O GOVERNADOR DO ESTADO DA BAHIA, faço saber que a Assembleia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Fica reconhecida a propriedade definitiva das terras públicas estaduais, rurais e devolutas, ocupadas pelas Comunidades Remanescentes de Quilombos.

§ 1º Para os fins desta Lei, são consideradas Comunidades Remanescentes de Quilombos os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas e com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida, e reconhecimento obtido pela Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, nos termos da Lei Federal n.º 7.668, de 22 de agosto de 1988.

§ 2º O título de domínio coletivo e pró-indiviso será expedido em nome da associação comunitária legalmente constituída, que represente a coletividade dos remanescentes da comunidade quilombola, e gravado com cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade.

Art. 2º Fica autorizada a concessão de direito real de uso das terras públicas estaduais, rurais e devolutas, ocupadas tradicionalmente, de forma coletiva, pelas comunidades de Fundos de Pastos ou Fechos de Pastos, com vistas à manutenção de sua reprodução física, social e cultural, segundo critérios de autodefinição, e em que sejam observadas, simultaneamente, as seguintes características:

I – uso comunitário da terra, podendo estar aliado ao uso individual para subsistência;

II – produção animal, produção agrícola de base familiar, policultura alimentar de subsistência, para consumo ou comercialização, ou extrativismo de baixo impacto;

III – cultura própria, parentesco, compadrio ou solidariedade comunitária associada à preservação de tradições e práticas sociais;

IV – uso adequado dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, segundo práticas tradicionais;

V – localização nos biomas caatinga e cerrado, bem como nas transições caatinga/cerrado.

§ 1º Compete ao Estado da Bahia, por intermédio da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial – SEPROMI, declarar a existência da Comunidade de Fundos de Pastos ou Fechos de Pastos, mediante certificação de reconhecimento expedida após regular processo administrativo, dela cientificando a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.

§ 2º Para os fins desta Lei, são consideradas Comunidades de Fundos de Pastos ou Fechos de Pastos aquelas certificadas pela SEPROMI, mediante autodefinição da comunidade, a qual caberá indicar a área ocupada, observando-se os critérios previstos neste artigo.

§ 3º A SEPROMI, por ato de seu Secretário, expedirá as normas necessárias à certificação prevista no § 1º deste artigo.

Art. 3º O contrato de concessão de direito real de uso da área será celebrado por instrumento público com associação comunitária, integrada por todos os seus reais ocupantes, e gravado com cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade.

§ 1º O contrato terá duração de 90 (noventa) anos, prorrogável por iguais e sucessivos períodos.

§ 2º Os contratos de concessão de direito real de uso de que trata esta Lei serão celebrados com as associações que protocolizem os pedidos de certificação de reconhecimento e de regularização fundiária, nos órgãos competentes, até 31 de dezembro de 2018.

§ 3º Nos casos de comprovação de desvio de finalidade na utilização da área concedida, nos termos dos incisos I, II e IV do art. 2º desta Lei, por meio de regular processo administrativo, operar-se-á a resolução do contrato, com retorno do bem à posse do Estado da Bahia, com acessões e benfeitorias existentes e sem necessidade de nova notificação.

§ 4º Na hipótese descrita no parágrafo anterior, será devida indenização pelas acessões e benfeitorias, necessárias e úteis, erigidas exclusivamente durante o tempo de real duração, sem, porém, reconhecimento do direito de retenção à concessionária ou a seus associados.

Art. 4º Compete ao Estado da Bahia, por meio da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Reforma Agrária, Pesca e Aquicultura – SEAGRI, a identificação, demarcação e regularização das terras públicas estaduais, rurais e devolutas, ocupadas pelas comunidades de que cuida esta Lei.

§ 1º Nas questões surgidas em decorrência dos processos de regularização, a Defensoria Pública do Estado apoiará, nos limites de suas competências legais, a defesa dos interesses das Comunidades Remanescentes de Quilombos e as de Fundos de Pastos ou Fechos de Pastos.

§ 2º Na hipótese de litígios acerca da dominialidade da área, a regularização fundiária que envolva terras públicas estaduais será precedida da sua resolução, mediante processo administrativo ou judicial, cabendo à Procuradoria Geral do Estado a defesa do patrimônio público.

§ 3º O Estado da Bahia priorizará a regularização fundiária das terras públicas estaduais, rurais e devolutas, ocupadas pelas comunidades de que trata esta Lei envolvidas em conflitos coletivos pela posse da terra.

Art. 5º Fica assegurada às comunidades interessadas a participação em todas as fases do processo administrativo de regularização, diretamente ou por meio de representantes por elas constituídos, mediante instrumento público de mandato.

Parágrafo único. A representação jurídica, entendida aquela exercida por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, será aceita por instrumento particular.

Art. 6º Quando as terras ocupadas estiverem sobrepostas às unidades de conservação estaduais, os órgãos competentes adotarão as medidas cabíveis, visando garantir a sustentabilidade e/ou a permanência destas comunidades, conciliando-se, sempre que possível, os aspectos de interesse público em exame, com observância da legislação estadual e federal pertinente, em especial da Lei Federal n.º 9.985, de 18 de julho de 2000.

Parágrafo único. Compete ao Estado da Bahia, por intermédio da Secretaria do Meio Ambiente – SEMA em conjunto com a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Reforma Agrária, Pesca e Aquicultura – SEAGRI e a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial – SEPROMI, a adoção de todas as medidas necessárias ao cumprimento da legislação, na hipótese prevista no caput deste artigo.

Art. 7º A transmissão e o registro imobiliário do título de domínio ou contrato de concessão de direito real de uso de que trata esta Lei nos Ofícios Imobiliários competentes serão procedidos pelo Estado da Bahia, por meio da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Reforma Agrária, Pesca e Aquicultura – SEAGRI, com o apoio da Secretaria da Administração – SAEB, sem ônus às comunidades beneficiadas, independentemente da dimensão da área, segundo o previsto pela Lei n.º 4.380, de 5 de dezembro de 1984.

Art. 8º Não serão objeto de emissão de título de domínio nem de celebração de contrato de concessão de direito real de uso, previstos nesta Lei, as terras de domínio particular, cujos titulares apresentem títulos de propriedade em conformidade com o disposto nas legislações estadual e federal.

Art. 9º O Estado da Bahia, por intermédio da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial – SEPROMI, procederá:

I – ao encaminhamento ao Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural – IPAC, à Fundação Cultural Palmares – FCP e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN das informações relativas ao patrimônio cultural, material e imaterial relativos às comunidades de que trata esta Lei, para as providências legais pertinentes;

II – à identificação e ao mapeamento das comunidades de que trata esta Lei no território do Estado da Bahia, devendo desenvolver e manter sistema intersetorial e integrado de informações, envolvendo os órgãos e as entidades da Administração Direta e Indireta do Estado.

Art. 10. Poderão ser firmados, para a execução das ações previstas nesta Lei, convênios, acordos de cooperação, ajustes ou outros instrumentos congêneres com órgãos e entidades da Administração Pública Federal ou Municipal e entidades privadas, na forma da legislação vigente.

Art. 11. O Estado da Bahia, por meio da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Reforma Agrária, Pesca e Aquicultura – SEAGRI e da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial – SEPROMI, fica autorizado a promover, no orçamento vigente, as alterações necessárias ao cumprimento desta Lei.

Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA, em 11 de outubro de 2013.
JAQUES WAGNER
Governador

Rui Costa
Secretário da Casa Civil

Eduardo Seixas de Salles
Secretário da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Reforma Agrária, Pesca e Aquicultura

Elias de Oliveira Sampaio
Secretário de Promoção da Igualdade Racial

Eugênio Spengler
Secretário do Meio Ambiente

Antônio Albino Canelas Rubim
Secretário de Cultura

Edelvino da Silva Góes Filho
Secretário da Administração em exercício