KAINGANG

Os Kaingang são um povo pertencente à família Jê que ocupa atualmente 46 terras indígenas localizadas nos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e sua população está estimada em 37.470 pessoas (IBGE, 2010). Em São Paulo, os Kaingang ocupam duas terras indígenas na região Oeste do estado: Icatu e Vanuíre. Lá residem com indígenas dos povos Terena, Krenak, Fulni-ô e Atikum. Segundo dados da Sesai (2015), a população na TI Icatu é de 155 pessoas, e a da TI Vanuíre é de 225 pessoas. As duas terras encontram-se demarcadas e homologadas.

HISTÓRIA

As primeiras notícias referentes aos Kaingang no Estado de São Paulo datam de 1773, a partir do levantamento fluvial dos rios Tiete e Paraná realizado pelo Brigadeiro Sá e Faria que informa que indígenas teriam aparecido à margem esquerda do Paraná, entre o Aguapeí e o Peixe (Comissão Pró-Índio de São Paulo: 1984).

Até as primeiras décadas do século XX a área cortada pelos rios São José dos Dourados, Tietê, Feio, Aguapeí, do Peixe e Santo Anastácio era “sertão desconhecido”, habitado por indígenas considerados perigosos e hostis. Somente a partir desse período é que a ocupação por não índios da região oeste do Estado de São Paulo só se efetivou (Idem).

Foi a partir de 1850, que a região passou a ser colonizada através de núcleos de subsistência – compostos fundamentalmente de migrantes de Minas Gerais -, da expansão cafeeira e da implantação de estradas de ferro. E os conflitos com os Kaingang recrudesceram. O conflito envolvendo a construção da Ferro Noroeste que cortou o território indígena foi violento e envolveu “caçadas” e chacinas de grupos Kaingang efetivadas por bugreiros contratados pela Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (Idem).

Foi nesse contexto que o Serviço de Proteção ao Índio (do governo federal) organizou a “pacificação” dos Kaingang que se efetivou em 1912. A “pacificação” e a vida em reservas não trouxeram melhor situação para os Kaingang que tiveram num período de 15 anos (1912 a 1916) sua população reduzida em mais de 80% (Idem).

Quase quatro mil indígenas foram dizimados, em pouco mais de uma década, com requintes de crueldade. Restaram 700 habitantes originais do oeste paulista e suas terras foram transformadas em cafezais. Enfrentaram também doenças como a gripe espanhola e o sarampo e, em 1916, estavam reduzidos a 173. Os sobreviventes, que transitavam livremente em toda a região oeste, foram, então, confinados em dois pequenos aldeamentos: o Posto Indígena Vanuíre, em Arco-Íris, e o PI Icatu, em Braúna. Outro grupo resistente dos Kaingang foi confinado no TI Araribá, em Avaí, próximo a Bauru. A partir da década de 1940 o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) começou a trazer Terena e Krenak expulsos de suas terras para esses aldeamentos.

ALDEIA VANUÍRE

Onde havia mata atlântica, a caminho do Mato Grosso do Sul, no oeste do Estado de São Paulo, está a Aldeia Índia Vanuíre. Situada no município de Arco Íris essa terra abriga cinco povos indígenas: Kaingang, Krenak, Terena, Pankararu, Fulni-ô e Tupi-Guarani. São 245 habitantes na Terra Indígena com 706 hectares demarcados, em área de solos arenosos, pouco propícios à agricultura.

Apesar das condições adversas históricas, a Aldeia Vanuíre conta com boa estrutura básica: uma escola bem cuidada na área central, um centro cultural e outros equipamentos públicos. Na área há cultivos de ervas medicinais e plantas que geram sementes para o artesanato. Plantam batata, mandioca, milho, feijão, amendoim e abóbora para vender e criam um pouco de gado. Cultivam verduras e legumes nas hortas ao redor das casas e contam com o reforço das frutas dos pomares. Há ainda criação de galinhas e porcos. As aposentadorias, o benefício do programa bolsa família e o trabalho esporádico e sazonal, mal remunerado nas fazendas da região, somam-se para compor a renda das famílias (Herrero, 2016).

Gerson Cecílio Damasceno – Gundju – é cacique da Aldeia Vanuíre há 26 anos. Veio com a família para a área num grupo de vinte Krenak de Minas Gerais há cinquenta anos. “A gente só tem esse canto para plantar, só no mesmo lugar, aponta para a reserva. Por isso a terra está muito desgastada. No passado, os índios viviam dois anos num lugar, ou três, depois iam para outro lugar. E agora não podem mais fazer isso porque as terras que eram do povo Kaingang estão todas com os fazendeiros”.

Confinados nessa área, sem acesso ao rio Feio-Aguapeí dos Tehop (bravos Kaingang), estão cercados por fazendas com pastos degradados, algumas plantações de mandioca, cana, amendoim e de seringueiras. O desmatamento na região assoreou córregos, reduziu mananciais, causou erosão e intensificou a pauperização da comunidade.

Do alto, avista-se apenas uma pequena reserva florestal. “A única área de preservação que sobrou aqui é a nossa”, diz orgulhoso Gerson Krenak. “Lá em cima temos uma área de oito alqueires de mata, onde a gente vê muito tucano, muito macaco, paca… Lá ninguém mexe e a mata está crescendo… Lá onde a gente recuperou tem um lago dentro da mata, lindo.” O cacique aponta para baixo da aldeia e relembra: “Aquela mata, era um capãozinho de nada… Nós fechamos ela, replantamos. A Funai deu as árvores e nós plantamos ali e hoje ela já tá grande também.

Resgate cultural

A partir da década de 1980, um processo de revitalização cultural tomou conta da Aldeia Vanuíre. Voltaram a fazer artesanato, praticar as danças típicas e se redobraram para recuperar, junto aos mais velhos, a língua materna, reprimida violentamente (Herrero, 2016).

O medo de praticar a cultura era grande. “Quando a gente começou a resgatar a cultura, a minha mãe chorava muito, com medo. Dizia que a gente ia desatar uma guerra. Mas a gente foi indo, entrando em contato aqui, ali, e hoje a gente tem outra situação, com todas as crianças praticando nossas línguas, dançando nossas danças, se pintando”, comemora o cacique Gérson Krenak.

Helena Cecílio Damasceno e o marido João Batista de Oliveira são ativos no resgate cultural na Aldeia Vanuíre. Fazem artesanato e ensinam as crianças, cada vez mais interessadas. Ela relembra: “No início dos anos 80, nossos jovens, nossas crianças tinham vergonha de se pintar, de colocar um colar, um cocar. Agora elas têm prazer de se pintar e de mostrar a cultura fora daqui ou para quem visita a comunidade”.

A Kaingang Valdenice Cardoso Soares Vaiti (Nice) é diretora da Escola Estadual Aldeia Índia Vanuíre há onze anos, onde cerca de 50 alunos são distribuídos em três salas de aula. A escola vem contribuindo para o resgate cultural, promovendo o estudo das línguas Kaingang e Krenak, redescobrindo as falas dos antigos.“Primeiro começou com os parentes mais próximos pedindo para que falassem novamente. Não foi um trabalho fácil. Foi um processo longo, foram anos com o pessoal tentando, mas hoje está mais fácil”.

A escola também contribui com o resgate da alimentação tradicional, incluindo, sempre que possível, pratos típicos no cardápio. Um desses alimentos é o “milho índio”. Quem dá a receita do “milho índio” é o cacique Gérson: “Comemos cozido, assado, quando está verde. Quando ele seca, a gente põe de molho dois dias, soca ou mói e faz fubá e, depois, um bolo. Quando o fubá fica mais grosso, os Kaingang fazem com caldo de peixe, na beira do rio, que é muito, muito bom.

Nice nutre dois projetos importantes para a escola: ter uma roça comunitária da escola e retomar a horta. Ela explica o que visa ter com esses dois ingredientes: “A gente quer usar nosso próprio alimento, que é aquilo que a gente consegue plantar e consumir, sem veneno, pois a gente sabe o que está comendo, sem agrotóxicos. E, devagar, a gente vai colocando comidas tradicionais no cardápio que as crianças não estão acostumadas, que são muito nutritivas e fazem muito bem. ”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO.
__ Índios no Estado de São Paulo: Resistência e Transfiguração. São Paulo: Comissão Pró-Índio de São Paulo e Yankatu Editora: 1984.
HERRERO, Railda
__ Entrevistas nas TIs Vanuíre e Araribá, 2016.