O imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR) está previsto na Constituição Federal e foi regulamentado pela Lei nº 9.393 de 1996, que tem como objetivo tributar a propriedade e posse de bem imóvel rural. O tributo foi criado como instrumento da Política Agrícola Nacional, objetivando a utilização das terras conforme a função social da propriedade.

Foi somente em 2014 que foi sancionada a Lei nº 13.043, que isentou as terras quilombolas do imposto. Quando não havia previsão expressa de isenção de ITR às terras quilombolas ou de imunidade das associações que detêm esses títulos de propriedade, Celso de Albuquerque Silva, Procurador da República da 2ª Região e Professor de Direito Constitucional, defendia a tese de “imunidade implícita das terras ocupadas pelos remanescentes de quilombo”. Em resumo, a imunidade decorre da interpretação dos princípios e fundamentos adotados pela Constituição Federal, como a proteção do patrimônio cultural nacional, o pluralismo étnico e cultural e a dignidade da pessoa humana e não necessita de enunciado expresso no texto Constitucional.

(…) pode-se afirmar que se corretamente interpretado o sistema tributário nacional, os princípios que lhe dão suporte e a ordem objetiva de valores plasmada em nossa Constituição, deve-se reconhecer que o direito fundamental das comunidades remanescentes de quilombos as terras que tradicionalmente ocupavam está protegido por uma imunidade implícita.
Celso de Albuquerque Silva, TRIBUTAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS – a questão da intributabilidade das terras ocupadas pelos remanescentes de quilombos, 2011. Disponível aqui.

Por sua vez, a Receita Federal sustentava entendimento diferente:

QUILOMBOS
007 — Incide ITR sobre as terras historicamente ocupadas pelos quilombos?
As terras tradicionalmente ocupadas pelos quilombos, atualmente ocupadas pelos remanescentes destas comunidades, são tributadas normalmente.

Imposto sobre a propriedade territorial rural – Perguntas e respostas, 2011. Disponível aqui.

A cobrança do ITR sobre terras quilombolas tituladas gerou dívidas em valores milionários para três associações quilombolas no Estado do Pará (comunidades nos Municípios de Abaetetuba, Óbidos e Oriximiná). Com o apoio da Comissão Pró-Índio de São Paulo foi viabilizada a defesa pro bono das associações quilombolas de Abaetetuba e Óbidos pelo escritório Bichara Advogados.

Além de garantir a defesa judicial das associações quilombolas, a CPI-SP buscou o reconhecimento por parte do governo federal da tese da intributabilidade das terras quilombolas. Em 2014, a Comissão Pró-Índio juntamente com os quilombolas de Abetetuba, o Inesc, o Movimento Sem Terra, ABRA e a CNBB articularam com a liderança do PT na Câmara dos Deputados a inclusão de emenda isentando as terras quilombolas em Medida Provisória dedicada à matéria tributária. A MP 651/2014 foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 14 de outubro e no Senado no dia 29 de outubro, e sancionada em 13 de novembro de 2014.

Saiba mais:

Quilombolas: deputados aprovam emenda que isenta Terras Quilombolas do ITR

Lei nº 13.043 de 13 de novembro de 2014

CASO ABAETETUBA


Em dezembro de 2011, a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo das Ilhas de Abaetetuba (Arquia) ajuizou, com auxílio do escritório, uma ação na Justiça Federal no Distrito Federal. Em maio de 2012, o juiz Flávio Marcelo Sérvio Borges deferiu o pedido de tutela antecipada e determinou a suspensão da exibilidade das Dívidas Ativas 20.8.09.000231-62, 20.8.09.000232-43, 20.8.09.000233-24 e 20.8.09.000085-05, assim como de outros créditos de ITR alusivos ao imóvel da associação quilombola. Em abril de 2014, a antecipação de tutela foi revogada.

Justiça Federal no Distrito Federal
Ação Ordinária n.º 69367-48.2011.4.01.3400
Autor: Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo das Ilhas de Abaetetuba (Arquia)
Réu: União
Data da decisão: 3/5/2012
Comunidades quilombolas envolvidas: Acaçu, Acaraqui, AltoItacuruça, Arapapu, Arapapuzinho, Baixo Itacuruça, Ipanema, Jenipaúba, Médio Itacuruça e Rio Tauaré-açu

Trecho da decisão:

E embora não assuma foros de definitividade, porque inadequado a essa fase processual, ressoa que as propriedades do art. 153, VI, da CF, e então a do Código Civil, e essa outra posta no art. 68 do ADCT são coisas diferentes. Isso não porque limitada: a limitação, já o dizia Celso Antônio, é da natureza da propriedade, que nunca é absoluta. Mas a rigor porque há aparente diversidade substancial: o Código Civil fala de propriedade individual, embora não exclua a multipropriedade, que até está na moda; a lei Civil trata de uma propriedade que se adquire pelos meios tradicionais que contempla: compra e venda, doação privada, herança e quejandos.

Mas aí vem: o art. 68/ADCT não trata de propriedade individual, senão de algo que apenas existe pela sua coletividade, pelo seu todo. Não liga uma pessoa à terra; liga a história, os fatos remotos, como quis a Constituição, que não cabe ser contrariada, pena de se usar de arbitrário wishfull thinking. Tanto é assim, que o registro imobiliário em casos tais é coletivo.

(…)

Transparecem, então, propriedades diferentes, pelo que surge plausível afirmar que a situação fático-jurídica do remanescente de quilombo de Abaetetuba não se afina com o conceito posto no art. 153, VI, da Constituição, não sendo, pois, fato gerador do ITR.

Leia a decisão na íntegra

CASO ÓBIDOS

Em dezembro de 2013, a Associação das Comunidades Remanescentes de Negros da Área das Cabeceiras (Acornecab), de Óbidos, ajuizou uma ação com finalidade de anular a dívida. Em decisão de antecipação de tutela de 18 de dezembro de 2013, a Acornecab conquistou a suspensão dos valores devidos já inscritos na Dívida Ativa e de débitos futuros.

Justiça Federal do Distrito Federal
Ação Ordinária n° : 72595-60.2013.4.01.3400
Autor: ASSOCIAÇÃO DAS COMUNIDADES REMANESCENTES DE NEGROS DA ÁREA DAS CABECEIRAS – ACORNECAB
Réu: União Federal
Data da decisão: 18/12/2013

Em sua decisão, a Juíza Federal Substituta da 21ª Vara Federal/DF, Célia Regina Ody Bernardes, afirma que:

“Embora não haja previsão expressa de isenção de ITR às terras quilombolas ou de imunidade das associações que detêm esses títulos de propriedade, há que se reconhecer a correção da tese de “imunidade implícita das terras ocupadas pelos remanescentes de quilombo”, eis que a imunidade decorre da interpretação dos princípios e fundamentos adotados pela Constituição da República, como a proteção do patrimônio cultural nacional, o pluralismo étnico e cultural e a dignidade da pessoa humana e não necessita de enunciado expresso no texto Constitucional.

Ademais, tributar a propriedade das terras dos remanescentes de quilombolas, uma vez notória sua indiscutível hipossuficiência, importaria em negar efetividade ao direito fundamental consagrado no artigo 68 do ADCT, podendo até mesmo inviabilizar o seu direito ao desenvolvimento econômico e social”.

Leia a decisão na íntegra

Voltar à Lista