A agenda preparatória prevê a realização de 131 etapas locais e 26 regionais. A expectativa é que a conferência proporcione maior visibilidade à luta dos povos indígenas num momento de muitas ameaças aos seus direitos

Conferência Local na Aldeia Chapéu /TI Katxuyana-Tunayana
Crédito: Joanisio Mesquita

Em meio a um cenário desfavorável aos povos indígenas, a 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista tem sido vista de forma positiva pelas lideranças indígenas e organizações indigenistas na medida em que pode representar uma oportunidade de fortalecer articulações e reafirmar direitos.

A conferência será realizada em Brasília no período de 17 a 20 de novembro de 2015, com o tema “A relação do Estado Brasileiro com os Povos Indígenas no Brasil sob o paradigma da Constituição de 1988”. A realização da conferência atende à reivindicação do próprio movimento indígena, segundo Saulo Ferreira Feitosa do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) que integra a comissão organizadora nacional representando as entidades indigenistas.

Os objetivos do encontro são avaliar a ação indigenista do Estado brasileiro; reafirmar as garantias reconhecidas aos povos indígenas no País; e propor diretrizes para a construção e a consolidação da política nacional indigenista. Em entrevista à Comissão Pró-Índio de São Paulo, Lúcia Alberta, assessora da presidência da Funai, afirmou que “se pretende que sejam apontados os caminhos para a melhoria da relação do Estado com os povos indígenas, sendo identificados claramente os percalços que impedem os avanços na consolidação dos direitos desses povos”.

Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e integrante da comissão organizadora da conferência, avalia que “é um momento de conversar, nós povos indígenas, pensarmos estratégias de luta”. E pondera que “mesmo que o governo não assuma nada, será uma oportunidade de empoderar as populações sobre a política indigenista e ter um posicionamento unificado, decidido em conjunto pelos povos indígenas do Brasil”.

Visão que é compartilhada por Lúcia Andrade, coordenadora da Comissão Pró-Índio de São Paulo “É uma oportunidade – especialmente considerando as etapas locais e regionais –  para os índios fortalecerem sua articulação e também visibilizarem as suas demandas e propostas. Talvez esse possa vir a ser o maior ganho da conferência: assegurar um espaço para reafirmar direitos e pressionar os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para que cumpram o seu papel na garantia da efetividade de tais direitos”.

A agenda da Conferência prevê 131 etapas locais e 26 regionais preparatórias à nacional. Um dos desafios é garantir a ampla participação dos índios no processo. Segundo Saulo Ferreira Feitosa “onde há envolvimento maior do movimento indígena e indigenista, está tendo melhor a participação da população indígena como um todo. Onde não há esta articulação a participação é mais frágil”. Saulo pondera também que deveria ter um envolvimento maior de organizações indigenistas. “A organização se deu em fase de representação que está na Comissão Nacional de Política Indigenista, que está muito limitada. Só temos duas organizações, o Centro de Trabalho Indigenista e o CIMI, isso limita”.
Etapas Locais
O processo de preparação da Conferência Nacional já se iniciou com a realização das etapas locais que são consideradas estratégicas na avaliação da APIB, como explica Sônia Guajajara “estamos muito empenhados em realizar, principalmente, as etapas locais que são livres e o próprio movimento que está organizando”. Não tem sido tarefa fácil, por conta da própria fragilidade da Funai em garantir o adequado suporte aos eventos “tem havido dificuldade financeira e operacional, mas nós estamos tentando superar isso. O movimento indígena está acompanhando bem de perto e incidindo muito na comissão organizadora”, relata a coordenadora da APIB.

João Neves, da coordenação da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) também aponta falhas no apoio do governo federal para a realização dos eventos. Referindo-se à etapa local realizada em Oriximiná, no Pará, relata que tiveram “dificuldades para trazer os índios de aldeias mais distantes, todos querem participar. A Amazônia tem dificuldades logísticas que devem ser consideradas”.

Já foram realizadas etapas locais nos Estados do Amazonas, Bahia, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e no Distrito Federal. Uma delas ocorreu na Aldeia Chapéu, localizada na TI Katxuyana-Tunayana, em Oriximiná, no Pará. Segundo Ângela Katxuyana, o encontro foi positivo e reforçou as reivindicações pela demarcação daquela terra indígena. “Conseguimos a participação de todos os povos da Calha Norte. As principais propostas foram: fortalecer a Funai para atender as nossas demandas da melhor forma; e a demarcação da TI Katxuyana. Precisamos pressionar o governo. O evento foi um fortalecimento das próprias comunidades para lutar” conta Ângela, que contribuiu com a organização do evento.

“Foi um evento com muita qualidade, apesar das dificuldades para realizar. Nós gostamos e ficamos satisfeitos. Nós estamos acreditando que a Conferência vai ter peso, vamos levar as nossas reivindicações para a regional. Para gente o principal é a demarcação das nossas terras”, detalha Juventino Katxuyana da Associação Indígena Katxuyana, Tunayana e Kahyana (AIKATUK) que também integrou a organização do evento. Os povos indígenas da TI Katxuyana-Tunayana, onde se realizou a etapa local, estão entre aqueles que sofrem com a paralisação dos processos de demarcação. O relatório de identificação dessa terra indígena está finalizado e tecnicamente aprovado desde 2013, mas não é publicado, impossibilitando a continuidade do processo.

Programação na Região Sudeste
Marcos Tupã, liderança Guarani que integra a comissão organizadora, explica que ocorrerão quatro oficinas locais na região sudeste, uma incluindo o Rio de Janeiro. “Conseguimos garantir uma etapa local para os povos indígenas urbanos, fora da aldeia”, explica Marcos.

De acordo com Cristiano Hutter, coordenador da Regional Litoral Sudeste da Funai, a responsabilidade do órgão é fazer com as oficinas sejam executadas, proporcionar os deslocamentos, a alimentação e o espaço para a realização. “Queremos proporcionar um espaço para os temas serem discutidos com o mínimo de interferência da Funai, para que eles possam colocar suas pautas. Nós só vamos participar das oficinas locais se formos convidados. Às vezes a presença pode coibir algumas falas, o nosso papel é executar administrativamente e viabilizar transporte e alimentação”, explica o coordenador.

Marcos Tupã não tem expectativas que a Conferência vá mudar muita coisa diante do cenário político, mas afirma que os índios vão aproveitar as etapas locais e regionais para discutir os vários pontos de riscos. “A nossa maior preocupação é a questão da PEC 215”, explica. E lembra que existem outros projetos de lei que tramitam como a legislação sobre mineração “também que temos que fazer resistência”, completa.

Catarina Delfina dos Santos, da TI Piaçaguera, também tem uma avaliação cautelosa sobre os possíveis resultados da Conferência. “Poderá trazer benefícios, mas com pressão da gente, já participei de tantas conferências e nada mudou. Os índios têm que estar dispostos a cobrar depois o que for definido porque senão… Eu não tenho muita convicção. PEC 215 é a principal pauta que estamos discutindo. A nossa homologação (da TI Piaçaguera) também precisa estar no debate. Gostaríamos que tivesse logo a homologação e tirar o pessoal que não é índio da nossa terra”. A TI Piaçaguera, localizada em Peruíbe, no litoral de São Paulo, está em processo de demarcação desde 2000.

Confira o Calendário das Etapas regionais

Acompanhe o andamento do processo na página facebook da Conferência.

Entrevistas e Redação: Bianca Pyl
Edição: Otávio Penteado, Carolina Bellinger e Lúcia Andrade