Cerca de 40 famílias indígenas foram atingidas
Vanessa Ramos*
            De um lado, a favela do Real Parque com muitas habitações precárias. De outro, a Ponte Estaiada e condomínios de luxo. Um dos lados exige condições dignas de moradia e sobrevivência, enquanto outro prefere a preservação daquilo que tem sido um cartão-postal dentro da cidade de São Paulo incitando, inclusive, o mercado imobiliário.  
            Mas apenas um lado sofre nesse momento. Um incêndio atingiu a favela do Real Parque, na zona sul de São Paulo, na manhã da sexta-feira (24/09). No local que era conhecido pelos moradores como alojamento da Rocinha, viviam cerca de 300 famílias, em um número aproximado de 1.200 pessoas, conforme informações da subprefeitura do Butantã.   
            Foi grande o desespero das pessoas no local e o fogo se alastrou rapidamente nos barracos construídos em madeira e em alvenaria. A maioria dos que viviam no alojamento estavam trabalhando no momento e, ao receberem a informação, correram para socorrer pessoas da família e algum objeto que pudessem resgatar. Não se conhece a causa do incêndio, mas, de acordo com informações, não há mortos no local.
           
Poder Público
            A Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), a Defesa Civil Municipal, o Cras (Centro de Referência de Assistência Social) e a Subprefeitura do Butantã estiveram reunidos no local com moradores e lideranças do Real Parque. Conforme moradores locais, estas representações do poder público explicaram que em um primeiro momento iriam cadastrar as famílias que perderam as moradias.
Num segundo momento, distribuiriam um kit básico com cobertores, alimentos, colchões e outros itens básicos. Além disso, afirmaram não poder fazer nada imediato para abrigar as famílias. Apenas a partir dos dias 28 e 29 de setembro falariam com as famílias, ofereceriam uma bolsa aluguel no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), provisoriamente por doze meses. Segundo consta, dar-se-á início a construção de conjuntos habitacionais, mas, não foram apresentas datas previstas.
Na reunião, foi alegado por membro da comunidade que as pessoas não poderiam dormir na chuva. Mesmo assim, a partir das 19h00, representantes do poder público fecharam o Projeto Comunitário Casulo, obrigando as famílias desabrigadas a buscarem apoio e abrigo de outras casas na favela. Muitos moradores ofereceram suas casas para famílias que estavam até mesmo com crianças de colo. No final da noite, informou-se que o poder público entregou colchões, cobertores e alimentos para as famílias.
Famílias Indígenas
            Das cerca de 300 famílias atingidas, aproximadamente 40 famílias são indígenas Pankararu, sendo uma média de 180 indígenas desabrigados. O povo Pankararu é originário do estado de Pernambuco e começou a migrar para São Paulo já na década de 1950, lutando há anos, na metrópole paulista, por melhores condições de sobrevivência e permanente reconhecimento de sua identidade.
            Maria Lídia da Silva, Pankararu, agente de saúde e vice-presidente da Associação SOS Pankararu conta que a situação a deixou desesperada vendo o estado caótico que estavam as famílias tentando recuperar o que fosse possível. No momento, viu muitos alunos de uma escola próxima incontrolavelmente, pressionando e saindo do portão escolar em busca de suas famílias. “Espero que nunca mais em minha vida eu veja uma situação como essa de meus parentes sofrendo tanto”, relata.
            Para Maria das Dores, Pankararu e presidente da Associação SOS Pankararu, “o governo do Estado não toma providências cabíveis às minorias comunitárias. Não existe diálogo claro que garanta o entendimento da comunidade”. Para ela, a comunidade não acredita nas propostas públicas, pois, não se apresentam garantias no que é dito. “Não apresentam melhorias nas condições de moradia e habitação”. A líder indígena aponta que a comunidade Pankararu, há mais de 20 anos vem solicitando uma área territorial própria que os prive dessas condições humilhantes e desumanas.
Apelo
            A liderança Ubirajara Ângelo de Souza, indígena Pankararu, diz que as pessoas já viviam precariamente sem rede de esgoto, com falta de saneamento básico. “Isso tudo por falta de moradia e porque muitos governantes não ligam para o ser humano, especialmente para nós que somos indígenas”. 
            Ele afirma que as situações se repetem. Isso é visto tanto no Real Parque, zona sul, como na zona leste de São Paulo onde há muitas famílias Pankararu vivendo em áreas de risco e buscando apoio e moradia através  do poder público, para o atendimento específico a indígenas que vivem em áreas urbanas. “Nós não vendemos terra nenhuma a ninguém. Hoje nós pedimos um pedaço de terra e somos tratados de maneira indigna. Onde estivermos, seja em qual território brasileiro for, somos índios. A quem temos que pedir terra, se somos donos dessas terras que foram invadidas?”, reflete indignado.    
            Mesmo na situação de miséria e de descaso público, esse povo indígena vem fortemente garantindo os seus usos e costumes tradicionais, “independente das más condições de vida que possuem nessa cidade, dentro dessa favela”, aponta Dores.
Para muitas famílias, é desmoralizante observarem a contradição luxuosa, do outro lado da favela, na região onde vivem. Se no fim da década de 50, migravam de sua aldeia por causa da seca e de conflitos com invasores, hoje lutam na cidade contra a especulação imobiliária, por respeito aos povos indígenas que vivem em áreas urbanas, por condições dignas de sobrevivência na metrópole e por uma atuação rápida e séria do poder público.  
             
* do Conselho Indigenista Missionário, na Grande São Paulo.
25 de setembro de 2010.

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