O estudo discute os conflitos que envolvem a Floresta Nacional Saracá-Taquera, aberta à mineração e exploração madeireira em detrimento da população tradicional
Floresta Nacional de Saracá-Taquera: criada sobre terras quilombolas e comunidades ribeirinhas. Foto: Ana Mendes
A quem se destina o usufruto da terra, das águas e dos recursos da biodiversidade da Floresta Nacional (Flona) Saracá-Taquera? Como demonstra o novo livro da Comissão Pró-Índio, “Floresta Nacional de Saracá-Taquera: a quem se destina? Conflitos entre uso tradicional e exploração empresarial”, o governo, por meio do plano de manejo da Unidade de Conservação (UC), fez uma escolha clara pela exploração empresarial em detrimento das populações tradicionais, destinando à mineração e à exploração madeireira 69% da UC.
A obra lançada hoje é de autoria da pesquisadora paraense Ítala Nepomuceno que analisa as relações entre os diferentes atores que se utilizam da Flona: comunidades ribeirinhas e quilombolas, uma mineradora de grande porte (que tem como sua maior acionista a Vale) e três empresas madeireiras.
Nessa relação entre atores com interesses conflitantes e poderes profundamente desiguais, as populações tradicionais vêm sendo prejudicadas. Além de terem seus direitos negados no Plano de Manejo da Flona Saracá-Taquera, essas comunidades também não têm reconhecida a sua contribuição para a conservação Flona Saracá-Taquera. “É preciso reverter a maneira pejorativa e depreciativa pela qual o governo vem qualificando essas comunidades. Elas são qualificadas como se não tivessem conhecimento. O conhecimento tradicional, que é valioso para a preservação da biodiversidade, não tem sido valorizado na Flona Saracá-Taquera” diz Ítala.
Ítala identifica o preconceito contra as comunidades no Plano de Manejo. A sua presença na Flona é qualificada apenas como “aceitável” no documento que estabelece as normas de uso da UC. “O tom pejorativo e preconceituoso com o qual o plano de manejo se refere às comunidades não é pontual, repetindo-se muitas vezes ao longo do documento” afirma a autora.
Comunidade ribeirinha Saracá, uma das que vivem dos recursos obtidos na Flona Saracá-Taquera, norte do Pará. Foto: Carlos Penteado
Zoneamento desconhece direitos das comunidades quilombolas e ribeirinhas
Como evidenciado no estudo, a “zona populacional”, única destinada à moradia das comunidades tradicionais, representa apenas 2,49% da Flona Saracá-Taquera. Porém, somente os territórios quilombolas ocupam 35% da UC. São duas terras quilombolas declaradas pelo Incra em 2018: Alto Trombetas I e Alto Trombetas II onde vivem cerca de 656 famílias, segundo dados das associações comunitárias.
Ítala alerta que é difícil precisar quantas famílias ribeirinhas nos municípios de Oriximiná, Faro e Terra Santa usam e dependem dos recursos ambientais da Flona de Saracá-Taquera, mais um indicativo da invisibilização a que está submetida essa população. Dados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) de 2011 indicavam que pelo menos 739 ribeirinhos vivem na unidade de conservação e apontava que um número indeterminado de famílias, embora tenham suas casas fora da UC, possuíam uma dependência econômica de seus recursos. Todas essas populações, ressalta a autora, já viviam lá antes da Floresta Nacional ser oficialmente criada, em 1989.
Plano de Manejo da Flona Saracá-Taquera: mineração e exploração madeireira têm ampla área á disposição, enquanto quilombolas ficam “espremidos” na pequena zona populacional, e ribeirinhos são desconsiderados.
O zoneamento desigual tem impacto direto sobre a vida das populações tradicionais. “O uso da floresta fica prejudicado. No caso das madeireiras, as comunidades ficaram impedidas de explorar uma série de espécies, como a itaúba, uma espécie utilizada na construção de embarcações, que tem valor de uso e cultural muito grande na região”, exemplifica ítala. “As madeireiras também exploram árvores que oferecem frutas, alimentos, que são importantes para as comunidades”, complementa a autora.
No caso da mineração, os efeitos são ainda mais devastadores. “Tem desmatamento dentro das terras quilombolas. Eles derrubam a floresta, e depois fazem uma escavação média de 8 metros de profundidade. Como os ribeirinhos e quilombolas dizem, ‘não fica nada vivo em cima’”, lamenta.
Plano de Manejo passa por revisão
Em 2011, o Plano de Manejo da Floresta nacional Saracá-Taquera teve iniciado um processo de revisão, que se arrasta morosamente desde então. Para Ítala Nepomuceno, os primeiros sinais demonstrados não indicam que, no novo documento a ser elaborado, as injustiças cometidas contra quilombolas e ribeirinhos serão reparadas.
“Segundo versões preliminares do plano e certas manifestações do governo, existe uma indisposição em revisar, por exemplo, a zona de mineração, que está sobreposta às terras quilombolas, e as áreas sob concessão madeireira, que estão sobre áreas tradicionalmente ocupadas por populações ribeirinhas”, aponta a autora. “Infelizmente, esse processo de revisão não tem dado motivos para que tenhamos boas perspectivas quanto a uma reversão das injustiças”, completa.
Para que esse cenário mude, diz Ítala, é necessário que as comunidades participem ativamente da discussão envolvendo o novo plano, e sejam tenham sua visão respeitada pelas autoridades – nos meios institucionais e também no reconhecimento de seu modo tradicional de viver.
“O ICMBio deve respeitar uma participação ativa das comunidades na revisão do plano de manejo. E respeitar isso não só nos espaços formais criados pelo Estado, como o conselho consultivo da Flona, como também respeitar as maneiras pelas quais essas comunidades se organizam socialmente”, aponta a autora do livro.
Download do livro
O livro “Floresta Nacional de Saracá-Taquera: a quem se destina? Conflitos entre uso tradicional e exploração empresarial” está disponível para download gratuito no site da Comissão Pró-Índio. Clique aqui para baixa-lo.