1980

Departamento Jurídico

No início dos anos 80, a CPI-SP criou o seu Departamento Jurídico. A CPI-SP sempre reconheceu a importância estratégica da legislação na garantia e no avanço de reconhecimentos dos povos indígenas. Assim, já em 1979, promoveu o simpósio “Legislação Indigenista na América Latina”, durante a reunião anual da SBPC, no Rio de Janeiro. Dalmo de Abreu Dallari destaca o caráter inovador dessa abordagem: “eu me lembro que nos primeiros contatos havia uma certa distância. Os antropólogos não viam o Direito com bons olhos, por uma razão muito interessante: o que eles conheciam da atuação dos advogados, dos juízes, era sempre a favor dos invasores de terras indígenas, sempre a favor do fazendeiro, do latifundiário, de alguém que estava agredindo o índio.
Não havia advogados de índios e, especialmente, nós não tínhamos ainda a Justiça Federal. Só havia a Justiça Estadual e, especialmente nos estados onde havia muitos índios, a Justiça sempre foi contra os índios. Nós fomos superando essa resistência ao advogado que realmente havia entre os antropólogos”.

CPISP_IndioeaCidadania-205x300O Departamento Jurídico foi criado em 1982 com a missão de aprofundar a relação Índios e Direito no Brasil, por meio da: promoção de discussão e divulgação do reconhecimento legal dos direitos indígenas; pesquisa da história da legislação e da doutrina indigenista no Brasil e em outros países; e assessoramento às comunidades indígenas nos processos CPISP_InformeJuridico1992judiciais.

Os resultados das pesquisas e debates promovidos pela CPI-SP foram sistematicamente divulgados no Boletim Jurídico, periódico publicado, pela primeira vez, em junho de 1983. Esses mesmos estudos subsidiaram os livros Os Direitos do Índio e Legislação Indigenista no Século XIX, de autoria de Manuela Carneiro da Cunha. Entre os eventos promovidos pelo Departamento Jurídico citamos: Ciclo de Conferências sobre Direito Indigenista na Faculdade de Direito da USP em 1983 e oCurso de Direito Indigenista em conjunto com a Faculdade de Direito da USP em novembro de 1988.

Ainda durante os anos 80, diversos povos indígenas tiveram o apoio e foram defendidos judicialmente pelos advogados do Departamento Jurídico da CPI-SP. A década de 80 marcou o início de uma nova fase no relacionamento entre as sociedades indígenas e o Estado brasileiro, na medida em que se começou a recorrer aos tribunais para cobrar a aplicação das leis e orespeito à Constituição. A CPI-SP teve presença marcante nesse movimento, defendendo judicialmente, entre outros, os Guarani das aldeias Krukutu, Boa Vista e Rio Silveira no Estado de São Paulo. Em 1982, os Guarani recorreram ao Poder Judiciário para garantir seus direitos à terra. Utilizando-se de serviços de advogados por eles mesmos constituídos, ingressaram com ações na Justiça e conseguiram várias vitórias. As decisões judiciais paulistas foram pioneiras e tiveram o mérito de elucidar questões anteriormente polêmicas, como, por exemplo, a capacidade processual das comunidades indígenas e seu direito de constituir seus próprios advogados.

Encontro Índios de Direitos Históricos

Apoiar a autodeterminação e a organização dos povos indígenas foi sempre uma das preocupações da CPI-SP. Uma das primeiras iniciativas da CPI-SP nesse sentido ocorreu em 1981 com a organização do “Encontro Índios: Direitos Históricos”.

“Penso que uma reunião do quilate apresentado pela Comissão Pró-Índio de São Paulo, assegurando o encontro dos maiores líderes existentes no País, das mais variadas tribos, jamais poderá ser efetuada nas mesmas proporções” depoimento de Marcos Terena (então presidente da União das Nações Indígenas), no livro Encontro Índios Direitos Históricos.

“Acho que essa reunião foi uma novidade total. (…) Foi a primeira reunião urbana em que os índios ocuparam todo o espaço”, Manuela Carneiro da Cunha.

CPISP_EncontroDireitos1-1024x681 CPISP_EncontroDireitos3-1024x765

O evento, promovido e organizado pela CPI-SP foi um marco na luta dos povos indígenas pela autodeterminação. O encontro aconteceu entre 26 e 30 de março de 1981, no Mosteiro dos Dominicanos, em São Paulo, e reuniu representantes de 32 povos indígenas vindos de 17 estados, além de 33 entidades de apoio à causa indígena. Pela primeira vez na história do Brasil, lideranças indígenas de todas as partes do País puderam expor seus problemas e reivindicações livremente.

CPISP_EncontroDireitos5-1024x776 CPISP_EncontroDireitos2-1024x728

Constituição Brasileira de 1988

A CPI-SP teve importante participação nos esforços para assegurar e ampliar os direitos indígenas na Constituição Brasileira de 1988. Desde a sua fundação, a CPI-SP foi amadurecendo o seu posicionamento em relação a uma série de questões relativas aos direitos dos índios: a terra, procedimentos nas demarcações, a tutela, a representatividade jurídica e judicial das comunidades indígenas, a mineração em terras indígenas, a educação e a saúde indígena. Em diversas situações concretas de conflito, adquiria-se experiência e as soluções iam surgindo. Assim, quando chegou o momento de discutir essas questões na Constituinte, já havia propostas muito concretas, acordadas entre as organizações indígenas e as várias entidades de apoio.

“Para enviar a proposta do governo para a nova Constituição, em 1987, o governo nomeou uma Comissão de Notáveis, conhecida como Comissão Afonso Arinos. E esses notáveis se reuniram antes longamente e fizeram um texto inteiro. Esse texto no fim foi desconsiderado, evidentemente, foi largamente emendado, mas era uma base importante. A CPI-SP foi a única que fez lobby junto a essa comissão”, Manuela Carneiro da Cunha.

“A CPI-SP esteve sempre lá, na linha de frente. Quer dizer, acompanhando muito de perto e examinando cada palavra, cada proposta, fazendo propostas também. Eu acho que o trabalho dos indigenistas foi decisivo para que a Constituição tivesse um capítulo favorável aos índios”, Dalmo de Abreu Dallari.

Para subsidiar os debates, foi lançado ainda em abril de 1987 o livro Os Direitos do Índio, organizado por Manuela Carneiro da Cunha e realizado dentro da CPI-SP, com a colaboração de vários de seus membros. Essa publicação destacou-se como o principal instrumento de consulta, pelos constituintes, sobre os direitos dos povos indígenas no Brasil, legislação específica de outros países e os mecanismos internacionais de defesa dos direitos indígenas.

A CPI-SP integrou ainda a Coordenação Nacional – Povos Indígenas e a Constituinte que capitaneou os esforços para garantir que a nova Constituição consolidasse e avançasse no reconhecimento dos direitos dos povos indígenas. A Coordenação Nacional era constituída pela União das Nações Indígenas (UNI), Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP). Contava ainda com o apoio de 30 entidades.

CPISP_CampanhaConstituinte-1024x349

Garantir os direitos indígenas no processo constituinte não foi tarefa fácil. Foi preciso enfrentar até mesmo campanhas de difamação às entidades de apoio aos índios em jornais de grande renome como o Estado de São Paulo. Houve um trabalho persistente de acompanhamento dos debates e das negociações em Brasília.

Delegações de índios vieram pressionar nas ocasiões de votação. E ao final conseguiu-se aprovar um capítulo bastante favorável aos índios.

No dia 5 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição brasileira. Pela primeira vez na história do Brasil, os índios passaram a ter um capítulo específico, onde seus direitos são amplamente reconhecidos. Para a CPI-SP, essa foi a culminação de uma fase, os seus primeiros dez anos. Abriam-se então novos caminhos para a luta pelos direitos dos povos indígenas. Manuela Carneiro da Cunha avalia: “nós temos hoje em dia uma legislação espetacular, só que agora evidentemente o problema é passar do papel para a realidade”

As Hidroelétricas do Xingu e os Povos Indígenas

A Comissão Pró-Índio esteve entre as primeiras organizações a questionar os projetos de construção de hidrelétricas no Rio Xingu ainda nos anos 80. Nessa campanha, a CPI-SP contou com a parceria da Prelazia do Xingu, da Associação Brasileira de Antropologia, do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo e também do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Altamira.

No final de 1988, o lançamento do livro As Hidroelétricas do Xingu e os Povos Indígenas colocou em novas bases o debate sobre a política energética do Brasil. O livro foi um instrumento fundamental na campanha que propunha a rediscussão dos projetos hidroelétricos da bacia do Xingu (no Pará) que ameaçavam inundar territórios dos povos indígenas Juruna, Arara, Kararaô, Xikrin do Bacajá, Asuriní, Araweté e Parakanã.

A campanha inovava por se propor a agir antes da construção das hidroelétricas. Até aquele momento, ações dos indigenistas vinham remediar depois que a decisão de construir já tinha sido tomada ou mesmo a construção iniciada.

CPISP_HidreletricasXingu5-1024x709Por meio da campanha buscou-se questionar a necessidade de implantação do empreendimento hidroelétrico do ponto de vista da política energética mais ampla e não apenas porque era prejudicial aos índios. E, assim, a campanha articulou também especialistas de diversas áreas (energética, ambiental, social) e demais setores atingidos pelas barragens.

Outro desafio foi o de traduzir as informações técnicas para uma linguagem acessível à opinião pública e aos beneficiários da CPI-SP. Essas informações eram divulgadas na forma de cartilhas e mapas.

Com o apoio da CPI-SP, foi criada em 1989 a Comissão Regional de Atingidos por Barragens do Complexo Hidroelétrico do Xingu (CRACOHX) que coordenou, nos anos 1990, a luta dos movimentos populares da região contra a construção desse projeto.

Comunidades Remanescentes de Quilombos

Foi através do trabalho com as hidroelétricas que a CPI-SP teve contato e passou a atuar em parceria com as comunidades quilombolas. No ano de 1989, a CPI-SP foi convidada por órgãos da Igreja Católica a auxiliar na organização das comunidades remanescentes de quilombos no Vale do Ribeira (SP) e em Oriximiná (PA), que se encontravam ameaçadas por projetos de barragens.

Com o apoio da CPI-SP, os quilombolas venceram a primeira parte da luta, impedindo que os vários projetos hidroelétricos fossem concretizados nos anos 1990.

capo224-1024x697