Fonte: UOL
Moradora da cidade de São Paulo, a indígena Karibuxi, 27 anos, foi vacinada na última terça-feira (13), após um mês de idas a UBSs (Unidades Básicas de Saúde), filas de espera e um apelo à Secretaria Municipal de Saúde pelas redes sociais.
Sem sucesso em conseguir atendimento nas unidades de Santa Cecília e da Lapa, Karibuxi, que pediu para não ter seu nome de registro ou imagem divulgados, não conseguiu as doses em UBSs na Santa Cecília e na Lapa e procurou a pasta. Após informar seus dados, ouviu que poderia ser vacinada.
Assim, no dia 10 de julho, dirigiu-se à UBS em Santa Cecília e mais uma vez, não conseguiu se vacinar após horas de espera. Em seu relato nas redes sociais, ela diz que outros cinco indígenas também não tiveram sucesso.
“Nesse dia, a UBS estava vazia. Devia ter no máximo seis pessoas. Mesmo assim, me deixaram esperando e ouvi uma enfermeira dizer que muitas vacinas iam sobrar. Senti que foi descaso”, relata.
Após o ocorrido, ela se manifestou nas redes sociais novamente e, dois dias depois, recebeu ligação a convidando para receber a dose.
“Foi um processo cansativo. Na minha conclusão, além da má instrução, também teve preconceito e falta de vontade. Por uma crença pessoal, de que nós indígenas urbanos não deveríamos ser vacinados como grupo prioritário, agiram de forma contrária à determinação oficial”, conta.
Procurada pelo UOL, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), informou que reorientou a UBS Dr. Humberto Pascalli quanto às determinações para a vacinação do público elegível.
“Indígena é indígena em qualquer lugar” A frase “só na Aldeia” ilustra os embates sobre a vacinação entre “aldeados e urbanos”. Pelo planejamento inicial do governo, seriam vacinados apenas os indígenas atendidos pela Secretaria Especial de Saúde (Sesai). A resolução deixava de fora os povos que vivem em contexto urbano e que representam 36% dessas populações, uma soma de quase 500 mil pessoas. Para que a determinação incluísse os povos não aldeados, articulações e lideranças indígenas como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Cimi (Conselho Indigenista Missionário) foram ao Supremo Tribunal Federal.
Em 16 de março, o STF determinou que seja assegurada prioridade na vacinação contra a covid-19 dos povos indígenas que não vivem em terras reconhecidas oficialmente ou estão nas cidades. A determinação foi homologada na quarta versão do Plano Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Indígenas, apresentado pelo governo federal. A corte considerou insuficiente os outros três planos apresentados anteriormente.
Para o UOL, Vanuza Kaimbé, 50 anos, a primeira indígena a ser vacinada no Brasil defende o fim da distinção entre povos aldeados e urbanos. Assistente social e técnica em enfermagem, Vanuza atua com a saúde indígena há quinze anos e é líder indígena há mais de vinte. Atualmente, vive na Aldeia Multiétnica Filhos Dessa Terra, na cidade de Guarulhos, região metropolitana de São Paulo.
Desde o início da pandemia, Kaimbé tem feito campanhas e articulações com instâncias de poder e institutos de saúde para financiar testes de covid-19 para a população indígena e de pronto, tentar isolar os casos confirmados. No dia da vacinação, declarou: “Indígena é indígena em qualquer lugar”. “É nosso direito viver nas cidades e isso não exclui nossa identidade. As dificuldades dos indígenas em contexto urbano são ainda maiores do que a dos aldeados. Nas cidades, além da falta da terra, lidamos com o preconceito”, conta.
De acordo com o censo de 2010, o último divulgado pelo IBGE, São Paulo é a cidade com maior número de indígenas vivendo em áreas urbanas. Em sequência, São Gabriel da Cachoeira (AM) e Salvador (BA).
Com a determinação do STF para a vacinação para indígenas de todos os territórios, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que o critério fundamental para o reconhecimento dos povos indígenas é a autodeclaração. Segundo a Secretaria Municipal da Saúde, indígenas aldeados ou não podem tomar a vacina nas UBSs, megapostos e drive-thrus. Para isso, é necessário apresentar um documento de identificação (preferencialmente CPF) e um comprovante de etnia.
O comprovante de etnia é um documento assinado por uma liderança indígena. Vanuza relata que já emitiu mais de 200 para o povo Kaimbé. O critério da autodeclaração foi determinado após a suspensão da Resolução 4/2021, da Funai. A norma estabelecia critérios de heteroidentificação para os novos indígenas e foi criticada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). “Com a resolução, a Funai extrapola seus limites legais de atuação ao elaborar critérios jurídicos para definir quem é ou não indígena, em total desacordo com a Constituição Federal de 1988”, ressalta o documento protocolado pelo Ministério Público Federal (MPF) em fevereiro.
Covid-19 entre os povos indígenas Durante a CPI da Covid, no dia 24 de junho, o epidemiologista Pedro Hallal afirmou que o Ministério da Saúde censurou dados sobre a maior incidência de covid-19 em indígenas e negros. O dado faz parte da pesquisa “EpiCovid-19” realizada pela Universidade Federal de Pelotas, sob coordenação de Hallal e foi apresentada em uma entrevista coletiva no Palácio do Planalto em julho de 2020.
Com as informações da prevalência de casos envolvendo indígenas em contexto urbano, o estudo endossa a necessidade de manter os povos indígenas no grupo prioritário da vacinação. Desde o início da pandemia, o governo federal contabiliza somente os indígenas aldeados.
na contagem de casos e mortes. A estratégia da SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena) levou à subnotificação de óbitos causados pela doença. Em resposta, a APIB tem realizado seu próprio levantamento por meio do Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena com cruzamento de dados da base da APIB, SESAI, Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde e Ministério Público Federal.
Segundo o Comitê, 1.130 indígenas morreram em decorrência da covid-19. De acordo com o levantamento da SESAI, são 734. O total de indígenas no país é de 896.917, segundo o censo do IBGE de 2010; organizações indígenas dizem que hoje o número chega a 1 milhão.