O GOVERNADOR DO ESTADO DO AMAPÁ,

Faço saber que a Assembleia Legislativa do Estado do Amapá aprovou e eu, nos termos do art. 107 da Constituição Estadual, sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Os procedimentos administrativos para a  identificação,  o  reconhecimento,  a  delimitação,  a desintrusão, a demarcação e a titulação da propriedade definitiva  das  terras  ocupadas  por  remanescentes  das comunidades dos quilombos, de que trata o art. 68 do Ato das  Disposições  Constitucionais  Transitórias  (CRFB/88), serão procedidos de acordo com o estabelecido nesta Lei.

Art. 2º Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins desta Lei, os grupos   étnico-raciais,   segundo   critérios   de   auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações  territoriais  específicas,   com  presunção  de ancestralidade  negra  relacionada  com  a  resistência  à opressão histórica sofrida.

§ 1º Para os fins desta Lei, a caracterização dos  remanescentes  das  comunidades  dos  quilombos  será atestada mediante autodefiniçâo da própria comunidade.

§ 2° São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.

§ 3° Para a medição e demarcação das terras, serão levados  em  consideração  critérios  de  territorialidade indicados   pelos   remanescentes   das   comunidades   dos quilombos,   sendo  facultado  à  comunidade  interessada apresentar   as   peças   técnicas   para   a   instrução procedimental.

Art. 3º Compete ao Instituto do Meio Ambiente e Ordenamento Territorial do Estado do Amapá – IMAP, a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades  dos  quilombos,  sem prejuízo  da  competência concorrente dos municípios (Art. 3º do Decreto n.º 4887, de 20 de novembro de 2003).

§ 1° O Instituto do Meio Ambiente e Ordenamento Territorial do Estado do Amapá – IMAP deverá regulamentar os procedimentos administrativos   para   identificação,  reconhecimento, delimitação,  demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, dentro de sessenta dias da publicação desta Lei.

§ 2° Para  os  fins  desta  Lei,  o  IMAP  poderá estabelecer convênios,  contratos,  acordos e instrumentos similares  com órgãos  da  administração  pública  federal, estadual e municipal, organizações não-governamentais e entidades privadas, observada a legislação pertinente.

§ 3° O procedimento administrativo será iniciado de  ofício  pelo  IMAP  ou  mediante  requerimento  de  qualquer interessado.

§ 4° A autodefiniçâo de que trata o § 1° do art. 2° desta Lei será inscrita no Cadastro Geral junto à Fundação Cultural  Palmares,  que  expedirá  certidão  respectiva  na forma do regulamento.

Art. 4º Compete  à  Secretaria Extraordinária  de Políticas Afrodescendentes, do Governo do Estado do Amapá, assistir e acompanhar o IMAP nas açoes de regularização fundiária, para garantir os direitos étnicos e territoriais dos remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos de sua competência legalmente fixada.

Art. 5º Compete  à Secretaria Estadual de Cultura – SECULT, assistir e acompanhar o IMAP nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades  dos  quilombos,  bem como para  subsidiar  os trabalhos   técnicos   quando   houver   contestação   ao procedimento  de  identificação e  reconhecimento previsto nesta Lei.

Art. 6º Fica  assegurada  aos  remanescentes  das comunidades dos quilombos a participação em todas as fases do procedimento administrativo, diretamente ou por meio de representantes por eles indicados.

Art. 7º O IMAP,  após  concluir os  trabalhos  de campo   de   identificação,   delimitação   e   levantamento ocupacional e cartorial, publicará edital por duas vezes consecutivas  no  Diário  Oficial  do  Estado  contendo as seguintes informações:

I – denominação   do   imóvel   ocupado   pelos remanescentes das comunidades dos quilombos;

II – circunscrição judiciária ou administrativa em que está situado o imóvel;

III – limites, confrontações e dimensão constantes do memorial descritivo das terras a serem tituladas; e

IV – títulos, registros e matrículas eventualmente incidentes  sobre  as  terras  consideradas  suscetiveis  de reconhecimento e demarcação.

§ 1° A publicação do edital será afixada na sede da prefeitura municipal onde está situado o imóvel.

§ 2° O  IMAP  notificará  os  ocupantes  e  os confinantes da área delimitada.

Art. 8º Após  os  trabalhos  de  identificação  e delimitação, o IMAP remeterá o relatório técnico aos órgãos e entidades abaixo relacionados, para, no prazo comum de trinta dias, opinar sobre as matérias de suas respectivas competências:

I – Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional – IPHAN;

II – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA;

III – Secretaria do Patrimônio  da  União, do Ministério do Planejamento,  Orçamento e Gestão;

IV – Fundação Nacional do Índio – FUNAI;

V – Secretaria  Executiva  do  Conselho  de  Defesa Nacional;

VI – Fundação Cultural Palmares;

VII – Secretaria Estadual do Meio Ambiente – SEMA.

Parágrafo único. Expirado o prazo e não havendo manifestação dos órgãos e entidades, dar-se-á como tácita a concordância com o conteúdo do relatório técnico.

Art. 9º Todos os interessados terão o prazo de noventa dias, após a publicação e notificações a que se refere o art. 7°, para oferecer contestações ao relatório, juntando as provas pertinentes.

Parágrafo único. Não havendo impugnações ou sendo elas rejeitadas, o IMAP concluirá o trabalho de titulação da terra ocupada pelos remanescentes das comunidades dos quilombos.

Art. 10. Quando as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos incidirem em terrenos de marinha, marginais de rios, ilhas e lagos, o IMAP, a SEMA e a Secretaria do Patrimônio da União tomarão as medidas cabíveis para a expedição do título.

Art. 11. Quando as terras ocupadas por remanescentes das  comunidades  dos  quilombos  estiverem sobrepostas às unidades de conservação constituídas, às áreas de segurança nacional,  à faixa de fronteira e às terras  indígenas, o IMAP tomará as medidas cabíveis  visando  garantir  a  sustentabilidade  destas comunidades, conciliando o interesse do Estado.

Art. 12. Em  sendo  constatado  que  as  terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos incidem sobre terras de propriedade dos Municípios, o IMAP encaminhará  os  autos  para  os  entes  responsáveis  pela titulação.

Art. 13. Incidindo nos territórios ocupados por remanescentes das  comunidades dos quilombos título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado ineficaz por outros fundamentos, será realizada vistoria e avaliação do imóvel, objetivando a adoção dos atos necessários à sua desapropriação, quando couber.

Parágrafo único.  O IMAP regulamentará as hipóteses suscetíveis de desapropriação,  com obrigatória disposição de prévio estudo sobre a autenticidade e legitimidade do título de propriedade, mediante levantamento da cadeia dominial do imóvel até a sua origem.

Art. 14. Verificada a presença de ocupantes nas terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, o IMAP acionará os dispositivos administrativos e legais para o reassentamento das famílias de agricultores pertencentes à  clientela  da  reforma  agrária  ou  a  indenização  das benfeitorias de boa-fé, quando couber.

Art. 15. Durante o processo de titulação, o IMAP garantirá a defesa dos interesses dos remanescentes das comunidades  dos  quilombos  nas  questões  surgidas  em decorrência da titulação das suas terras.

Art. 16. Após a expedição do título de reconhecimento de domínio, a Defensoria Pública do Estado do Amapá garantirá assistência jurídica,  em todos os graus,  aos remanescentes das comunidades dos quilombos para defesa da posse contra esbulhos e turbações,  para a proteção da integridade territorial da área delimitada e sua utilização por  terceiros,  podendo  firmar  convênios  com  outras entidades ou órgãos que prestem esta assistência.

Parágrafo único. A Secretaria Estadual de Cultura – SECULT prestará assessoramento aos órgãos da Defensoria Pública quando estes órgãos representarem em juízo os interesses dos remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos do art. 134 da Constituição Federal.

Art. 17. A titulação prevista nesta Lei será reconhecida e registrada  mediante outorga de título coletivo epró-indiviso às comunidades a que se refere o art. 2°, caput, com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade.

Parágrafo único.  As comunidades serão representadas por suas associações legalmente constituídas.

Art. 18. Os documentos e os sítios detentores de reminiscências   históricas   dos   antigos   quilombos, encontrados por ocasião do procedimento de identificação, devem  ser  comunicados  ao  IPHAN  e/ou  órgão  estadual equivalente.

Parágrafo  único. A  Secretaria Estadual de Cultura – SECULT deverá  instruir  o  processo  para  fins  de  registro  ou tombamento e zelar pelo acautelamento e preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Art. 19. Para  os  fins  de política  agrícola  e agrária,  os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão, dos órgãos competentes, tratamento preferencial, assistência técnica e linhas especiais de financiamento, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infra-estrutura.

Art. 20. As disposições contidas nesta Lei incidem sobre os procedimentos administrativos de reconhecimento em andamento, em qualquer fase em que se encontrem.

Parágrafo único. A Secretaria Estadual de Cultura – SECULT e o IMAP estabelecerão regras de transição para a transferência dos processos  administrativos  e  judiciais  anteriores  à publicação desta Lei.

Art. 21. A  expedição  do  título  e  o  registro cadastral a ser procedido pelo IMAP far-se-ão sem ônus de qualquer espécie, independentemente do tamanho da área.

Parágrafo  único.  O  IMAP  realizará  o  registro cadastral dos imóveis titulados em favor dos remanescentes das comunidades dos quilombos em formulários específicos que respeitem suas características econômicas e culturais.

Art. 22. As despesas decorrentes da aplicação das disposições  contidas  nesta  Lei  correrão  à  conta  das dotações  orçamentárias  consignadas  na  lei  orçamentária anual  para  tal  finalidade,  observados  os  limites  de movimentação e empenho e de pagamento.

Art. 23. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Macapá – AP, 21 de junho de 2010.

PEDRO PAULO DIAS DE CARVALHO
Governador

 

Publicado no Diário Oficial do Estado do Amapá.