Fonte: Agência Pública

No meio da Amazônia, encravado no tapete verde-escuro da floresta que recobre o município de Oriximiná, no Pará, existe um aglomerado urbano como nenhum outro. Na vila de Porto Trombetas, ao contrário do que ocorre nos povoados do entorno, ninguém está preocupado com a hora em que a castanha vai cair do pé, com o roçado da mandioca ou com o moqueio do peixe para o almoço.

Ali, a preocupação maior é arrancar bauxita de debaixo da floresta da forma mais rápida, eficiente e rentável possível. Derrubar árvores e abrir valas até chegar à terra vermelha que esconde o alumínio. Depois operar escavadeiras, supervisionar esteiras e carregar os navios graneleiros que zarpam continuamente, levando o minério para ser transformado em computadores, celulares, panelas, latas, esquadrias e tantos outros produtos sem os quais quase ninguém é capaz de viver.

A preocupação dos 6 mil moradores de Porto Trombetas, funcionários ou parentes de funcionários da Mineração Rio do Norte (MRN), traduz-se em recordes de produção. O último, do ano passado, foi de 18,3 milhões de toneladas embarcadas, que se converteram num lucro líquido de R$ 361 milhões.

Essa riqueza, que se avoluma desde que a mineração chegou por lá, no fim da década de 1970, tem causado impactos irreversíveis numa região de rica biodiversidade, secularmente habitada por quilombolas. Descendentes de escravos fugidos que, nos idos do século 18, se estabeleceram às margens do rio Trombetas e há décadas brigam pela posse daquelas terras.

“Nunca essa empresa imaginou que teria de dialogar com os quilombolas”, disse a diretora-executiva da Comissão Pró-Índio, Lúcia Andrade, que desde 1989 auxilia as comunidades na briga pela titulação. E, segundo ela, quando essa necessidade surgiu, a MRN agiu de forma inábil.

“A consulta pressupõe uma lógica de votação pela maioria, enquanto os quilombolas costumam decidir pelo consenso”, afirmou durante uma conversa na casa geminada que a CPI ocupa no bairro de Pinheiros, em São Paulo. “Acontece que a empresa tem pressa, e simplesmente não respeita esse tempo.” Como resultado, as pressões da MRN têm aumentado exponencialmente.

“A empresa dá uma lancha, dá gasolina, promete educação, então você pega uma população que está muito desassistida, uma população vulnerável, pobre, e oferece esse tipo de coisa, numa troca extremamente injusta”, ponderou.