Avani Fulni-ô, 48 anos, faz parte dos 90% de indígenas que vivem em cidades no Estado de São Paulo. Foi em uma das maiores cidades do Mundo, a capital paulista, que Avani redescobriu sua cultura. “Eu vim para São Paulo porque perdi meu pai e minha mãe, precisava refazer a minha vida. Em Pernambuco não havia opções e eu decidi vim pra cá”, conta a indígena que começou trabalhando como balconista em padarias até que, por meio de Organizações Não-Governamentais passou a trabalhar com questões ambientais e artesanato indígena, mais especificamente o do povo Fulni-ô. “Quando eu comecei a mexer com artesanato, eu vi o quanto é rica a minha cultura e que eu podia continuar em contato com ela mesmo morando aqui, eu sou Fulni-ô onde quer que eu vá”, conta com orgulho.
No Brasil a porcentagem de índios morando em centros urbanos é 38,5%. Apesar do percentual elevado, há poucas ações e políticas em beneficio desta parte da população que encontra dificuldades para ter acesso à direitos básicos. Tendo em vista essa realidade, a Comissão Pró-Índio de São Paulo e o Centro Gaspar Garcia iniciaram em fevereiro de 2011 o projeto “A cidade como afirmação dos direitos indígenas”, com apoio da União Europeia e Oxfam.
Para a realização do projeto duas organizações com experiências bastante diversas se reuniram. A Comissão Pró-Índio de São Paulo tem 30 anos de trabalho com povos indígenas e o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos atua na luta por direitos humanos no meio urbano há 20 anos. As experiências e capacidades diversas se somaram para buscar compreender melhor essa nova e desafiadora realidade. “O projeto busca, a partir do Direito à Cidade, ajudar etnias indígenas, ligadas ao ambiente urbano, a se relacionarem com a cidade de São Paulo, ou seja, procura-se facilitar os caminhos para o acesso a políticas públicas, lutando para que sejam respeitadas em seus direitos, culturas e costumes”, explica René Ivo, do Centro Gaspar Garcia.
O projeto se desenvolverá até julho de 2013 e irá contribuir para que populações indígenas ganhem mais visibilidade e possam exercer seus direitos individuais e coletivos também no contexto urbano. “Iremos disponibilizar aos índios subsídios e informações que lhes permitam demandar medidas que reduzam a exclusão que experimentam”, explica Lúcia Andrade, coordenadora executiva da Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP).
Entre as atividades previstas estão três pesquisas: um diagnóstico sobre a situação de três etnias na cidade de São Paulo, com atenção especial para o exercício do direito à moradia e o acesso à terra urbana; o mapeamento e avaliação das políticas públicas, legislação e jurisprudência que beneficiam os índios nas cidades; e uma análise dos planos diretores de seis cidades para identificar como é tratado o tema dos direitos indígenas nestes instrumentos. Por fim, as conclusões do projeto darão resultado a um livro e também serão apresentadas e debatidas durante um Seminário Nacional.
A situação das comunidades indígenas é bastante semelhante à realidade vivida pela população excluída da cidade, com um agravante de ser uma cultura de resistência que não consegue dialogar com o espaço urbano da forma que está posto. Avani, por exemplo, encontrou e encontra até hoje pessoas que dizem que ela não é índia. “Eu sei quem sou, eu represento meu povo. Ninguém tem direito de me dizer quem eu sou pelo fato de morar aqui. Eu vou para minha aldeia todo ano, tudo o que eu sei vem de lá”, rebate Avani, que faz parte do Conselho Estadual dos Povos Indígenas de São Paulo.
Assim como Avani, cada vez mais indígenas buscam as cidades para morar, de acordo com dados do último Censo. Para Marcos Cantuária dos Santos, assistente técnico da Fundação Nacional do Índio (Funai) a busca por melhores condições de vida e o número insuficiente de territórios indígenas plenamente regularizados, estão entre as principais causas da migração dos indígenas para centros urbanos. Soma-se à isso a “mudança nas perspectivas individuais e familiares, expulsão dos aldeamentos de origem, dentre outros”, acrescenta Marcos. “No que toca ao caso dos ‘indígenas urbanos desterritorializados’, se posso assim conceituar, há carência premente em questões básicas de cidadania, tais como identificação civil, situação alimentar e nutricional, saúde, educação fundamental, moradia, transporte, renda mínima, trabalho, seguridade social e outras”, opina o assistente técnico da Coordenação Regional do Litoral Sudeste, da Funai.
É importante frisar, na opinião do assistente técnico da Funai, que “na maioria das vezes, a argumentação se assenta sobremaneira nas más condições de vida existentes nas áreas indígenas e, contrariamente, na impressão de que há melhor acesso aos serviços públicos básicos e à geração de renda nos centros urbanos”.
De acordo com o assistente técnico, a Funai vem tentando efetivar algumas alterações em seu desenho institucional e no olhar para com indígenas que vivem em situação urbana. “Mesmo que ainda de forma bastante precária e que não atende a toda a demanda, nós apoiamos os estudantes indígenas que cursam o ensino superior (Projeto Pindorama, UFSCar e outros), distribuímos gêneros alimentícios, apoiamos às manifestações culturais e da organização social indígena, bem como outras atividades esporádicas”, relata.