Institui o Estatuto Estadual da Igualdade Racial e dá outras providências.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
Faço saber, em cumprimento ao disposto no artigo 82, inciso IV, da Constituição do Estado, que a Assembléia Legislativa aprovou e eu sanciono e promulgo a Lei seguinte:

Art. 1° Esta Lei institui o Estatuto Estadual da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa contra quaisquer religiões, como ação estadual de desenvolvimento do Rio Grande do Sul, objetivando a superação do preconceito, da discriminação e das desigualdades raciais.
§ 1° Para efeito deste Estatuto, considerar-se-á discriminação racial toda distinção, exclusão ou restrição baseada em raça, cor, descendência, origem nacional ou étnica que tenha por objetivo cercear o reconhecimento, o gozo ou o exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em qualquer campo da vida pública ou privada, asseguradas as disposições contidas nas legislações pertinentes à matéria.
§ 2° Para efeito deste Estatuto, considerar-se-á desigualdade racial toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica.
§ 3° Para beneficiar-se do amparo deste Estatuto, considerar-se-á negro aquele que se declare, expressamente, como negro, pardo, mestiço de ascendência africana, ou através de palavra ou expressão equivalente que o caracterize negro.
§ 4° Para efeito deste Estatuto, serão consideradas ações afirmativas os programas e as medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.
§ 5° O Poder Público adotará as medidas necessárias para o combate à intolerância para com as religiões, inclusive coibindo a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade.
Art. 2° O Estatuto Estadual da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa orientará as políticas públicas, os programas e as ações implementadas no Estado, visando a:
I – medidas reparatórias e compensatórias para os negros pelas sequelas e consequências advindas do período da escravidão e das práticas institucionais e sociais que contribuíram para aprofundar as desigualdades raciais presentes na sociedade;
II – medidas inclusivas, nas esferas pública e privada, que assegurem a representação equilibrada dos diversos segmentos raciais componentes da sociedade gaúcha, solidificando a democracia e a participação de todos.
Art. 3° A participação dos negros em igualdade de condições na vida social, econômica e cultural do Estado do Rio Grande do Sul será promovida através de medidas que assegurem:
I – o reconhecimento e a valorização da composição pluriétnica da sociedade sul-riograndense, resgatando a contribuição dos negros na história, na cultura, na política e na economia do Rio Grande do Sul;
II – as políticas públicas, os programas e as medidas de ação afirmativa, combatendo especificamente as desigualdades raciais que atingem as mulheres negras;
III – o resgate, a preservação e a manutenção da memória histórica legada à sociedade gaúcha pelas tradições e práticas socioculturais negras;
IV – o adequado enfrentamento e superação das desigualdades raciais pelas estruturas institucionais do Estado, com a implementação de programas especiais de ação afirmativa na esfera pública, visando ao enfrentamento emergencial das desigualdades raciais;
V – a promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate ao racismo em todas
as suas manifestações individuais, estruturais e institucionais;
VI – o apoio às iniciativas oriundas da sociedade civil que promovam a igualdade de
oportunidades e o combate às desigualdades raciais.
CAPÍTULO I
DO DIREITO À VIDA E À SAÚDE
Art. 4º A saúde dos negros será garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à prevenção e ao tratamento de doenças geneticamente determinadas e seus agravos. Parágrafo único – O acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde – SUS – para a promoção, proteção e recuperação da saúde da população negra será proporcionado através de ações e de serviços focalizados nas peculiaridades dessa parcela da população.
Art. 5º Os órgãos de saúde estadual monitorarão as condições da população negra para subsidiar o planejamento mediante, dentre outras, as seguintes ações:
I – a promoção da saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnicas e o combate à discriminação nas instituições e serviços do SUS;
II – a melhoria da qualidade dos sistemas de informação do SUS no que tange à coleta, ao processamento e à análise dos dados por cor, etnia e gênero;
III – a inclusão do conteúdo da saúde da população negra nos processos de formação e de educação permanente dos trabalhadores da saúde;
IV – a inclusão da temática saúde da população negra nos processos de formação das lideranças de movimentos sociais para o exercício da participação e controle social no SUS.
Parágrafo único. Os membros das comunidades remanescentes de quilombos serão beneficiários de incentivos específicos para a garantia do direito à saúde, incluindo melhorias nas condições ambientais, no saneamento básico, na segurança alimentar e nutricional e na atenção integral à saúde.
Art. 6° Serão instituídas políticas públicas de incentivo à pesquisa do processo de saúde e doença da população negra nas instituições de ensino, com ênfase:
I – nas doenças geneticamente determinadas;
II – na contribuição das manifestações negras de promoção à saúde;
III – na medicina popular de matriz africana;
IV – na percepção popular do processo saúde/doença;
V – na escolha da terapêutica e eficácia dos tratamentos;
VI – no impacto do racismo sobre as doenças.
Art. 7° Poderão ser priorizadas pelo Poder Público iniciativas que visem à:
I – criação de núcleos de estudos sobre a saúde da população negra;
II – implementação de cursos de pós-graduação com linhas de pesquisa e programas sobre a saúde da população negra no âmbito das universidades;
III – inclusão da questão da saúde da população negra como tema transversal nos currículos dos ensinos Médio e Superior;
IV – inclusão de matérias sobre etiologia, diagnóstico e tratamento das doenças prevalentes na população negra e medicina de matriz africana, nos cursos e treinamentos dos profissionais do SUS;
V – promoção de seminários e eventos para discutir e divulgar os temas da saúde da população negra nos serviços de saúde.
Art. 8º Os negros terão políticas públicas destinadas à redução do risco de doenças que têm maior incidência, em especial, a doença falciforme, as hemoglobinopatias, o lúpus, a hipertensão, o diabetes e os miomas.
CAPÍTULO II
DO DIREITO À CULTURA, À EDUCAÇÃO, AO ESPORTE E AO LAZER
Art. 9º O Poder Público promoverá políticas e programas de ação afirmativa que assegurem igualdade de acesso ao ensino público para os negros, em todos os níveis de educação, proporcionalmente a sua parcela na composição da população do Estado, ao mesmo tempo em que incentivará os estabelecimentos de ensino privado a adotarem tais políticas e programas.
Art. 10. O Estado deve promover o acesso dos negros ao ensino gratuito, às atividades esportivas e de lazer e apoiar a iniciativa de entidades que mantenham espaço para promoção social desta parcela da população.
Art. 11. Nas datas comemorativas de caráter cívico, as instituições de ensino públicas deverão inserir nas aulas, palestras, trabalhos e atividades afins, dados históricos sobre a participação dos negros nos fatos comemorados.
Art. 12. As instituições de ensino deverão respeitar a diversidade racial quando promoverem debates, palestras, cursos ou atividades afins, convidando negros, entre outros, para discorrer sobre os temas apresentados.
Art. 13. O Poder Público deverá promover campanhas que divulguem a literatura produzida pelos negros e aquela que reproduza a história, as tradições e a cultura do povo negro.
Art. 14. Nas instituições de ensino, públicas e privadas, deverá ser oportunizado o aprendizado e a prática da capoeira, como atividade esportiva, cultural e lúdica, sendo facultada a participação dos mestres tradicionais de capoeira para atuarem como instrutores desta arteesporte.
Art. 15. O Estado deverá promover programas de incentivo, inclusão e permanência da população negra nos ensinos Médio, Técnico e Superior, adotando medidas para:
I – incentivar ações que mobilizem e sensibilizem as instituições privadas de Ensino Superior para que adotem as políticas e ações afirmativas;
II – incentivar e apoiar a criação de cursos de acesso ao Ensino Superior para estudantes negros, como mecanismo para viabilizar uma inclusão mais ampla e adequada destes nas instituições;
III – dar cumprimento ao disposto na Lei Federal n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e na Lei Federal n.º 12.288, de 20 de julho de 2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis n.os 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003, no que tange a obrigatoriedade da inclusão da História e da Cultura Afro-brasileiras nos currículos escolares dos ensinos Médio e Fundamental;
IV – estabelecer programas de cooperação técnica com as escolas de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Técnico para a capacitação de professores para o ensino da História e da Cultura Negras e para o desenvolvimento de uma educação baseada nos princípios da equidade, tolerância e respeito às diferenças raciais;
V – desenvolver, elaborar e editar materiais didáticos e paradidáticos que subsidiem o ensino, a divulgação, o debate e as atividades afins sobre a temática da História e Cultura Negras;
VI – estimular a implementação de diretrizes curriculares que abordem as questões raciais em todos os níveis de ensino, apoiando projetos de pesquisa nas áreas das relações raciais, das ações afirmativas, da História e da Cultura Negras;
VII – apoiar grupos, núcleos e centros de pesquisa, nos diversos programas de pósgraduação, que desenvolvam temáticas de interesse da população negra;
VIII – desenvolver programas de extensão universitária destinados a aproximar jovens negros de tecnologias avançadas, assegurado o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários.
Art. 16. O Estado deverá promover políticas que valorizem a cultura “Hip-Hop” em suas manifestações de canto do “Rap”, da instrumentação dos “DJs”, da dança do “break dance” e da pintura do grafite.
CAPÍTULO III
DO ACESSO AO MERCADO DE TRABALHO
Art. 17. O Poder Público deverá promover políticas afirmativas que assegurem igualdade de oportunidades aos negros no acesso aos cargos públicos, proporcionalmente a sua parcela na composição da população do Estado, e incentivará a uma maior equidade para os negros nos empregos oferecidos na iniciativa privada.
Parágrafo único. Para enfrentar a situação de desigualdade de oportunidades, deverão ser implementadas políticas e programas de formação profissional, emprego e geração de renda voltadas aos negros.
Art. 18.  A inclusão do quesito raça, a ser registrado segundo a autoclassificação, será obrigatória em todos os registros administrativos direcionados a empregadores e trabalhadores dos setores público e privado.
CAPÍTULO IV
DAS TERRAS QUILOMBOLAS
Art. 19. Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando terras quilombolas no Rio Grande do Sul, será reconhecida a propriedade definitiva das mesmas, estando o Estado autorizado a emitir-lhes os títulos respectivos, em observância ao direito assegurado no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal e na Lei n.º 11.731, de 9 de janeiro de 2002, que dispõe sobre a regularização fundiária de áreas ocupadas por remanescentes de comunidades de quilombos.
CAPÍTULO V
DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
Art. 20. A idealização, a realização e a exibição das peças publicitárias veiculadas pelo Poder Público deverão observar percentual de artistas, modelos e trabalhadores afrodescendentes em número equivalente ao resultante do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – de afro-brasileiros na composição da população do Rio Grande do Sul.
Art. 21. A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a herança cultural e a participação da população negra na história do Estado.
Art. 22. Na produção de filmes, programas e peças publicitárias destinados à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas, deverá ser adotada a prática de conferir oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros, sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política, ideológica, étnica ou artística.
Parágrafo único. A exigência disposta no “caput” não se aplica aos filmes e aos programas que abordem especificidades de grupos étnicos determinados.
Art. 23. Os órgãos e as entidades da Administração Pública Estadual poderão incluir cláusulas de participação de artistas negros nos contratos de realização de filmes, programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário nos termos da Lei Federal n.º 12.288/2010.
§ 1º Os órgãos e as entidades de que trata este artigo incluirão, nas especificações para contratação de serviços de consultoria, conceituação, produção e realização de filmes, programas ou peças publicitárias, a obrigatoriedade da prática de iguais oportunidades de emprego para as pessoas relacionadas com o projeto ou serviço contratado.
§ 2º Entende-se por prática de iguais oportunidades de emprego o conjunto de medidas sistemáticas executadas com a finalidade de garantir a diversidade étnica, de sexo e de idade na equipe vinculada ao projeto ou serviço contratado. http://www.al.rs.gov.br/legis 5
§ 3º A autoridade contratante poderá, se considerar necessário para garantir a prática de iguais oportunidades de emprego, requerer auditoria por órgão do Poder Público.
§ 4º A exigência disposta no “caput” não se aplica às produções publicitárias quando abordarem especificidades de grupos étnicos determinados.
CAPÍTULO VI
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 24. Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação.
PALÁCIO PIRATINI, em Porto Alegre, 19 de janeiro de 2011.

Publicado no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul.