Fonte: National Geographic

A pandemia do novo coronavírus, apesar de exigir o isolamento físico e o distanciamento social, fortalece e impulsiona novas formas de solidariedade e consumo, incluindo a busca por alimentos orgânicos e por produtos vindos direto de quem faz. Dentre os grupos que trabalham nessa nova perspectiva desde o início da quarentena, está a Cooperativa Terra e Liberdade, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que conecta iniciativas de consumo direto a produtores de assentamentos na região metropolitana de São Paulo.

Com a pandemia, surgiu a preocupação de se fazer algo além do que somente suprir a nova demanda. “Esses grupos não só se organizaram para aumentar o número de cestas pedidas, como também […] para fazer doação de cestas em favelas ou locais periféricos que fossem perto do ponto onde a gente entregava”, explica Marília Leite, militante e colaboradora da cooperativa e uma das responsáveis pela organização e logística dos alimentos.

Embaladas com frutas e verduras de outros produtores – como Joselene Araújo Santana, Luana Mori e Rosely Paini – as hortaliças de José Carlos são enviadas a cada duas semanas como doação para a aldeia Itakupe, da etnia guarani mbyá, no Pico do Jaraguá, no extremo noroeste da cidade de São Paulo.

Desde o início da pandemia, os indígenas receberam cerca de 800 kg de alimentos do MST. Em Itakupe, eles são redistribuídos entre as outras cinco aldeias do território, dependendo da necessidade. “É um gesto de solidariedade muito lindo, porque sai daquela lógica de dar ‘o resto’ da comida. A gente está dando a melhor comida, a mais fina que a gente come, e isso está ajudando nas duas pontas – os agricultores e os indígenas”, diz Ciola, que vinha ajudando na construção de uma horta escolar na aldeia Ytu, também no Pico do Jaraguá.

A ajuda e o trabalho com os indígenas do Jaraguá são símbolos da resistência de povos afetados de forma ainda mais agressiva pela pandemia. Até 27 de julho, 145 etnias já tinham registrado casos de coronavírus, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Abip). São 18.854 casos confirmados e 581 indígenas mortos pela covid-19, na contagem da Apib.

“A gente não tem o território com autonomia. A gente não consegue ter construção de casas como a gente quer, tem que fazer de madeirite, porque não tem material. A gente não quer ter fossa, quer fazer bacia de vapotranspiração para tratar o esgoto, fazer uma coisa ecológica, não contaminar o rio, não contaminar o chão, não causar mais estrago. Mas quando a gente não consegue ter autonomia e viver da forma que a gente quer, de certa forma a gente fica doente, pelo próprio espírito”, explica Thiago Henrique Karai Jekupe, ativista guarani e apoiador de saúde nas comunidades do Jaraguá. “A forma que a gente tem de lidar com isso é resistir e tentar buscar essa autonomia dentro do território. Então, quando a gente não tem o direito à demarcação de terra, isso traz inúmeras doenças. A pandemia [do novo coronavírus] é só mais uma para a gente.”

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, foram contabilizados 108 casos da covid-19 nas aldeias do Jaraguá e, até o momento, nenhum óbito. Os guarani se apoiam no respeito à natureza e ao próprio corpo para vencer a doença. Um exemplo é o xeramoi Hortêncio (Karai Tatadey), de 107 anos, da aldeia Pyau, que contraiu a covid-19 no fim de maio e sobreviveu fortalecendo o corpo e espírito com ervas medicinais indígenas, como a guiné.

Entre os guarani mbya, xeramoi é a figura do ancião que transmite conhecimento aos mais novos. “Num dia, a gente se reuniu na nossa casa de reza. No dia seguinte, deu teste positivo dele e ele foi isolado. Deu uma semana, eu fui lá na aldeia, e ele disse ‘estou bem, estou tranquilo’”, conta Daniel Wera, morador de Itakupe. “Como ele é xondaro [guerreiro], ele está todo o tempo dançando, tem a saúde impecável. Então o que é? Qual o remédio? A gente escuta os mais velhos. Nosso xeramoi Pedro [Luiz Macena], líder espiritual, fala a mesma coisa. Ele me disse ‘a doença, você tem que sacudir ela, não pode se deixar tomar’.”

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