O GOVERNADOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS, no uso de atribuição que lhe confere o inciso VII do art. 90 da Constituição do Estado e com fundamento na Lei nº 21.147, de 14 de janeiro de 2014, e nos Decretos Federais nº 5.051, de 19 de abril de 2004, e n° 6.040, de 7 de fevereiro de 2007,

DECRETA:

CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º – Fica regulamentada a Lei nº 21.147, de 14 de janeiro de 2014, e instituem-se os procedimentos para:
I – reconhecimento formal da autoafirmação identitária dos povos e comunidades tradicionais;
II – identificação, discriminação, delimitação e titulação dos territórios tradicionalmente ocupados por povos e comunidades tradicionais;
III – mapeamento dos povos e comunidades tradicionais.

CAPÍTULO II
DO RECONHECIMENTO FORMAL DA AUTOAFIRMAÇÃO IDENTITÁRIA DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS

Art. 2º – Compete à Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais – CEPCT-MG –, nos termos do Decreto nº 46.671, de 16 de dezembro de
2014, emitir a Certidão de Autodefinição para reconhecimento formal dos povos e comunidades tradicionais de Minas Gerais, quando solicitado, com exceção dos povos e comunidades indígenas e das comunidades remanescentes dos quilombos, que dispõem de mecanismos próprios para o reconhecimento formal.

Art. 3º – A Certidão de Autodefinição será solicitada por meio da formalização de demanda junto à CEPCT-MG, condicionando-se sua emissão à observância do seguinte rito:
I – encaminhamento de ofício solicitando a emissão da Certidão de Autodefinição, em que conste:
a) breve relato histórico;
b) caracterização da comunidade a ser reconhecida formalmente;
c) local em que se encontra o povo ou a comunidade;
d) forma de acesso.
II – visita ao local a que se refere a alínea c do inciso I, realizada por representante do povo ou comunidade no âmbito da CEPCT-MG, a expensas da presidência da referida Comissão, visando a discutir e a aprimorar o entendimento do povo ou da comunidade solicitante quanto ao processo de reconhecimento formal;
III – apresentação, pela Secretaria Executiva ou pelo representante do povo ou comunidade, em reunião ordinária ou extraordinária da CEPCT-MG, do pleito e do relatório sobre a visita a que se refere o inciso II para aprovação da Comissão;
IV – emissão da Certidão de Autodefinição pela presidência da CEPCT-MG.
§ 1º – Aos casos referentes a povos indígenas, aplica-se o disposto na Lei Federal nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973.
§ 2º – Aos casos referentes a comunidades remanescentes de quilombos, aplica-se o disposto no Decreto Federal nº 4.887, de 20 de novembro de 2003.

CAPÍTULO III
DA IDENTIFICAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, DELIMITAÇÃO E TITULAÇÃO DOS TERRITÓRIOS TRADICIONALMENTE OCUPADOS POR POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS

Seção I
Dos Pré-Requisitos para Regularização Fundiária dos Territórios

Art. 4º – Para regularização fundiária dos territórios tradicionalmente ocupados por povos e comunidades tradicionais, a comunidade deverá dispor da Certidão de Autodefinição emitida pelo Estado por meio
da CEPCT-MG.
§ 1º – Entendem-se como territórios tradicionalmente ocupados por povos e comunidades tradicionais aqueles previstos no inciso II do art. 2° da Lei nº 21.147, de 2014.
§ 2º – Para a finalidade de que trata o caput, os povos e comunidades indígenas e as comunidades remanescentes de quilombos deverão dispor de certidões específicas previstas na Lei Federal nº 6.001, de 1973, e no Decreto Federal nº 4.887, de 2003.

Art. 5º– A regularização fundiária será realizada com base em relatório técnico-científico de identificação e delimitação territorial, sem prejuízo à celeridade dos procedimentos de discriminação de terras e de imissão de posse à organização da sociedade civil local que representa o povo e a comunidade tradicional.

Seção II
Do Processo Administrativo

Art. 6º – O processo administrativo para regularização fundiária dos territórios tradicionalmente ocupados por povos e comunidades tradicionais será iniciado mediante provocação dos interessados.
Parágrafo único – No pedido de regularização fundiária deverão constar a ata, devidamente assinada, da reunião em que os interessados tenham deliberado pela regularização e a Certidão de Autodefinição emitida pela CEPCT-MG.

Art. 7º – Após a instauração do processo administrativo para regularização fundiária, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário – Seda – deverá proceder à elaboração do relatório técnico-científico de identificação e delimitação territorial ou estabelecer parcerias para esta finalidade.
Parágrafo único – Os povos e comunidades tradicionais e suas organizações poderão participar de todas as etapas dos processos de identificação, delimitação e demarcação de seus respectivos territórios.

Art. 8º – Para fins de discriminação dos territórios pleiteados, o processo administrativo deverá ser instruído com os seguintes documentos:
I – perímetro do território pleiteado, com suas características e confrontações, certas ou aproximadas, aproveitando, em princípio, os limites e acidentes naturais;
II – listagem das ocupações de comunitários ou não comunitários dentro do território;
III – apresentação do Cadastro Ambiental Rural – CAR.
§ 1º – Além dos documentos a que se referem os incisos I a III, a Seda poderá solicitar:
I – a apresentação de imagem de satélite, memorial descritivo e características físicas e geográficas do território;
II – documentos comprobatórios de posse ou propriedade por parte dos comunitários.
§ 2º – O processo de identificação, delimitação e demarcação das terras devolutas e das terras públicas estaduais nas áreas rurais será realizado pela Seda, por meio de decreto, e observará, no que couber, o disposto na Lei nº 11.020, de 8 de janeiro de 1993, e no Decreto nº 34.801, de 28 de junho de 1993, podendo ser processado concomitantemente à elaboração do relatório técnico-científico de identificação e delimitação territorial, nos termos de regulamento.
§ 3º – A discriminação e a destinação das terras devolutas ou públicas pleiteadas por povos e comunidades tradicionais deverá ocorrer, preferencialmente, mediante reconhecimento dos territórios tradicionais, ouvida a população interessada em audiência ou reunião agendada pela Seda.
§ 4º – Quando apurada a existência de áreas privadas, o Estado efetivará a regularização fundiária nos moldes previstos no § 3º do art. 6º da Lei nº 21.147, de 2014.
§ 5º – No caso de sobreposição das áreas de povos e comunidades tradicionais com unidades de conservação estaduais, o Estado encaminhará à Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais projeto de lei que disporá, alternativamente, sobre:
I – a recategorização da unidade de conservação, reconhecendo e possibilitando a permanência e cogestão pelas comunidades;
II – a desafetação da área, nos casos em que esta medida se mostrar mais eficaz, conforme a Lei Federal nº 12.651, 25 de maio de 2012, e o art. 6º da Lei Federal nº 11.284, de 2 de março de 2006.
§ 6º – Até que as medidas previstas nos §§ 3º e 4º sejam tomadas, a Seda, a CEPTC-MG e o Instituto Estadual de Florestas poderão celebrar termo de compromisso para possibilitar a ocupação e o uso sustentável do território tradicional em áreas sobrepostas às unidades de conservação.
§ 7º – Nos casos de unidades de conservação federais ou municipais, o Estado promoverá a articulação junto à União e aos municípios para assegurar o uso sustentável do território tradicional em áreas sobrepostas às unidades de conservação, garantindo a preservação dos principais atributos dos ecossistemas e a manutenção das áreas protegidas, nos termos da Lei nº 21.147, de 2014.
§ 8º – Verificada a presença de não comunitário dentro do território que faça jus à emissão de título de domínio em perímetro identificado como território tradicional, o Estado deverá proceder ao reassentamento ou à legitimação da parcela destacada do todo do território, conforme o art. 2º da Lei Federal nº 4.504, de 30 de novembro de 1964.

Art. 9º – Enquanto não definido o território tradicionalmente ocupado, as áreas discriminadas serão destinadas, por meio de termo de permissão de uso ou de licença de ocupação, à organização da sociedade civil que primeiro houver provocado o procedimento, nos termos de regulamento.

Seção III
Da Titulação do Território Tradicionalmente Ocupado

Art. 10 – A titulação do território tradicionalmente ocupado será efetivada após a homologação do relatório técnico-científico de identificação e delimitação, que deverá contemplar:
I – o histórico da ocupação tradicional;
II – a caracterização de esbulho das terras tradicionalmente ocupadas;
III – os usos tradicionais e atuais dos espaços territoriais que justificam a sua regularização;
IV – os limites totais das áreas ocupadas e a identificação de seus ocupantes, conforme territorialidade indicada por povo ou comunidade tradicional, levando-se em consideração os espaços de moradia, exploração econômica, social, cultural e os destinados aos cultos religiosos, garantindo-se as terras necessárias à sua reprodução física e sociocultural.
§ 1º – O relatório técnico-científico de identificação e delimitação deverá ser produzido por entidade governamental ou em parceria com organização da sociedade civil e profissionais cuja área de atuação esteja ligada à temática de povos e comunidades tradicionais.
§ 2º – O processo administrativo de regularização fundiária será isento de custas e emolumentos, em observância ao parágrafo único do art.1º da Lei nº 14.313, de 2002.

Art. 11 – O reconhecimento da delimitação do território tradicional e a autorização para concessão de domínio serão efetivados por meio de decreto de declaração de interesse social.
§ 1º – O Estado promoverá a titulação coletiva em caráter gratuito, inalienável, indivisível e por prazo indeterminado e destinará as terras públicas, inclusive as devolutas, à criação do território tradicional.
§ 2º – A titulação será outorgada em nome dos indivíduos constantes no relatório técnico-científico de identificação e delimitação territorial, seus descendentes e sucessores, permitida a outorga em nome de associação que os represente, nos termos de regulamento próprio.

CAPÍTULO IV
DO MAPEAMENTO DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS

Art. 12 – A CEPCT-MG desenvolverá estratégias de busca ativa, visando a mapear in loco quem são, onde estão, quantos são, como vivem e quais problemas enfrentam os povos e comunidades tradicionais de Minas Gerais, promovendo:
I – oficinas sobre direitos de povos e comunidades tradicionais;
II – colheita de ponto georreferenciado no epicentro da comunidade;
III – levantamento de dados quantitativos e qualitativos que possibilitem a caracterização histórico-antropológica, socioeconômica, cultural e demográfica dos povos e comunidades tradicionais;
IV – devolução e aprovação dos dados coletados pelas comunidades, identificando demandas por políticas públicas.
§ 1º – Os processos de mapeamento e reconhecimento formal de autoidentificação não ensejarão custos para os povos e as comunidades tradicionais solicitantes e beneficiárias
§ 2º – As lideranças e os jovens integrantes dos povos e das comunidades tradicionais serão convidados a participar dos procedimentos de levantamento de dados nas respectivas comunidades.
§ 3º – Poderão ser firmados convênios, termos de cooperação técnica, parcerias ou outros instrumentos jurídico-formais para implementação das ações de mapeamento previstas neste decreto.

CAPÍTULO V
DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 13 – Os direitos de reconhecimento identitário e territoriais previstos neste decreto se aplicam a todos os povos e comunidades tradicionais que atendam às prerrogativas dos marcos legais vigentes em âmbito nacional e estadual e aos diplomas legais internacionais de que o Brasil é signatário.

Art. 14 – As previsões contidas neste decreto ficam garantidas às comunidades e povos tradicionais nômades ou itinerantes, que se enquadrem nas definições previstas na Lei nº 21.147, de 14 de janeiro de 2014, e observado o Artigo 14 da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT –, promulgada pelo Decreto Federal nº 5.051, de 19 de abril de 2004.

Art.15 – Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Palácio Tiradentes, em Belo Horizonte, aos 20 de novembro de 2017; 229º da Inconfidência Mineira e 196º da Independência do Brasil.

FERNANDO DAMATA PIMENTEL

Esse texto não substitui o publicado no Diário Oficial de Minas Gerais do dia 21 de novembro de 2017.