O GOVERNADOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS,
O Povo do Estado de Minas Gerais, por seus representantes, decretou e eu, em seu nome, promulgo a seguinte Lei:
Art. 1º Fica instituída a política estadual para o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais de Minas Gerais.
Art. 2º Para os fins desta Lei consideram-se:
I – povos e comunidades tradicionais os grupos culturalmente diferenciados que se reconhecem como tais e possuem formas próprias de organização social, ocupando territórios e utilizando recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica e aplicando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição;
II – territórios tradicionalmente ocupados os espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observando-se, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, o que dispõem, respectivamente, o art. 231 da Constituição da República e o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da mesma Constituição, combinados com as regulamentações pertinentes;
III – desenvolvimento sustentável a melhoria permanente da qualidade de vida e da realização das potencialidades humanas, mediante a utilização planejada dos recursos naturais e econômico-sociais, de modo a garantir-lhes a transmissão, aprimorados, às gerações futuras.
Art. 3º É objetivo geral da política de que trata esta Lei promover o desenvolvimento integral dos povos e comunidades tradicionais, com ênfase no reconhecimento, no fortalecimento e na garantia de seus direitos territoriais, sociais, ambientais e econômicos, respeitando-se e valorizando-se sua identidade cultural, bem como suas formas de organização, relações de trabalho e instituições.
Art. 4° São objetivos específicos da política estadual para o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais de Minas Gerais:
I – reconhecer, respeitar e valorizar a diversidade econômico-social, cultural e ambiental dos povos e comunidades tradicionais que interagem nos diferentes biomas e ecossistemas, em áreas rurais ou urbanas;
II – preservar e promover os direitos à identidade própria, à cultura particular, à memória histórica e ao exercício de práticas comunitárias, para o pleno exercício da cidadania, da liberdade e da individualidade;
III – proteger e valorizar os direitos dos povos e comunidades tradicionais sobre seus conhecimentos, práticas e usos, assegurando-se a justa e equitativa repartição dos benefícios deles derivados;
IV – melhorar a qualidade de vida dos povos e comunidades tradicionais, ampliando-se as possibilidades de sustentabilidade para as gerações futuras;
V – conferir celeridade ao reconhecimento da auto-identificação dos povos e comunidades tradicionais, propiciando-lhes o acesso pleno aos seus direitos civis individuais e coletivos;
VI – garantir aos povos e comunidades tradicionais o uso de seus territórios por meio de sua posse efetiva ou propriedade, mediante regularização e titulação das terras, assegurando-se o livre acesso aos recursos naturais necessários à sua reprodução física, cultural, social e econômica;
VII – solucionar os conflitos gerados em decorrência da implantação de Unidades de Conservação de Proteção Integral em territórios tradicionalmente ocupados, estimulando-se alternativas como a criação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável, previstas na Lei Federal n.º 9.985, de 18 de julho de 2000;
VIII – assegurar aos povos e comunidades tradicionais a permanência em seus territórios e o pleno exercício de seus direitos individuais e coletivos, sobretudo nas situações de conflito ou ameaça à sua integridade, bem como a defesa dos direitos afetados direta ou indiretamente, seja especificamente por projetos, obras
e empreendimentos, seja genericamente pela reprodução das relações de produção dominantes na sociedade;
IX – garantir que empresas responsáveis por projetos, obras e empreendimentos compensem ou indenizem os povos e comunidades tradicionais pelos prejuízos causados nos territórios tradicionalmente ocupados e reparem os danos físicos, culturais, ambientais ou socioeconômicos;
X – assegurar a implantação dos sistemas de infraestrutura e de acesso, além dos serviços e equipamentos públicos adequados às realidades e às demandas socioeconômicas e culturais dos povos e das comunidades tradicionais;
XI – promover ações de sustentabilidade socioeconômica e produtiva, incentivando-se o desenvolvimento de tecnologias adequadas, respeitando-se práticas, saberes e formas de organização social dos povos e comunidades tradicionais e assegurando-se o acesso dessas populações a recursos naturais e potencialidades
de biomas e ecossistemas;
XII – assegurar o acesso aos recursos da biodiversidade e do patrimônio genético, com a repartição justa e equitativa de benefícios derivados da utilização do conhecimento tradicional e de práticas e inovações relevantes para a conservação da diversidade biológica e para a utilização sustentável de seus componentes;
XIII – implementar estratégias para o mapeamento e a caracterização demográfica e socioeconômica dos povos e das comunidades tradicionais, de forma a propiciar visibilidade a essas populações e a orientar o planejamento e a execução de políticas públicas que resguardem seus direitos territoriais, sociais, culturais,ancestrais e econômicos;
XIV – promover o acesso dos povos e das comunidades tradicionais às políticas públicas e a participação de seus representantes nas instâncias de deliberação, fiscalização e controle social das ações governamentais, especialmente no que se refere a projetos que envolvam direitos e interesses dessas populações;
XV – otimizar a inserção dos povos e comunidades tradicionais em ações e programas sociais, estabelecendo-se recortes e enfoques diferenciados voltados para essas populações;
XVI – garantir aos povos e comunidades tradicionais o acesso a serviços de saúde de qualidade e apropriados às suas características socioculturais, necessidades e demandas, incorporando-se, nos casos adequados, as concepções e práticas da medicina tradicional e fitoterápica;
XVII – incentivar a elaboração de política pública de saúde específica, direcionada aos povos e comunidades tradicionais;
XVIII – prover a segurança alimentar e nutricional como direito universal dos indivíduos, garantindo-lhes acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, de forma compatível com outras necessidades essenciais, baseada em práticas sustentáveis e promotoras de saúde, articulando-a e integrando-a no Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e ao Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais;
XIX – fomentar o acesso ao sistema público previdenciário, observando-se as especificidades dos povos e comunidades tradicionais no que diz respeito às suas atividades ocupacionais e a doenças laborais porventura delas decorrentes;
XX – incentivar as formas tradicionais de educação, articulando-as com políticas pedagógicas avançadas, e intensificar processos dialógicos como contribuição ao desenvolvimento próprio de cada povo e comunidade, garantindo-se sua participação nos processos de ensino formais e informais;
XXI – estimular a permanência dos jovens dos povos e comunidades tradicionais em seus territórios, por meio de ações que promovam a sustentabilidade socioeconômica e produtiva, a celeridade dos processos de regularização fundiária e outros incentivos que visem reduzir a migração sazonal ou definitiva;
XXII – implementar e fortalecer projetos que valorizem a importância histórica e a liderança étnico-social desempenhada pelas mulheres pertencentes aos povos e comunidades tradicionais, assegurando-se a participação feminina em instâncias de interlocução com órgãos governamentais;
XXIII – promover a educação sobre a importância dos direitos humanos, sociais, culturais, ambientais e econômicos, de modo a revigorar o comprometimento com a vivência e as práticas coletivas;
XXIV – apoiar os processos de constituição de organizações pelos povos e comunidades tradicionais e incentivar ações de associativismo e cooperativismo, respeitando-se as formas tradicionais de representação;
XXV – garantir aos povos e às comunidades tradicionais, por meio de suas organizações representativas e de apoio, o acesso a verbas públicas e a condições facilitadas para a gestão desses recursos financeiros;
XXVI – assegurar proteção e assistência a representantes, grupos ou instituições que atuem na promoção e defesa dos direitos dos povos e comunidades tradicionais e que, em razão de sua atividade, sejam expostos a situações de risco.
Art. 5° As ações voltadas à efetivação da política de que trata esta Lei ocorrerão de forma intersetorial, integrada, sistemática e coordenada, obedecendo-se às seguintes diretrizes:
I – efetivação dos direitos fundamentais e sociais dos povos e comunidades tradicionais;
II – combate aos preconceitos fundados no racismo e promoção de abordagens específicas para as diferenças de situação cultural, econômica, de gênero, de etnia, de idade, de religiosidade, de ancestralidade, de orientação sexual e de atividades laborais, em todas as suas manifestações, buscando-se eliminar quaisquer relações discriminatórias decorrentes de desigualdades histórico-sociais;
III – garantia aos povos e comunidades tradicionais do direito à informação, em linguagem acessível, especialmente no que se refere ao conhecimento dos documentos produzidos no âmbito da política de que trata esta Lei;
IV – descentralização, transversalidade e articulação das políticas públicas, com ampla participação da sociedade civil, de modo a propiciar a eficácia das ações
governamentais voltadas para os povos e comunidades tradicionais;
V – participação dos povos e das comunidades tradicionais em instâncias institucionais e mecanismos de controle social, propiciando-lhes o protagonismo nos processos decisórios relacionados a seus direitos e interesses, inclusive na elaboração, no monitoramento e na execução de programas e ações.
Art. 6° O Estado identificará os povos e as comunidades tradicionais e discriminará, para fins de regularização fundiária, os territórios por eles ocupados, localizados em áreas públicas e privadas.
§ 1° A regularização fundiária dos territórios tradicionalmente ocupados pelos povos e pelas comunidades tradicionais é considerada de interesse social e objetiva o cumprimento da função social da propriedade, a garantia das condições necessárias à reprodução cultural, social e econômica dessas populações e a preservação
dos recursos ambientais imprescindíveis ao seu bem-estar.
§ 2° A discriminação e a delimitação dos territórios de que trata o caput se darão com a participação das comunidades beneficiárias e respeitarão as peculiaridades dos ciclos naturais e a organização local das práticas produtivas.
§ 3° A regularização fundiária dos territórios tradicionalmente ocupados pelos povos e pelas comunidades tradicionais localizados em áreas privadas dar-se-á mediante:
I – desapropriação para fins de interesse social;
II – dação em pagamento por proprietário devedor do Estado;
III – permuta.
§ 4° Os títulos outorgados para regularização fundiária serão concedidos em caráter gratuito, inalienável, coletivo e por prazo indeterminado, beneficiando gerações futuras.
§ 5° O título outorgado para regularização fundiária será extinto no caso de descumprimento das finalidades de uso e preservação do território tradicionalmente ocupado.
§ 6° Aplica-se aos beneficiários dos títulos a que se referem os §§ 4° e 5° o disposto na Lei n.° 14.313, de 19 de junho de 2002.
Art. 7° São instrumentos de implementação da política estadual para o desenvolvimento sustentável dos povos e das comunidades tradicionais de Minas Gerais o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, o Plano Plurianual de Ação Governamental, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, a Lei do Orçamento Anual e o Fundo de Desenvolvimento Regional ou congênere.
Art. 8° A implementação e a coordenação, no Estado, da política de que trata esta Lei caberão a órgão ou comissão, de caráter paritário e deliberativo, composto por representantes do poder público e dos povos e das comunidades tradicionais, a ser instituído na forma de regulamento.
Art. 9° Serão realizados fóruns estaduais e locais bianuais, com ampla participação dos órgãos público e entidades da sociedade civil, para se debaterem os conteúdos da política de que trata esta Lei e se elaborar o conjunto de ações e medidas adequadas à sua implementação.
Art. 10. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Palácio Tiradentes, em Belo Horizonte, aos 14 de janeiro de 2014; 226° da Inconfidência Mineira e 193º da Independência do Brasil.
ANTONIO AUGUSTO JUNHO ANASTASIA
Danilo de Castro
Maria Coeli Simões Pires
Renata Maria Paes de Vilhena
Cássio Antonio Ferreira Soares