Fonte: Folha de São Paulo
Na aldeia Lobo Velho, há três ocas, viveiros de pássaros, uma casa de reza e uma área de convivência para os visitantes. Localizada no distrito de Palmeiras, na periferia de Suzano, cidade da Grande São Paulo, a rotina por lá mudou desde o começo da pandemia do novo coronavírus. “Para evitar os riscos de contágio da doença cancelamos os nossos encontros e as vendas de artesanatos nas feiras. Com isso a situação financeira ficou bem apertada”, afirma o pajé Ary Tucunduva de Faria, 64.
Ary é o criador da aldeia multiétnica —indígenas de diversas tribos, como Kariri-Xocó, Tupi, Guarani. Segundo ele, até povos da cidade de Machu Picchu, no Peru, encontraram abrigo por ali nos últimos anos. Os indígenas abrigados ficam por alguns meses na aldeia produzindo artesanatos, promovendo palestras em universidades, realizando rodas de rapé e cerimônias das bebidas sagradas ayahuasca e jurema.
No entanto, desde o começo da pandemia, o local foi reduzido à presença apenas dele e de Kamony Nunes da Cruz, 36. Antes da pandemia, cerca de 10 indígenas da tribo Kariri-Xocó moravam na aldeia Lobo Velho, mas o medo pelo agravamento da situação fez com que todos retornassem às terras de origem, em Porto Real do Colégio, município de Alagoas.
Kamony é o único que ficou em São Paulo na tentativa de continuar a venda de artesanatos. Diariamente usa a internet, porém a renda não é suficiente. “O que está me ajudando muito é o auxílio emergencial, mas não sei até quando vou aguentar”, relata, citando o valor de R$ 600 recebido do governo federal.
Sem internet na tribo dos Kariri-Xocó, Kamony tem dificuldade de manter contato com os familiares, mas conta que até o momento soube que perdeu sete amigos em decorrência da Covid-19. “Lutamos pela nossa tradição, para conseguir comida e agora contra um vírus invisível que nos mata. Não está fácil”, comenta. Para ele, a pandemia é apenas uma das consequências do modo de vida do “homem branco”. “É triste ver que os pobres são os mais afetados. Assim como nós, indígenas, a população precisa se unir e lutar contra as decisões erradas tomadas pelo governo. Precisamos continuar lutando”, diz.
Assim como na Aldeia Lobo Velho, parte da população indígena que vive na Grande São Paulo é composta por povos vindos do Nordeste ao longo das últimas décadas. De acordo com dados oficiais do município, atualmente, a cidade tem 1.746 indígenas aldeados e, até o dia 24 de julho, foram realizados 1.574 testes de RT-PCR para a detecção do vírus. Destes, 372 deram resultado positivo, com 3 óbitos. Segundo o IBGE, 21 mil pessoas se declararam indígenas na região metropolitana. Parte dessa população vive em aldeias.
Na capital, há três delas: a Tenondé Porã e a Krucutu, localizadas na região Sul, e a Aldeia Jaraguá, na região Norte. Todas tiveram de se adaptar ao período da pandemia. No Jaraguá, Anthony Karaí Poty, 21, cita que o isolamento mudou a forma de organização da comunidade e alterou rituais e tradições da cultura guarani. O indígena comenta que, após “muitas lutas”, a aldeia conseguiu os EPIs (Equipamento de Proteção Individual).
“O primeiro caso registrado aqui foi com um funcionário da saúde, e com isso os cuidados foram redobrados em relação ao isolamento social. Tivemos um monte de casos confirmados e nós também lutamos muito para ter uma área de isolamento aqui dentro da aldeia e conseguimos”, relata Anthony.
Outro lado
A Prefeitura de Suzano disse que não há estudos antropológicos que demonstrem a existência de população indígena no município. Afirmou que há a presença de indivíduos que carregam ancestralidade indígena ou nativos vindos de outras regiões do país. Especificou, portanto, que não há nenhum paciente positivo para Covid-19 registrado como indígena. Também respondeu que, como não há assentamentos indígenas na cidade, nenhuma das equipes do PSF (Programa Saúde da Família) está direcionada a esse atendimento em específico. A prefeitura de São Paulo informou que a Secretaria Municipal de Saúde possui uma área técnica específica para cuidar da saúde da população indígena.
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