ZO’É

Os Zo’é são um povo de língua tupi-guarani, cuja população é de aproximadamente 280 pessoas. Habitam atualmente o interflúvio Cuminapanema-Erepecuru, este último rio onde se situa o município de Oriximiná na Terra Indígena Zo’é já demarcada com 668.572,9867 hectares.

HISTÓRIA

Tomando como base dados linguísticos e etnológicos são possíveis hipóteses sobre a migração dos Zo’é para esta região. Sugere-se uma origem comum aos Wajãpi (do Amapá), os Araweté, os Asurini (do Tocantins) e os Tembé (do Pará). Todos são tupi-guarani que teriam migrado da região do baixo Xingu para seus respetivos territórios de ocupação atual. Os Zo’é compartilham com estes povos tradições como o ciclo mítico de recriação do mundo e formas de organização social.

Ao menos durante o último século, antes mesmo do contato oficial, relações foram estabelecidas com povos caribe. Não se descartam também conflitos com os negros da região e outros não-indígenas.

AS EXPERIÊNCIAS DE ATRAÇÃO E O CONTATO OFICIAL

Os Zo’é qualificam seus encontros com não indígenas no século XX com base em uma cronologia dos barulhos, e dizem que sempre partiram em busca de seus autores: do som de motores de popa que subiam os rios, passando pelos aviões e helicópteros que sobrevoavam a área, até as motosserras dos missionários que fariam o contato oficial.

Desde a década de 1960, os Zo’é vinham encontrando peças de roupas que forasteiros deixavam no rio Erepecuru. Em 1975, receberam uma visita mais espetacular: um helicóptero do Instituto do Desenvolvimento Econômico do Pará (IDESP), que vinha realizando pesquisa mineral para a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Pacotes com roupas e outros objetos foram lançados sobre onde estão hoje as aldeias Keijã e Jawarakaven, no centro da Terra Indígena. O interesse pelos objetos abriu caminho para a ação dos missionários evangélicos da Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB) que viriam em seguida.

Em 1982, estes iniciaram sua parte no processo de atração, alimentados pela oportunidade de atingir um povo totalmente alheio a palavra de Deus. Receberam apoio de igrejas locais e norte-americanas. Após cinco anos de visitas intermitentes dos missionários, os Zo’é aceitaram o contato, e aqueles instalaram sua base no sul da área em 1987, chamada Missão Esperança, relativamente longe das aldeias conhecidas.

Em pouco tempo, os Zo’é se concentraram no local, permanecendo junto aos missionários até 1991. Foi nesse ano que, devido à falta de controle pelos missionários na proliferação de doenças como a gripe, a Funai os afastou dos Zo’é, assumindo o trabalho com estes. Desde sua saída a MNTB vem incentivando pastores waiwai a se encontrarem com os Zo’é, inclusive dentro da terra indígena. O mesmo é feito por missionários tiriyó de famílias que vem do Suriname.

“FRÁGEIS” E ISOLADOS

Os Zo’é ganharam destaque na mídia brasileira e internacional em 1989, quando apresentados ao mundo por meio de reportagens que enfatizavam sua “pureza” e sua “fragilidade”. De certa forma, a política promovida pela Funai entre 1991 e 2010 corroborou com tal imagem. Não aprovaram, por exemplo, as tentativas que os Zo’é faziam de se encontrar com os índios Tiriyó.

Todavia, ressalta-se o efeito desse tipo de ação sobre a história recente dos Zo’é, peculiar em relação aos outros povos contatados da região. O isolamento promovido pela Funai desde 1991 manteve os Zo’é afastados dos missionários (não inteiramente, como vimos acima) o que hoje, de certa forma, permite aos Zo’é se aproximarem das demandas estatais e dos não-indígenas sem o viés cristão.

NOVA FASE DA POLÍTICA OFICIAL E QUALIDADE DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE

Desde 2011, uma nova administração da Frente de Proteção Etnoambiental do Cuminapanema da Funai vem realizando a mediação oficial com os Zo’é. Mantem-se a antiga base no centro da terra indígena, onde se promove uma interlocução direta com os Zo’é por meio de reuniões regulares . Foram feitos intercâmbios diplomáticos entre estes e seus vizinhos, visando esclarecer os problemas da gestão territorial, como a invasão de garimpeiros, castanheiros e madeireiros, e sobretudo, o interesse dos missionários.

Porém, há cerca de quatro anos o que se vê é uma deliberada rumada dos Zo’é do centro para o rio Erepecuru. Nas últimas três décadas, os Zo’é permaneceram relativamente concentrados. Na missão a população que não atingia 150 pessoas estava praticamente vivendo toda na mesma aldeia. Com a saída da missão e a estabilização na assistência a saúde, o crescimento foi e continua sendo vertiginoso. Em 20 anos, a população aumento para 270 pessoas, e ao longo desse período foram abrindo novas aldeias e retomando outras.

Atualmente, as aldeias principais estão concentradas em torno do posto da Funai. As mais longes não devem distar 30km. Contudo, uma série de novas clareiras (roças e casas) vem sendo abertas em diferentes caminhos para o Erepecuru.

É preciso também destacar a reconhecia qualidade na assistência à saúde oferecida para os Zo’é. Dentro da terra indígena há uma estrutura com farmácia, ambulatório e consultório de dentista, contando com alguns aparelhos novos e sofisticados, medicamentos e atendimento constante de profissionais não-indígenas da Secretaria Estadual de Saúde Indígena e Casa de Saúde Indígena. Além disso, contam com o apoio do Hospital Regional de Santarém, referencia no estado do Pará, por meio do qual são feitos exames mais complexos, intervenções cirúrgicas delicadas, ou outros atendimentos de maior gravidade, que não podem ser feitos na própria terra indígena.

COMO VIVEM

Os Zo’é vivem de atividades tradicionais como caça, pesca, agricultura e coleta. Como ainda dominam pouco o português e operações matemáticas básicas, não recebem salários ou qualquer outro tipo de assistência governamental, diferentemente de outros povos da região.

De maneira geral, homens e mulheres trabalham conjuntamente no roçado e, na caçada é comum que os caçadores sejam acompanhados por suas jovens esposas sem filhos. Plantam uma diversidade de vegetais em suas roças, dos quais se destaca a mandioca usada para fazer farinha, beiju e tapioca. E caçam e comem praticamente todo tipo de mamíferos e aves. A pesca e a coleta são feitas quase exclusivamente pelos homens.

Organizam-se a partir de pequenos grupos referidos ao seu local de ocupação. Tal referência é expressa pelo sufixo –wan. Identificam-se de acordo com aquela aldeia que frequentam com maior regularidade. Cada aldeia é composta por poucas casas ainda em arquitetura tradicional, sem paredes e com cobertura de ubim; recentemente alguns Zo’é vêm construindo casas altas com paredes de tabuas finas cortadas a facão. Dizem que se inspiraram nos modelos de casa dos índios Tiriyó.

As casas são dividas pelas chamadas famílias extensas, isto é, normalmente duas ou três famílias nucleares polígamas (cônjuges e seus filhos) ligadas por parentesco próximo (um irmão em cada uma, etc.). Cada família extensa possui sua casa de fazer farinha separada da casa de habitação.

ARRANJOS ENTRE OS –WAN

Esses pequenos grupos que variam de 10 a 60 pessoas, ao longo do ano se unem e dispersam de acordo com as demandas sazonais. Cada grupo possui domínios do território que incluem de duas até dez clareiras com algumas roças mais ativas que outras. A maioria das clareiras tem ao menos uma casa pequena. Os domínios incluem também caminhos que ligam essas aldeias, e caminhos de caça e coleta, além de pontos nas margens dos grandes rios.

Porém, ressalta-se que os Zo’é ocupam principalmente o interflúvio e não a margem dos grandes rios, diferentemente dos outros povos contatados da região. Apenas na seca, quando a maioria dos igarapés que abastecem essas aldeias mais ao centro da terra indígena praticamente desaparece, os grupos então migram para diferentes pontos dos grandes rios. Permanecem cerca de dois a três meses por lá. Antigamente montavam acampamentos, mas hoje privilegiam a construção de casas nas margens desses rios.

Poucos –wan (cerca de 3 grupos) têm se arranjado para ocupar o Kare, afluente do Cuminapanema que corta a terra indígena do centro ao sul, a leste do posto da Funai. O restante (cerca de 8 grupos) tem ocupado predominantemente pontos no Rio Erepecuru – contudo, pontos distintos, pois os grupos ao sul do posto não vêm acessando os caminhos que levam ao Erepecuru dos grupos que estão ao norte, e vice-versa.

MUNDO EM GUERRA: SABERES DE PREVENÇÃO E CURA

Paralelamente ao interesse e uso que têm de toda a assistência médica assinalada acima, os Zo’é continuam praticando regularmente seus próprios métodos de prevenção e cura. Os resguardos e tabus alimentares continuam sendo os métodos mais eficazes de prevenção contra malefícios a si próprio e/ou a um parente próximo.

No nascimento de uma criança, os pais e os co-residentes desta permanecem por dias sem sair de casa, evitando esforços físicos exagerados como trabalhar na roça ou ir caçar. Evitam também comer uma série de alimentos que podem desencadear efeitos sobre a criança, sobretudo, diarreia.

Esse vínculo direto entre o recém-nascido e seus parentes próximos, gerando efeitos mútuos entre eles com base nas ações que cada uma dessas pessoas pode realizar, reproduz-se também no momento que uma pessoa está doente, mesmo pessoas adultas.

Como afirmam os Zo’é, quase sempre as causas das doenças são agressões enviadas pelos animais, que se vingam das mortes promovidas nas caçadas. Se hoje os Zo’é não estão em guerra com outros povos indígenas, como relatam já ter acontecido no passado, é preciso entender a caçada de forma análoga a uma guerra. Por isso é preciso seguir uma ética com seres não humanos que se manifesta nas práticas de prevenção e cura, e nas próprias ações de caçada.

Mas também plantas (como a castanha-do-pará, inajá, mandioca) podem enviar agressões do mesmo tipo quando se as manuseia sem cuidado, ou quando se as consome em períodos de resguardo. Evita-se, portanto, caçar determinados animais como, por exemplo, caititus, algo que poderia acelerar a moléstia do parente, levando a pessoa à morte.

É nesse sentido que também funcionam os processos de cura. Não há entre os Zo’é a posição de xamã. Mas existem sim pessoas com habilidades que podem ser consideradas xamanísticas. Estas conhecem os usos de plantas e do cigarro de towari, que são usados na redução de febres, a diminuição de inchaços, e a eliminação das pequenas flechas invisíveis enviadas pelos animais causadoras das dores mais profundas.

BIBLIOGRAFIA

PZO’É, http://www.funai.gov.br/index.php/zoe/2026-programa-zo-e-pzo-e

Dominique Tilkin Gallois. 1992. “De arredio a isolado: perspectivas de autonomia para os povos indígenas isolados”. In: GRUPIONI, L. D. B (Coord.), Índios do Brasil, São Paulo, SMC/PMSP, 1992 (2 edição MEC, 1994).

__ 2015. “Alguns modos zo’é de fazer coletivos e lideranças”. In: Entre águas bravas e mansas. Índios & Quilombolas de Oriximiná. Comissão Pró-Índio de São Paulo & Instituto de Formação e Pesquisa Indígena, 284-297.

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Leonardo Viana Braga. 2015. “Micropeças sobre gênero e caçada junto aos Zo’é”. In: Entre águas bravas e mansas. Índios & Quilombolas de Oriximiná. Comissão Pró-Índio de São Paulo & Instituto de Formação e Pesquisa Indígena, 272-283.

Nadja Bindá Havt. 2001. Representações do Ambiente e da Territorialidade entre os Zo’é/PA. Dissertação de Mestrado. São Paulo, FFLCH-USP