Após três meses da sentença que determinou a titulação das terras quilombolas do Alto Trombetas, em Oriximiná, Incra e ICMBio ainda não tomaram qualquer medida para a retomada do processo

Foto: Carlos Penteado

Em 24 de fevereiro de 2015 , a Justiça Federal em Santarém determinou que a União, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) concluam no prazo de dois anos a titulação das terras quilombolas do Alto Trombetas em Oriximiná, no Pará. Em 2007, o processo foi levado pelo ICMBio para a Câmara de Conciliação da Advocacia Geral da União (AGU) em função da sobreposição com duas unidades de conservação. Passados 8 anos, o caso continua sem solução.

A fim de averiguar como estava o planejamento para cumprimento da decisão judicial, a Comissão Pró-Índio de São Paulo entrou em contato com o Incra, ICMBio e a AGU e obteve resposta evasivas. O Incra diz que a retomada do processo depende da AGU e do ICMBio.  A AGU, por sua vez, afirmou que “a Câmara de Conciliação atua como mediadora do processo, mas não possui competência impositiva para a celebração de acordo”. E o Ministério do Meio Ambiente alegou que “prosseguem as tratativas internas no sentido da construção de uma proposta a ser apresentada inicialmente ao Incra e demais órgãos do governo federal envolvidos na questão, e posteriormente aos interessados”.

A Comissão Pró-Índio apurou junto à AGU que, apesar da decisão judicial, não foi realizada nenhuma nova reunião sobre o assunto no âmbito da Câmara de Conciliação e não houve qualquer evolução no caso.

A única medida do governo foi apelar da sentença junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. O Ministério Público Federal do Pará já apresentou as suas contrarrazões aos recursos de apelação, requerendo a manutenção da sentença que determino prazo para a regularização das terras quilombolas. O recurso ainda aguarda julgamento.

Adiar a decisão, só vai aprofundar a violação aos direitos quilombolas, afirma o MPF.
Para a Procuradora da República Fabiana Keylla Schneider‏, que acompanha o caso, nenhum dos argumentos da apelação têm fundamento e a mora do Poder Público é evidente. “Já fazem 11 anos que o pedido de titulação foi feito, e o processo se arrasta sem uma resposta do Poder Público. É preciso que as conversações cheguem a um final. As famílias quilombolas não podem ficar esperando eternamente o poder público se manifestar. Adiar a tomada de decisão só vai aprofundar a violação aos direitos quilombolas” afirma a Procuradora.

O relatório de identificação da terra quilombola Alto Trombetas foi concluído pelo Incra ainda em 2013, mas não é publicado em função da controvérsia com o ICMBio e Ministério do Meio Ambiente. Contudo, na opinião da procuradora, isso nem deveria ser cogitado como entrave, já que a publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) é um passo anterior à manifestação de órgãos e entidades da administração federal.

A situação semelhante à dos quilombolas do Alto Trombetas, é enfrentada por, ao menos outras oito comunidades em diversos estados, cujos processos também foram encaminhados à Câmara de Conciliação devido a sobreposição com unidades de conservação.

De acordo com a Procuradora Maria Luiza Grabner, coordenadora do GT Quilombo do MPF, é preciso “buscar soluções conciliatórias nesses casos para o asseguramento de direitos socioambientais, visando superar velhas dicotomias presentes no debate”.

Ainda segundo a Maria Luiza Grabner, há consenso no âmbito do MPF “quanto à necessidade de se fazer, no mínimo, uma leitura do artigo 42 da Lei do SNUC conforme à Constituição Federal e Convenção 169 da OIT, entre outras, para permitir a conciliação da presença de populações tradicionais em Unidades de Conservação de todas as categorias”.  O artigo 42 da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) determina que as populações tradicionais residentes em unidades de conservação de proteção integral sejam realocadas pelo Poder Público.

Consequências para os quilombolas
Enquanto a conciliação não se concretiza, os quilombolas que ocupam terras no interior da Reserva Biológica do Rio Trombetas enfrentam dificuldades para garantir seu sustento e acessar políticas públicas, como alerta a Procuradora Fabiana “as famílias ficam impedidas de até de dar continuidade a práticas tradicionais que há décadas garantem o sustento dos quilombolas”.

Francisco Hugo de Souza, presidente da Cooperativa do Quilombo (CEQMO), relata as restrições que os cooperados de comunidades localizadas na reserva biológica sofrem. “Eles não podem tirar DAP

[Declaração de Aptidão ao Pronaf] e, com isso, não conseguem ter acesso as políticas públicas que dependem dessa declaração, como a venda dos produtos para o PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar]”. Hugo aponta as dificuldades até mesmo para a CEQMO se reunir com os cooperados “para chegar na comunidade tem que ter autorização do ICMBio, toda uma burocracia. Parece uma prisão”.

Já os quilombolas situados no interior da Floresta Nacional Saracá-Taquera estão ameaçados pela mineração que avança para áreas já identificadas pelo Incra como de ocupação quilombola. A maior produtora de bauxita do Brasil, a Mineração Rio do Norte, utiliza-se exclusivamente do minério localizado dentro da unidade de conservação.

Em 2013, o Ibama concedeu a Licença de Operação para a Mineração Rio do Norte explorar o platô Monte Branco parcialmente localizado na Terra Quilombola Alto Trombetas 2. Não houve consulta prévia aos quilombolas ou qualquer acordo sobre indenização pelos prejuízos. E os estudos geológicos nos demais platôs incidentes em terras quilombolas na Flona Saracá-Taquera só não prosseguiram por causa da resistência dos quilombolas e o apoio do Ministério Público Federal.

“É uma contradição, o ICMBio e o Ministério do Meio Ambiente resistem em reconhecer os direitos dos quilombolas, mas autorizam a mineração dentro da Floresta Nacional, uma atividade extremamente impactante”, critica Lúcia Andrade, coordenadora da Comissão Pró-Índio. Sem a titulação, os quilombolas ficam ainda mais vulneráveis a tais ameaças.

Saiba mais no site da Comissão Pró-Índio.

Entrevistas e Redação: Bianca Pyl
Edição: Otávio Penteado, Carolina Bellinger e Lúcia Andrade