A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE GOIÁS, nos termos do art. 10 da Constituição Estadual, decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1° Esta Lei estabelece os conceitos, princípios e instrumentos para formulação das políticas públicas direcionadas à agricultura familiar no Estado de Goiás, em consonância com a Lei federal nº 11.326, de 24 de julho de 2006.

Art. 2° Para fins desta Lei, entende-se:
I – agricultor familiar, aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:
a) não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;
b) utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento;
c) tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento, na forma definida pelo Poder Executivo;
d) dirija seu estabelecimento com sua família;
II – soberania alimentar, a viabilização de ações que garantam a segurança alimentar e nutricional e o direito à alimentação adequada e saudável, por meio da produção de alimentos a partir da agricultura familiar;
III – produção agroecológica, a adoção de programas e ações indutores da produção agroecológica e orgânica, de forma a garantir o uso sustentável dos recursos naturais, a oferta e o consumo de alimentos saudáveis;
IV – semente crioula, variedade em desenvolvimento ou produzida por agricultores familiares, com características fenotípicas bem determinadas e reconhecidas pelas respectivas comunidades produtoras.
§ 1° O disposto no inciso I deste artigo não se aplica a condomínio rural ou outras formas coletivas de propriedade, salvo nos casos em que a fração ideal por proprietário não ultrapasse 04 (quatro) módulos fiscais.
§ 2° Considera-se também agricultor familiar aquele que, atendidas as condições do caput deste artigo, exerce suas atividades em zoneamento urbano, desde que não seja área expressamente proibida para a prática agropecuária.

Art. 3° São beneficiários da Política Estadual de Agricultura Familiar:
I – silvicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o inciso I do art. 1° desta Lei, cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo sustentável daqueles ambientes;
II – aquicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o inciso I do art. 1° desta Lei e explorem reservatórios hídricos com superfície total de até 2ha (dois hectares) ou ocupem até 500m³ (quinhentos metros cúbicos) de água, quando a exploração se efetivar em tanques-rede;
III – extrativistas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nas alíneas “b”, “c” e “d” do inciso I do art. 1° desta Lei e exerçam essa atividade artesanalmente no meio rural, excluídos os garimpeiros e faiscadores;
IV – pescadores que atendam simultaneamente aos requisitos previstos no inciso I do art. 1° desta Lei e exerçam a atividade pesqueira artesanalmente;
V – povos indígenas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nas alíneas “b”, “c” e “d” do art. 1° desta Lei;
VI – integrantes de comunidades remanescentes de quilombos rurais e demais povos e comunidades tradicionais que atendam simultaneamente aos requisitos das alíneas “b”, “c” e “d” do inciso I do art. 1° desta Lei.

Art. 4° A formulação, gestão e execução da Política Estadual de Agricultura Familiar serão articuladas, na forma da lei, com as políticas de educação no e do campo, meio ambiente, fiscal, de reforma agrária, compra institucional e demais políticas e programas públicos inerentes às ações de governo.

Art. 5° A implantação da Política Estadual de Agricultura Familiar será regida pelos seguintes princípios e diretrizes:
I – desenvolvimento de ações estruturantes a partir de:
a) eliminação das desigualdades social, de gênero, raça e etnia;
b) desenvolvimento socioeconômico, priorizando os sistemas associativistas e cooperativistas;
c) uso sustentável dos recursos naturais;
d) garantia da soberania e segurança alimentar e nutricional;
e) educação no e do campo;
II – construção de novos arranjos institucionais e intersetoriais que permitam ações articuladas das políticas públicas, integrando as iniciativas dos entes da federação, segmentos da sociedade civil, das lideranças das organizações de representação dos agricultores familiares, dos movimentos sociais e das empresas privadas, bem como o fortalecimento do cooperativismo solidário e seus sistemas e, ainda, que consistam em mecanismos orientadores, articuladores e dinamizadores da economia do campo e da cidade;
III – garantia prioritária de acesso ao crédito decorrente de recursos estaduais e federais e ao serviço de assistência técnica e extensão rural aos agricultores familiares, assentados da reforma agrária e do programa nacional de crédito fundiário, povos indígenas, pescadores, aquicultores e aos integrantes das comunidades remanescentes dos quilombos rurais, demais povos e comunidades tradicionais.

Art. 6° São objetivos específicos da Política Estadual de Agricultura Familiar:
I – promover o desenvolvimento de agroindústrias familiares de pequeno e médio porte, observada a legislação sanitária e resguardadas as características da produção artesanal e industrial;
II – proporcionar assistência técnica e extensão rural e pesquisa agropecuária voltadas à agricultura familiar;
III – apoiar e estimular processos associativos e cooperativos;
IV – estimular a priorização da regularização fundiária e o suporte à política de reforma agrária;
V – apoiar a produção agroecológica, contribuindo com os processos de transição;
VI – estimular a instituição:
a) do bloco de nota fiscal do agricultor familiar;
b) da política estadual de assistência técnica e extensão rural;
c) da política de turismo rural na agricultura familiar;
d) do fundo de aval da agricultura familiar;
e) da política específica de educação do e no campo;
VII – contribuir com o resgate das sementes crioulas, promover pesquisa e apoiar a produção das mesmas;
VIII – fomentar a organização social, o associativismo e cooperativismo da agricultura familiar;
IX – priorizar a comercialização, execução da compra direta da agricultura familiar no âmbito dos programas nacionais de alimentação escolar e de aquisição de alimentos, conforme disposto na Política Estadual de Compra da Produção da Agricultura Familiar, instituída pela Lei nº 19.767, de 18 de julho de 2017;
X – apoiar a pesquisa, o desenvolvimento e a aquisição de maquinário agrícola apropriado para unidades familiares em parceria com instituições públicas e privadas;
XI – apoiar a logística de distribuição e comercialização dos alimentos produzidos pela agricultura familiar;
XII – promover a compra direta da agricultura familiar de sementes crioulas, para fins de redistribuição dentro do próprio Estado e em outros programas estaduais;
XIII – garantir a desoneração de ICMS nas operações internas com produtos oriundos da agricultura familiar no Estado de Goiás, em conformidade com a Lei nº 18.560, de 26 de junho de 2014.

Art. 7° São instrumentos da Política Estadual de Agricultura Familiar:
I – o Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável – CEDRUS;
II – convênios;
III – contratos;
IV – fomento;
V – pesquisa;
VI – assistência técnica;
VII – extensão rural;
VIII – educação no campo;
IX – associativismo/cooperativismo e economia popular solidária;
X – bancos de sementes crioulas;
XI – fundo de aval da agricultura familiar;
XII – compra institucional.
Parágrafo único. O apoio ao desenvolvimento das atividades relacionadas à Política Estadual de Agricultura Familiar poderá ser individual, diretamente aos beneficiários, ou grupal, atendendo a programas e projetos governamentais, ou de outras entidades, movimentos sociais, cooperativas de produção e crédito, associação de agricultores, grupos formais e informais solidários, condomínios rurais ou outras formas associativas constituídas.

Art. 8° A Política Estadual de Agricultura Familiar será planejada e executada de forma participativa e descentralizada, a fim de:
I – promover as ações destinadas à consecução de seus objetivos;
II – garantir a viabilização técnica, econômica, ambiental e social, das ações e dos projetos a serem desenvolvidos;
III – orientar e acompanhar a execução das ações e dos projetos a serem desenvolvidos;
IV – viabilizar o suporte técnico-financeiro necessário ao desenvolvimento de suas ações;
V – desenvolver atividades de formação profissional, especialmente nas áreas de produção, gestão e comercialização;
VI – estabelecer parcerias com universidades, organizações não governamentais e centros de formação, visando à realização de cursos e outras atividades pedagógicas para o fortalecimento da agricultura familiar;
VII – promover a divulgação de suas atividades, especialmente entre os beneficiários diretos, indiretos e a população em geral;
VIII – estimular a comercialização dos produtos da agricultura familiar, por meio dos programas institucionais e da criação de espaços como feiras e centrais de comercialização e abastecimento;
IX – promover a utilização de selo(s) de identificação de origem e qualidade dos produtos da agricultura familiar;
X – fomentar a difusão da análise de viabilidade técnica, econômica, ambiental e social de empreendimentos rurais familiares, especialmente cooperativos e solidários;
XI – contribuir para a soberania e segurança alimentar e agroecológica.

Art. 9° Fica instituído, vinculado ao órgão estadual de agricultura, o Fundo Especial de Desenvolvimento da Agricultura Familiar, de natureza orçamentária e financeira, destinado a apoiar a produção de alimentos, em consonância com os princípios, conceitos e objetivos definidos nesta Lei.
Parágrafo único. Constituem receitas do Fundo Especial de Desenvolvimento da Agricultura Familiar as provenientes de:
I – VETADO;
II – doações e contribuições de pessoas físicas e jurídicas;
III – rendimentos de aplicações financeiras;
IV – convênios celebrados nos âmbitos federal, estadual e municipal, bem assim com instituições não-governamentais;
V – outras receitas que lhe forem destinadas.

Art. 10. Fica instituído, vinculado ao órgão estadual de agricultura, o Fundo de Aval da Agricultura Familiar, de natureza contábil, com a finalidade de prestar garantias à contratação de financiamentos concedidos por instituições financeiras oficiais de crédito rural federais, estaduais e municipais, inclusive cooperativas habilitadas a operacionalizar o Programa Nacional de Fortalecimento –PRONAF– e outros programas direcionados à agricultura familiar.
§ 1° Constituem receitas do Fundo de Aval da Agricultura Familiar as provenientes de:
I – doações de qualquer natureza;
II – rendimentos de aplicações financeiras;
III – recuperação de valores de avais honrados pelo Fundo de Aval;
IV – cobrança de taxas pagas pelos beneficiários do Fundo de Aval;
V – aportes efetuados por instituições governamentais e não-governamentais nacionais e internacionais, conforme dispuser o regulamento desta Lei;
VI – revisão de saldos não aplicados;
VII – transferências do Fundo de Desenvolvimento Econômico – FDE;
VIII – outras receitas que lhe forem destinadas.
§ 2° O saldo positivo apurado em cada exercício financeiro será transferido para o exercício seguinte, a crédito do Fundo de Aval.
§ 3° As instituições financeiras oficiais de crédito e cooperativas referidas neste artigo só poderão utilizar o Fundo de Aval mediante celebração de convênios específicos com o Estado de Goiás, em que se estabeleçam necessariamente:
I – as obrigações dos agentes financeiros;
II – os procedimentos operacionais;
III – o cumprimento do aval por parte do Fundo de Aval;
IV – a recuperação dos créditos em caso de inadimplência;
V – outros procedimentos e normas que assegurem o pleno funcionamento do Fundo de Aval.
§ 4° Para atingir os objetivos da instituição do Fundo de Aval, o Poder Público deverá:
I – renegociar as dívidas, diminuir as taxas de juros e ampliar o sistema de crédito associativo dos fundos solidários e dos bancos comunitários, para implantação e aperfeiçoamento dos processos de agroindustrialização, beneficiamento e comercialização;
II – desburocratizar o sistema oficial de criação das cooperativas de crédito;
III – formar e capacitar gestores públicos e agentes da sociedade civil na assessoria e elaboração de projetos de organização da produção, transformação e comercialização;
IV – apoiar a construção de novas redes de agroindústrias familiares e reestruturar as existentes;
V – desenvolver arranjos produtivos locais que contemplem a conservação e a recuperação da biodiversidade e a diversidade dos produtos da agricultura familiar, dos mini e pequenos agricultores, dos povos e das comunidades tradicionais, de pescadores e aquicultores;
VI – integrar as políticas que promovam o acesso aos mercados, valorizando espaços de comercialização includentes como feiras, centrais de comercialização solidária, de comercialização direta e institucionais, em especial, aquelas às margens das rodovias e que contem com as diversas formas organizativas.

Art. 11. Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a abrir, no corrente exercício, créditos especiais até o limite de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), destinados à operacionalização do Fundo instituído nos termos do art. 9° desta Lei.
Parágrafo único. Os recursos necessários à cobertura dos créditos especiais referidos neste artigo decorrem de excesso de arrecadação, convênios a serem firmados e/ou redução de valores de dotações alocadas no Orçamento-Geral do Estado, em conformidade com o disposto no art. 43, § 1°, incisos II e III, da Lei federal n° 4.320, de 17 de março de 1964.

Art. 12. A Política Estadual de Agricultura Familiar será implantada pelo órgão estadual de agricultura e executada em parceria com suas jurisdicionadas, com o devido acompanhamento do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável.

Art. 13. Esta Lei será regulamentada pelo Poder Executivo Estadual.

Art. 14. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DE GOIÁS, em Goiânia, 22 de janeiro de 2018, 130º da República.

 

MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR
FRANCISCO GONZAGA PONTES

 

Este texto não substitui o publicado no Suplemento do D.O. de 22-01-2018.