No lançamento da publicação, o autor, Luiz Jardim, foi entrevistado pela jornalista Cristina Serra e destacou os riscos do maior complexo de barragens de mineração na Amazônia
Barragens de mineração da Mineração Rio Norte em Oriximiná. Foto: Carlos Penteado
Barragens são perigosas e podem provocar danos gigantescos sobre outras pessoas, especialmente para aquelas que vivem perto delas. Esse foi um dos alertas do pesquisador Luiz Jardim Wanderley, autor de “Barragens de Mineração na Amazônia: o rejeito e seus riscos associados em Oriximiná”, novo livro da Comissão Pró-Índio de São Paulo, durante o lançamento da publicação.
No evento virtual, realizado em 1º de junho e transmitido pelo Canal da Comissão Pró-Índio no YouTube, Luiz Jardim foi entrevistado pela jornalista Cristina Serra e comentou as principais constatações de sua pesquisa sobre o maior complexo de barragens de mineração na Amazônia. São 26 estruturas da Mineração Rio Norte (MRN) no município de Oriximiná (PA), 24 delas dentro da Floresta Nacional de Saracá-Taquera, unidade de conservação federal.
Segundo o autor, não é porque não aconteceu um rompimento de uma dessas barragens (como ocorreu em Mariana e Brumadinho) que se pode afirmar elas são 100% seguras. “As barragens são perigosas. Isso é bom a gente colocar, que as barragens têm risco”, afirma.
Perigo para ribeirinhos e quilombolas
No caso de Oriximiná, os principais ameaçados são as comunidades ribeirinhas e quilombolas a jusante das barragens da MRN. Uma delas, o Quilombo Boa Vista, está a apenas 400 metros de uma dessas estruturas – ficam separados apenas pelo Igarapé Água Fria.
O quilombo Boa Vista e uma das barragens da MRN estão separados apenas pelo Igarapé Água Fria. Foto: Carlos Penteado (com modificação pela CPI-SP)
Lideranças dessas comunidades, que são parceiras da Comissão Pró-Índio, enviaram suas mensagens para o evento, relatando a situação de constante apreensão que vivem com a proximidade das barragens e a falta de diálogo com a mineradora. “Viver próximo de barragens é muito complicado. Nos traz muito medo, a gente não tem ideia do que pode acontecer, e ao mesmo tempo a gente tem a ideia de outros casos que aconteceram, como em Mariana”, disse Fátima Viana Lopes, ribeirinha e professora na comunidade Boa Nova.
“Eles falam para gente que não tem grande risco. Mas para a gente tem, porque moramos muito perto. E se a gente perde uma vida, já é muita coisa”, relata Amarildo Santos, quilombola da comunidade Boa Vista. “Nunca a mineração chegou para gente para colocar o que é a barragem, o risco que tinha, fazer a gente conhecer. Em 40 e poucos anos desse empreendimento, a gente só veio tomar o conhecimento porque a Comissão Pró-Índio se preocupa muito com essa situação”, completa.
Os riscos das barragens para Fátima, Amarildo e os demais moradores das comunidades a jusante é um dos pontos importantes que compõem a análise de Luiz Jardim na nova publicação. O estudo é mais uma iniciativa da Comissão Pró-Índio visando apoiar quilombolas e ribeirinhos na sua luta por maior segurança frente às barragens.
26 barragens, mais 16 por vir, e pouca satisfação à sociedade
Luiz Jardim lembrou durante o lançamento que o empreendimento da MRN em Oriximiná deve ficar ainda maior no futuro, com uma nova barragem já em construção e outras 16 previstas. “Isso é o que está público. Mas a gente não sabe quantas mais serão necessárias para explorar todos os platôs. A gente está falando de um número de barragens inimaginável”, aponta.
Barragens de mineração expandiram-se na Amazônia nas últimas décadas, e outras já estão planejadas. Foto: Carlos Penteado
Hoje, a MRN já é a quarta maior dona de barragens de mineração no Brasil. É a maior produtora de bauxita do país que tem como acionistas outras gigantes da mineração, como Vale (40% das ações), Alcoa (18%) South32 (15%) e Hydro (5%). “São empresas protagonistas de grandes desastres e conflitos no Brasil”, lembra Luiz Jardim.
O maior problema, afirma, é que a decisão da Mineração Rio do Norte por implementação de mais e mais barragens é tomada sem debate com a sociedade sobre alternativas mesmo que já estejam à disposição alternativas de tratamento de rejeitos de mineração. “Pior do que não oferecer nada [de alternativa] é não oferecer a oportunidade de debate à sociedade.”
Antes das barragens, o rejeito era depositado na natureza
O autor lembra também que as barragens só foram instaladas pela Mineração Rio do Norte para equacionar uma situação ainda mais grave: o lançamento de rejeitos diretamente no ambiente. Por 10 anos (entre 1979 e 1989), a mineradora jogou os rejeitos diretamente no Lago Batata. Estima-se que foram depositados 24 milhões de toneladas de sólido, quase duas vezes o volume da Barragem B1 em Brumadinho. Até hoje, o corpo d’água não se recuperou dos danos causados por este desastre ambiental.
Mais de 30 anos depois, o Lago Batata ainda não se recuperou dos danos causados por 10 anos de deposição de rejeitos pela MRN. Foto: Carlos Penteado
Reclassificação do método de alteamento
Outro ponto destacado pelo autor foi a mudança na classificação do método de alteamento das barragens da Mineração Rio do Norte. “Em 2007, a MRN escreveu no estudo de impacto ambiental que tinha barragens à montante – em que você constrói em cima da barragem para conseguir depositar mais rejeito. Hoje, ela nega que tenha. O grau de incertezas é muito alto”, diz.
A estrutura das barragens não mudou, mas sua classificação sim, sem transparência ou debate público. A consequência é da reclassificação de alteamento “a montante” para “linha de centro”, é que essas barragens da MRN não precisarão ser mais ser descomissionadas.
Vale a pena ter mais mineração?
Sobretudo, afirma Luiz Jardim, o que todos esses riscos e incertezas envolvendo as barragens no coração da Amazônia suscitam, é uma reflexão mais ampla sobre os impactos da mineração e sobre qual o preço a ser pago pela sociedade para que essa atividade ocorra. “Vale a pena ter mais mineração? Esse é um cálculo que a gente tem que fazer enquanto sociedade. E a sociedade não é chamada a debater isso” questiona o pesquisador.
A reflexão foi apoiada por Cristina Serra, que lembrou que, quando se lida com a gestão de riscos decorrentes da mineração, o destino das populações que moram próximas das barragens acaba sendo decidido de acordo com o interesse econômico das empresas. “O destino dessas pessoas que moram perto essas barragens de mineração é decidido em reuniões de acionistas, de altos executivos, que em última instância têm o poder de decidir sobre a vida e morte dessas populações”, disse.
“O destino dessas pessoas que moram perto essas barragens de mineração é decidido em reuniões de acionistas”, lembrou Cristina Serra. Foto: Carlos Penteado
Eles lembraram também que, ainda que as barragens da MRN em Oriximiná tenham diferenças importantes em relação às que romperam nos últimos anos em Minas Gerais (que utilizavam o relevo natural como bordas para segurar os rejeitos), isso não as exime de risco. E que um eventual desastre nessa região poderá ter efeitos gravíssimos para o bioma. “Se houver uma chuva maior de um lado, uma deposição de rejeitos maior de outro, pode vir a romper de um dos lados. Qualquer um deles pode romper”, alerta Luiz.
Entrevista completa e download do livro
A entrevista completa de Luiz Jardim Wanderley a Cristina Serra está disponível no Canal da Comissão Pró-Índio no YouTube.
Já o livro “Barragens de Mineração na Amazônia: o rejeito e seus riscos associados em Oriximiná” pode ser baixado diretamente em nosso site. Clique aqui para acessar esta e outras publicações da Pró-Índio!