João Paulo Botelho Vieira Filho*
As populações indígenas da América apresentam as maiores taxas mundiais de incidência e prevalência de diabetes mellitus tipo 2, quando mudam suas dietas alimentares tradicionais para a dieta ocidental, industrial com alto consumo de hidratos de carbono de absorção rápida (açúcar cristalizado ou sacarose) e gorduras saturadas de proveniência animal (1,2,3,4).
A literatura científica mundial mostra a altíssima incidência e prevalência do diabetes entre populações indígenas, que mudaram o estilo de vida com abandono da dieta tradicional e diminuíram a atividade física (1,2,3,4). Os índios Pima dos Estados Unidos mostram a maior incidência e prevalência mundial do diabetes mellitus tipo 2 e altos níveis de obesidade(3).
De um total de 5.532 crianças índias Pima dos Estados Unidos, não diabéticas, com modificação do estilo de vida para a dieta industrial rica em açúcar e gordura saturada, com menor atividade física, 1281 desenvolveram diabetes mellitus tipo 2, (que costuma se manifestar na idade adulta), num acompanhamento de 12,4 anos(9). A incidência do diabetes foi alta entre as crianças obesas(9).
No Brasil trabalhos publicados por Dal Fabbro, Franco, Vieira-Filho, Moisés e demais mostram a epidemia de diabetes e obesidade dos índios Xavante, que abandonaram a dieta tradicional e passaram para a dieta industrial, ocidental com excesso de calorias dos hidratos de carbono de absorção rápida e gorduras saturadas de proveniência animal(4). A prevalência do diabetes mellitus tipo 2 entre os Xavante foi de 28,2%, quando entre a população brasileira é de 7,6%(4). A prevalência do diabetes entre as mulheres Xavante foi de 40,6%(4). A prevalência de pré diabetes ou intolerância à glicose foi de 34,4% entre mulheres Xavante(4). A prevalência de obesidade nessa população Xavante foi de 50,8% (4,5). A prevalência da síndrome metabólica foi de 66,1% na população Xavante, chegando a 76,2% entre mulheres(6).
Todos os grupos indígenas brasileiros com maior abandono da dieta tradicional e que aderiram à dieta industrial ou ocidental, estão apresentando diabetes após passarem pela obesidade com acúmulo visceral ou abdome aumentado(1,2,4), com todas as complicações mais graves de amputações e insuficiências renais.
Este autor vem reclamando e questionando o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional desde 2008, sem ser atendido quanto a merenda escolar e cesta básica inapropriadas aos índios, no fornecimento de quilos de açúcares cristalizados. Acredito que essa persistência de erros deve-se à política ideológica de dar de comer indiscriminadamente á toda população brasileira, recusando-se a perceber e aceitar que existem populações com polimorfismos de genes favorecedores de obesidade e diabetes como índios e descendentes. Todos temos direitos políticos iguais, porém heranças diferentes. Se o governo persiste em continuar com erros com as populações que deveria proteger constitucionalmente, sua imagem fica prejudicada e questionada.
Os índios estão passando por endemias e epidemias de diabetes, pela falta de um processo educativo de valorização da dieta ameríndia, uma das três melhores do mundo(7), possivelmente a melhor. A dieta ameríndia forneceu alimentos valiosos ao mundo, como o milho, mais de 4.000 variedades de batatas na América do Sul, mais de 60 variedades de mandiocas na América do Sul, feijão, cará, abóbora, amendoim, abacaxi, cacau, maracujá, abacate, tomate, pimenta, quinoa e muitíssimos outros.
Se o governo insiste em dar açúcar aos índios, cristalizado de absorção rápida, deveria ter conhecimento do adoçante Stevia descoberto pelos índios Tupi-Guarani do Paraguai. O governo deveria retirar o açúcar cristalizado da merenda escolar e cesta básica, substituindo-o pela farinha de milho e de mandioca.
Um grupo de pesquisadores multinacionais em que do Brasil participaram Moisés, Vieira-Filho, Salzano(8), mostraram a presença de polimorfismo do gene ABCA1 exclusivamente entre populações indígenas das Américas, ausente em outros continentes, que condiciona obesidade e diabetes mellitus tipo 2 quando a dieta tradicional é substituída pela ocidental, dislipidemia a custa de diminuição do bom colesterol (protetor cardíaco) compensado pela atividade física(8). Esse polimorfismo desenvolvido em milênios de procura alimentar diária, benéfico na dieta tradicional, torna-se prejudicial com o abandono da dieta tradicional e passagem para a dieta ocidental com modificação do estilo de vida alimentar e de exercício. 27% da gordura retida e devida ao polimorfismo do gene ABCA1, dificilmente é mobilizada(8).
Outros polimorfismos de genes condicionadores de armazenamento de energia ou gordura corporal, benéficos nos milênios anteriores para períodos de penúria alimentar, devem estar presentes entre as populações indígenas da América.
Na falta de orientação cientifica médica a que as populações indígenas são submetidas, citarei os alimentos inapropriados oferecidos na merenda escolar dos alunos das Escolas Fundamentais e do Curso médio das três aldeias indígenas Kateté, Djudjê-Kô e Oodjã da Terra Indígena Kateté do sudeste do Pará, Amazônia Oriental. Em trabalho anterior eu descrevi a merenda escolar das quatro aldeias indígenas da Terra Indígena Apyterewa do rio Xingu, inapropriadas e prejudiciais à saúde desses índios(10).
Na merenda escolar das Escolas Fundamentais e do Curso Médio da Terra Indígena Kateté são fornecidos:
O Programa Nacional de Alimentação (PNAE), o Programa Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), as Associações Indígenas Porekrô, Kakarekré, Baypran e a FUNAI, devem ser comunicados e alertados pela distorção prejudicial dos alimentos fornecidos nas escolas indígenas, às etnias com genética muito sensível aos alimentos com açúcar cristalizado de absorção rápida, aos hipercalóricos, fora da cultura alimentar dos índios adaptados às mudanças genéticas do passado.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) engloba todos os alunos da educação básica(11). A educação básica abrange a educação infantil, a educação fundamental, a educação do ensino médio, estendendo-se da educação dos jovens aos adultos matriculados em escolas públicas e aquelas conveniadas com o governo(11). O PNAE foi instituído em 1955, sendo que a verba é transferida da União para os Estados e Municípios(11). Para os Municípios a verba é para o ensino infantil e fundamental, enquanto que para os Estados a verba é para o ensino médio. Os Municípios enviam os alimentos comprados às escolas e os Estados enviam ou pagam para as escolas do ensino médio, através das Secretarias de Educação.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) orienta que a alimentação escolar seja saudável, respeitando a cultura, tradições e hábitos, que tenha um desempenho sustentável, voltado aos alimentos locais e de preferência da agricultura familiar, priorizando as comunidades indígenas(11).
A consultora do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, Sineide Neres, afirma que o Programa Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN) prioriza a alimentação dos povos indígenas, a compra da agricultura familiar das comunidades indígenas(11).
Pelo menos 30% da verba do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), deve ser destinado para a compra de alimentos da agricultura familiar preferencialmente das comunidades indígenas, assentamentos da reforma agrária e dos quilombolas(11).
A Resolução Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Nº 26/2013, afirma que a alimentação dentro do Programa Nacional de Alimentação Escolar deve aceitar os alimentos das comunidades indígenas(11).
Os hábitos alimentares nas escolas indígenas devem ser seguidos pelo Decreto Nº 6 861/2009, respeitando a cultura tradicional local (11).
Um exemplo benéfico para a alimentação adequada e saudável dos índios está no oferecimento de farinha de milho, fubá e canjica para as crianças das Terras Indígenas de Jaraguá e Tenondé Porã, nos Centros de Educação e Cultura Indígena (CECI) da cidade de São Paulo, desde 2014(11). No CECI de Jaraguá as crianças usam milho, amendoim, macaxeira e a valiosíssima batata doce nas receitas tradicionais dos Guarani(11).
Outro bom exemplo que deve ser seguido para as comunidades indígenas deste grande território brasileiro, contribuindo para a economia das aldeias e para a saúde alimentar está com o Cristiano Hutter, coordenador da regional litoral sudeste da FUNAI, em que os agricultores indígenas das aldeias do centro-oeste, Município de Avai, produzem mandioca “in natura” para quatro escolas dos índios (11). Essa notável realização que fomenta a produção das roças orgânicas indígenas ao contrário das cestas básicas com açúcar prejudicial à saúde dos índios, foi articulada pela FUNAI, Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) do Governo de São Paulo e Departamento de Agricultura do Município(11).
A Prefeitura de Parauapebas e o Governo do Estado do Pará devem comprar para a merenda escolar saudável e não nociva dos alimentos industrializados hipercalóricos, dentro dos 30% de recursos que o Governo Federal encaminha pelo Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE) no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), batatas doces (iotes) dos Xikrin conhecidos como batateiros por apreciarem esse alimento tão rico em vitaminas A,C, complexo B, niacina, fósforo, ferro, potássio, flavunóides que evitam doenças degenerativas neurológicas, e que contem também carboidratos e fibras. Deverá comprar dos índios Xikrin também milho, açaí, farinha de mandioca, macaxeira, abóbora (katem), amendoim, bananas (turuti) riquíssimas dessa etnia, mamões deliciosos (katembori), castanhas para as merendas escolares. As roças dos Xikrin são produtivas e extensas, orgânicas e livres de agrotóxicos.
Os alimentos das roças dos Xikrin e da floresta possuem antioxidantes como nas batatas (flavunóides e vitaminas A e C), nas castanhas (selênio), no milho (zinco) e abóboras (zinco, vitaminas C e E, carotenoides) que evitam o envelhecimento e inúmeras doenças como alterações do DNA e cânceres.
O açúcar cristalizado, as bolachas doces, os sucos com açúcar devem ser banidos da merenda escolar dos Xikrin e demais comunidades indígenas.
Nas escolas deve constar a valorização da dieta tradicional que alimentou os índios durante milênios, em que não passaram pela seleção natural do açúcar de absorção rápida, das bebidas alcoólicas de alto teor, da dieta hipercalórica de gorduras saturadas industrializadas.
Temos obrigação de evitar para outros grupos indígenas a tragédia que atingiu os Xavante com mais de 100 diabéticos na Terra Indígena Sangradouro e mais de 200 diabéticos na Terra Indígena São Marcos, recebendo açúcar cristalizado na cesta básica, merenda escolar inapropriada, documentados em imagens fotográficas por mim.
Entre os Xikrin da Terra Indígena Kateté já existem duas dezenas de diabéticos, mulheres dependentes do tratamento diário com injeções de insulina, sendo que duas mulheres com nefropatia diabética em diálise faleceram.
No passado colonial os índios escravizados nos engenhos de açúcar recebiam rapadura, o que agravou a mortandade pelas moléstias infecciosas. No passado próximo os índios pacificados ou atraídos recebiam rapadura.
O ideal seria os índios fornecerem alimentos de suas roças orgânicas para as merendas escolares, comprados pelas Prefeituras e Governos Estaduais que incentivariam a sustentabilidade alimentar e a economia das aldeias, diminuindo a pobreza.
11- Terra e Soberania Alimentar. Alimentação nas escolas indígenas, desafios para incorporar práticas e saberes. Comissão Pró-Índio de São Paulo, pag. 6-41, 2016. http://www.cpisp.org.br/pdf/AlimentacaoNasEscolasIndigenas.pdf
* Professor Adjunto Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP e Centro de Diabetes da UNIFESP