e, na metade final do século, a luta abolicionista ganhou apoio de membros da sociedade civil como André Rebouças, Luís Gama e José do Patrocínio. Mas, apesar da abolição ter sido alcançada, a reparação e a integração digna dos antigos escravizados na sociedade e na economia, não aconteceu.

“Naquele momento nós teríamos que ter tido um projeto político de nação, onde os trabalhadores escravizados tivessem incorporados neste projeto. Só que o projeto de nação que foi construído à partir do 13 de maio, foi um projeto que valorizava aqueles novos trabalhadores que estavam chegando aqui no Brasil, que eram os imigrantes italianos e portugueses de outras nacionalidades, e nós negros fomos jogados na rua, uma situação que persiste até hoje apesar de a nossa luta”, conta Flávio Jorge.

Ou seja, a abolição assinada pela Princesa Isabel libertou oficialmente os escravos, mas não libertou verdadeiramente os negros, uma vez que não houve nenhum tipo de reparação por parte do Estado. Por isso, não é uma data comemorada pelo movimento negro – é o que nos explica Nilma Bentes: “A gente não comemora porque a abolição, inclusive, começou a ser marcada para homenagear a princesa Isabel, que não tinha nada a ver com a gente e com isso, como se ela tivesse sido uma boazinha”, diz.

Em contraposição ao 13 de maio, o movimento negro elegeu como data para celebrar a sua autonomia o 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares – líder de um dos maiores e mais famosos quilombos de resistência à escravidão. Nesse dia, é comemorado o Dia Nacional da Consciência Negra.

“O 13 de maio não nos representa, o que nos representa é a luta de Zumbi, a luta de Dandara pela libertação dos nossos territórios da época. O que nos representa é a nossa consciência negra, que deve ser mais valorizada e mais compreendida como um projeto de nação, como um projeto de um Brasil mais justo e igualitário”, comenta Flávio Jorge.

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Créditos

Texto: Rafael Faustino
Arte: Irmãs de Criação

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