O GOVERNADOR DO ESTADO DA BAHIA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 105, V, da Constituição do Estado da Bahia, e de acordo com o art. 51 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado da Bahia e art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República Federativa do Brasil,
considerando que o Estado da Bahia possui o maior contingente de comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares – FCP, para as quais se faz necessária a instituição de políticas públicas que se constituam em um processo de reparação pela dívida histórica do Estado para com essas comunidades negras na diáspora;
considerando que o aludido art. 51 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição do Estado da Bahia é norma constitucional que atribui direito e garantia fundamental, portanto dotado de natureza auto-aplicável;
considerando que cabe ao Estado garantir a melhoria das condições de vida dessas comunidades, através do diálogo baseado no respeito aos seus processos organizativos e às suas práticas comunitárias, ou seja, às suas identidades e diversidades;
considerando que as ações a serem viabilizadas devam se pautar pela interação entre os conhecimentos técnico-científicos e os conhecimentos tradicionais e comunitários, de modo a garantir o empoderamento e a sustentabilidade das comunidades de forma coletiva e solidária,
D E C R E T A
Art. 1º Fica instituída, nos termos deste Decreto, a Política Estadual para Comunidades Remanescentes de Quilombos no Estado da Bahia, desenvolvida a partir de um conjunto de ações e atividades intersetoriais sistemáticas, articuladas entre os órgãos da Administração Direta e Indireta.
Art. 2º A Política Estadual para Comunidades Remanescentes de Quilombos tem por objetivo geral reconhecer, promover e proteger os direitos das comunidades, respeitando suas identidades, formas de organização e instituições.
Art. 3º São objetivos específicos da Política Estadual para Comunidades Remanescentes de Quilombos:
I– promover, com fundamento no Decreto Federal n.º 4.887, de 20 de novembro de 2003, o acesso às políticas públicas sociais e de infra-estrutura, tendo em vista a sustentabilidade social, econômica, cultural e ambiental das comunidades;
II – apoiar os processos de fortalecimento institucional, valorizando as formas de organização, conhecimentos e práticas historicamente construídas nas comunidades;
III– realizar a discriminação administrativa para identificação, delimitação e titulação das terras devolutas estaduais ocupadas por Comunidades Remanescentes de Quilombos, que estejam sendo por eles requeridas.
Art. 4º Consideram-se Comunidades Remanescentes de Quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida, nos termos do Decreto Federal n.º 4.887, de 20 de novembro de 2003.
 
Parágrafo único. Serão objeto da Política Estadual para Comunidades Remanescentes de Quilombos, aquelas reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares do Ministério da Cultura, nos termos do Decreto Federal n.º 4.887, de 20 de novembro de 2003.
Art. 5º A Política Estadual para Comunidades Remanescentes de Quilombos será implementada com base nos seguintes instrumentos:
I – os Planos de Desenvolvimento Social, Econômico e Ambiental Sustentáveis, consideradas as especificidades das Comunidades Remanescentes de Quilombos;
II – o procedimento de discriminatória administrativa rural;
III – o Plano Plurianual – PPA.
CAPÍTULO I
DA IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DAS TERRAS ESTADUAIS DEVOLUTAS OCUPADAS POR COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS
Art. 6º São terras devolutas ocupadas por Comunidades Remanescentes de Quilombos as terras estaduais não destacadas do patrimônio público, desde que utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural, sobre as quais incidirá procedimento com vistas à transferência da propriedade definitiva, a título gratuito.
Art. 7º A transferência da propriedade definitiva será feita às Comunidades Remanescentes de Quilombos que as ocupam, após o procedimento de discriminatória administrativa rural para identificação, delimitação e titulação das terras devolutas do Estado da Bahia, na forma que a Lei dispuser.
§ 1º O procedimento de discriminatória administrativa rural, conforme a Lei Federal n.º 6.383/76 e a Lei Estadual n.º 3.038, de 10 de outubro de 1972, caberá à Secretaria da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária – SEAGRI, através da Coordenação de Desenvolvimento Agrário – CDA.
§ 2º O procedimento de discriminatória administrativa rural será iniciado de ofício pela CDA ou por requerimento de associação interessada dirigido à Secretaria de Promoção da Igualdade – SEPROMI.
 
§ 3º Para o cumprimento da atribuição a que se refere o caput deste artigo, a SEAGRI poderá estabelecer convênios, contratos, acordos e instrumentos similares com órgãos da administração pública federal, estadual, municipal, do Distrito Federal, organizações não-governamentais e entidades privadas, observada a legislação pertinente.
§ 4º Será garantido às Comunidades Remanescentes de Quilombos o acompanhamento do procedimento de discriminatória administrativa rural.
§ 5° As Comunidades Remanescentes de Quilombos serão representadas por suas associações legalmente constituídas.
Art. 8º A transferência da propriedade será reconhecida e registrada no Cartório de Imóveis competente, em favor da associação representativa da comunidade respectiva a que se refere o art. 4º, caput, deste Decreto, com obrigatória inserção das cláusulas de indivisibilidade, intransferibilidade e inalienabilidade, na forma que a Lei dispuser.
CAPÍTULO II

DOS PLANOS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL, ECONÔMICO E AMBIENTAL SUSTENTÁVEIS DAS COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS

Art. 9º Os Planos de Desenvolvimento Social, Econômico e Ambiental Sustentáveis para Comunidades Remanescentes de Quilombos têm por objetivo nortear a implementação da Política Estadual de que trata este Decreto, devendo contemplar programas, projetos e ações, com definição de metas, recursos e responsabilidades dos órgãos públicos envolvidos na sua execução.
Art. 10. A dimensão da cultura imaterial, conforme definida pela política cultural do Estado, deverá ser um dos pilares da construção dos Planos que levarão em conta os seguintes eixos, transversalizados pelas dimensões racial, de gênero e geração:
I – qualidade de vida: educação, meio ambiente e educação ambiental, saúde, saneamento básico, segurança alimentar, esporte e lazer, energia elétrica, infra-estrutura de estradas e meios de transporte e habitação;
II – geração de renda com sustentabilidade ambiental: utilização da terra, infra-estrutura produtiva, trabalho e geração de renda, assistência técnica, qualificação profissional e gerencial;
III – equidade de gênero, racial e geracional: ações voltadas para as mulheres, juventude e idosos e enfrentamento à violência contra as mulheres;
IV – fortalecimento e empoderamento das comunidades: história, memória e cultura, documentação e assistência social, acesso às tecnologias adaptadas, com enfoque em produção, informação e comunicação;
V – participação e controle social: acompanhamento e monitoramento dos Planos.
Art. 11. Os Planos poderão ser referidos a uma comunidade remanescente de quilombos ou a um conjunto de comunidades no mesmo território, entendido este enquanto espaço necessário para a garantia de áreas de moradia, da reprodução econômica, social e cultural, bem como dos recursos ambientais necessários à preservação dos costumes, tradições, cultura e lazer.
Parágrafo único. Os Programas e ações específicos de cada comunidade remanescente de quilombo serão definidos em reuniões públicas, estando garantida a sua participação em todas as etapas de implementação.
Art. 12. Os Planos de que trata a Política Estadual para Comunidades Remanescentes de Quilombos serão desenvolvidos e executados por um Grupo Intersetorial composto por:
 
I – 01 (um) representante da Secretaria de Promoção da Igualdade;
II – 03 (três) representantes da Secretaria da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária;
III – 01 (um) representante da Secretaria do Meio Ambiente;
IV – 01 (um) representante da Secretaria da Saúde;
V – 03 (três) representantes da Secretaria de Desenvolvimento Urbano;
VI – 01 (um) representante da Secretaria de Desenvolvimento e Integração Regional;
VII – 01 (um) representante da Secretaria da Educação;
VIII – 01 (um) representante da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação;
IX – 01 (um) representante da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte;
X – 01 (um) representante da Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza; e
XI – 01 (um) representante da Secretaria de Cultura.
Parágrafo único. Os membros do Grupo Intersetorial de que trata o caput deste artigo serão indicados, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, a partir da publicação deste Decreto, pelos respectivos Secretários e nomeados pelo Governador do Estado.
Art. 13. Caberá à SEPROMI:
I – a coordenação do Grupo Intersetorial responsável pela elaboração dos Planos de Desenvolvimento Social, Econômico e Ambiental Sustentáveis; e
II – o monitoramento da execução de programas federais para Comunidades Remanescentes de Quilombos, no âmbito do Governo do Estado.
CAPÍTULO III
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 14. O Grupo Intersetorial previsto no art. 12 deste Decreto apresentará, à Secretaria de Promoção da Igualdade, as ações contempladas no Plano Plurianual – PPA para os Territórios de Identidade onde se localizem Comunidades Remanescentes de Quilombos, com indicativo dos recursos comprometidos ou que possam vir a ser assegurados por fontes externas.
Parágrafo único. A apresentação das ações de que trata o caput deste artigo será feita num prazo de até 90 (noventa) dias, contados a partir da nomeação dos representantes que compõem o Grupo Intersetorial previsto no art. 12 deste Decreto.
Art. 15. A Secretaria da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária – SEAGRI, através da Coordenação de Desenvolvimento Agrário – CDA, apresentará ao Chefe do Poder Executivo instrumentos legais que se fizerem necessários ao aperfeiçoamento da legislação estadual no que se refere às Comunidades Remanescentes de Quilombos.
Art. 16. Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 17. Revogam-se as disposições em contrário.
PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA, em 23 de novembro de 2009.
JAQUES WAGNER
Governador
Eva Maria Cella Dal Chiavon
Secretária da Casa Civil
Luíza Helena de Bairros
Secretária de Promoção da Igualdade

Roberto de Oliveira Muniz
Secretário da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária

Edmon Lopes Lucas
Secretário de Desenvolvimento e Integração Regional

Jorge José Santos Pereira Solla
Secretário da Saúde

Osvaldo Barreto Filho
Secretário da Educação

Nilton Vasconcelos Júnior
Secretário do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte

Juliano Sousa Matos
Secretário do Meio Ambiente

Afonso Bandeira Florence
Secretário de Desenvolvimento Urbano

Valmir Carlos da Assunção
Secretário de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza

Eduardo Lacerda Ramos
Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação
Publicado no Diário Oficial em 24.11.2009