Servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), com apoio de diversas organizações, entre elas a Comissão Pró-Índio de São Paulo, se posicionam publicamente contra o sucateamento e loteamento político do órgão, a desvalorização do corpo técnico e o desmonte da política indigenista por meio de sucessivos cortes orçamentários, agravados no atual Governo.
Confira abaixo a nota na íntegra
Carta pública contra o loteamento político da Fundação Nacional do Índio e o desmonte da política indigenista
Os servidores mobilizados da Fundação Nacional do Índio (Funai), com apoio das organizações indicadas ao final desta carta, vêm a público se posicionar contra o sucateamento e loteamento político do órgão, a desvalorização do corpo técnico e o desmonte da política indigenista por meio de sucessivos cortes orçamentários, agravados no atual Governo. Diante da repercussão de reportagem do jornal O Estado de S. Paulo,1 reveladora de áudios que sugerem a tentativa de favorecimento de empresas por meio da aquisição irregular de equipamentos, e da subsequente exoneração do até então Diretor de Administração e Gestão da Funai,2 vimos repudiar a ingerência de interesses alheios ao indigenismo na instituição e exigir a indicação, para assumir a Diretoria em questão, de um(a) servidor(a) do próprio quadro técnico efetivo do órgão ou pessoa com expertise técnica compatível com as atribuições do cargo.
Não é de hoje que o loteamento político dos cargos da Funai compromete a missão primordial da instituição, qual seja, a proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas no Brasil.3 Como extensamente noticiado na mídia, o Partido Social Cristão (PSC), sobretudo na figura do líder do governo no Congresso Nacional, dep. André Moura,4 tem sido o mais influente na indicação de cargos de chefia. A Funai, no entanto, converteu-se em espaço de manifestação de interesses de parlamentares também de outros partidos, notadamente os de integrantes da chamada bancada ruralista, de cuja pressão resultou a mais recente troca de Presidente do órgão5 e que já havia sido responsável pela indicação da Diretora de Proteção Territorial.6 Também nas Coordenações Regionais da Funai (CRs) têm ocorrido nomeações de chefias por indicação de políticos, em detrimento de aspectos técnicos.
O órgão indigenista, responsável por promover e proteger os direitos de mais de 300 povos indígenas, cujos territórios abrangem aproximadamente 14% do território nacional, vem sofrendo com ingerências político-partidárias por meio de nomeações sem critérios técnicos nem comprometimento com as questões indígenas. Chama a atenção, neste cenário, a nomeação como assessor da presidência do ex-gerente de licitações e contratos da Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., vinculada ao Ministério dos Transportes, exonerado da estatal em 2011, após denúncias de fraudes em obras do trecho tocantinense da ferrovia Norte-Sul.7
Além da distribuição de cargos em órgãos responsáveis por promover direitos socioambientais, como também vem ocorrendo no ICMBio,8 o atual Governo vem sistematicamente utilizando os direitos indígenas como moeda de troca. Entre as mais recentes manobras estão: a aprovação do Parecer nº 001/2017/AGU pelo Presidente Michel Temer, que ameaça as demarcações de terras indígenas;9 ataques ao componente indígena do licenciamento ambiental, especialmente evidenciados nos projetos de construção de hidrelétricas e no caso da linha de transmissão de energia Manaus-Boa Vista, que atravessaria a terra indígena Waimiri Atroari;10 e a ameaça de adoção de medidas que permitam a exploração de recursos naturais e o arrendamento em terras indígenas.
Combinados, esses fatores – a utilização da instituição para interesses político-partidários e a imposição de medidas restritivas aos direitos indígenas – têm gerado um clima de tensão e insegurança entre os servidores do órgão e comprometido a sua atuação. Abusos de autoridade, perseguições e desvios de finalidade têm sido parte da rotina de trabalho e impedem a seriedade e continuidade da política indigenista, prejudicando, enfim, e sobretudo, os povos originários.
Ao denunciar a recorrência de tais interferências sobre a instituição e a política indigenista, os servidores mobilizados da Funai exigem a reversão de medidas contrárias aos direitos constitucionais dos povos indígenas – principalmente o Parecer nº 001/2017/AGU –, o fortalecimento do corpo técnico com a aprovação de um plano de carreira, bem como a aplicação de critérios técnicos, desvinculados de interesses clientelistas, nas nomeações de cargos de chefia – a começar pela vacante Diretoria de Administração e Gestão.
Servidores Mobilizados da Funai
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1 BORGES, André. Áudios indicam pressão na Funai para favorecer empresas. O Estado de S.Paulo. São Paulo. mai. 2018. Disponivel em <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,audios-indicam-pressao-na-funai-para-favorecer-empresa,70002320093>.
2 BORGES, André. Após áudios, Padilha exonera diretor da Funai. O Estado de S.Paulo. São Paulo. mai.2018. Disponivel em <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,apos-audios-padilha-exonera-diretor-da-funai,70002321826>..
3 VALENTE, Rubens. Sigla conservadora e bancada ruralista loteiam a Funai. Folha de S. Paulo, Brasília. 27 mai.2018. Disponivel em <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/05/sigla-conservadora-e-bancada-ruralista-loteiam-a-funai.shtml>.
4 GARDELHA, Igor. Na verdade Funai é do PSC do Deputado André Moura, diz Ministro da Justiça. O Estado de S.Paulo. São Paulo. 20 abr. 2017. Disponivel em <http://politica.estadao.com.br/blogs/coluna-do-estadao/na-verdade-funai-e-do-psc-do-deputado-andre-moura-diz-ministro-da-justica/>.
5 URIBE, Gustavo. CARVALHO, Daniel. Temer cede a pressão e mantém PSC no comando da Funai. Folha de S.Paulo. São Paulo. 23 abr. 2018. Disponivel em <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/04/temer-cede-a-pressao-e-mantem-psc-no-comando-da-funai.shtml>.
6 MILANEZ, Felipe. Mudanças internas na Funai preocupam indígenas e servidores. Carta Capital. São Paulo. 04 set.2017. Disponível em <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/mudancas-internas-na-funai-preocupam-indigenas-e-servidores>.
7 FABRINI, Fábio. MALTCHIK, Roberto. Mais três servidores são exonerados do Ministério dos Transportes e da Valec. O Globo. São Paulo. Disponível em <https://oglobo.globo.com/politica/mais-tres-servidores-sao-exonerados-do-ministerio-dos-transportes-da-valec-2713142#ixzz5Ht3Ou6aE
stest>.
SANTANA, Vitor. MPF denuncia Juquinha das Neves, Ricardo Queiroz Galvão e mais 7 por fraude na Ferrovia Norte-Sul, em Goiás. G1 Globo. São Paulo. 10 ago. 2017. Disponível em <https://g1.globo.com/goias/noticia/mpf-denuncia-juquinha-das-neves-ricardo-queiroz-galvao-e-mais- 7-por-fraude-na-ferrovia-norte-sul-em-goias.ghtml>.
8 ESCOBAR, Herton. Ambientalistas protestam contra loteamento político do ICMBio. Estadão. São Paulo. 25 mai. 2018. Disponível em <https://ciencia.estadao.com.br/blogs/herton-escobar/ambientalistas-protestam-contra-loteamento-politico-do-icmbio/>.
9 SOUZA, Oswaldo. Temer ataca direitos indígenas para tentar se livrar de denúncia no Congresso. Instituto Socioambiental. 70 jul. 2017. Disponível em <https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/temer-ataca-direitos-indigenas-para-tentar-se-livrar-de-denuncia-no-congresso>.
10 SOUZA, Oswaldo. Governo e políticos tentam implantar na marra obra na terra de índios massacrados pela ditadura. Insituto Socioambiental. 23 mai. 2018. Disponível em <https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/governo-e-politicos-tentam-implantar-na-marra-obra-na-terra-de-indios-massacrados-pela-ditadura>.VALENTE, Rubens. Moreira Franco diz que obra em terra indígena é estratégica. Folha de S.Paulo. São Paulo. 21 mai. 2018. Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/05/moreira-franco-diz-que-obra-em-terra-indigena-e-estrategica.shtml>.