O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea “a”, da Constituição,

DECRETA:

Art. 1º Fica instituída a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT, na forma do Anexo a este Decreto.

Art. 2º Compete à Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – CNPCT, criada pelo Decreto de 13 de julho de 2006, coordenar a implementação da Política Nacional para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.

Art. 3º Para os fins deste Decreto e do seu Anexo compreende-se por:

I – Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição;

II – Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações; e

III – Desenvolvimento Sustentável: o uso equilibrado dos recursos naturais, voltado para a melhoria da qualidade de vida da presente geração, garantindo as mesmas possibilidades para as gerações futuras.

Art. 4º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 7 de fevereiro de 2007; 186º da Independência e 119º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Patrus Ananias
Marina Silva

ANEXO

POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS

PRINCÍPIOS

Art. 1o As ações e atividades voltadas para o alcance dos objetivos da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais deverão ocorrer de forma intersetorial, integrada, coordenada, sistemática e observar os seguintes princípios:

I – o reconhecimento, a valorização e o respeito à diversidade socioambiental e cultural dos povos e comunidades tradicionais, levando-se em conta, dentre outros aspectos, os recortes etnia, raça, gênero, idade, religiosidade, ancestralidade, orientação sexual e atividades laborais, entre outros, bem como a relação desses em cada comunidade ou povo, de modo a não desrespeitar, subsumir ou negligenciar as diferenças dos mesmos grupos, comunidades ou povos ou, ainda, instaurar ou reforçar qualquer relação de desigualdade;

II – a visibilidade dos povos e comunidades tradicionais deve se expressar por meio do pleno e efetivo exercício da cidadania;

III – a segurança alimentar e nutricional como direito dos povos e comunidades tradicionais ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis;

IV – o acesso em linguagem acessível à informação e ao conhecimento dos documentos produzidos e utilizados no âmbito da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais;

V – o desenvolvimento sustentável como promoção da melhoria da qualidade de vida dos povos e comunidades tradicionais nas gerações atuais, garantindo as mesmas possibilidades para as gerações futuras e respeitando os seus modos de vida e as suas tradições;

VI – a pluralidade socioambiental, econômica e cultural das comunidades e dos povos tradicionais que interagem nos diferentes biomas e ecossistemas, sejam em áreas rurais ou urbanas;

VII – a promoção da descentralização e transversalidade das ações e da ampla participação da sociedade civil na elaboração, monitoramento e execução desta Política a ser implementada pelas instâncias governamentais;

VIII – o reconhecimento e a consolidação dos direitos dos povos e comunidades tradicionais; IX – a articulação com as demais políticas públicas relacionadas aos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais nas diferentes esferas de governo;

X – a promoção dos meios necessários para a efetiva participação dos Povos e Comunidades Tradicionais nas instâncias de controle social e nos processos decisórios relacionados aos seus direitos e interesses;

XI – a articulação e integração com o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional;

XII – a contribuição para a formação de uma sensibilização coletiva por parte dos órgãos públicos sobre a importância dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e do controle social para a garantia dos direitos dos povos e comunidades tradicionais;

XIII – a erradicação de todas as formas de discriminação, incluindo o combate à intolerância religiosa; e

XIV – a preservação dos direitos culturais, o exercício de práticas comunitárias, a memória cultural e a identidade racial e étnica.

OBJETIVO GERAL

Art. 2º A PNPCT tem como principal objetivo promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Art. 3º São objetivos específicos da PNPCT:

I – garantir aos povos e comunidades tradicionais seus territórios, e o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua reprodução física, cultural e econômica;

II – solucionar e/ou minimizar os conflitos gerados pela implantação de Unidades de Conservação de Proteção Integral em territórios tradicionais e estimular a criação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável;

III – implantar infra-estrutura adequada às realidades sócio-culturais e demandas dos povos e comunidades tradicionais;

IV – garantir os direitos dos povos e das comunidades tradicionais afetados direta ou indiretamente por projetos, obras e empreendimentos;

V – garantir e valorizar as formas tradicionais de educação e fortalecer processos dialógicos como contribuição ao desenvolvimento próprio de cada povo e comunidade, garantindo a participação e controle social tanto nos processos de formação educativos formais quanto nos não-formais;

VI – reconhecer, com celeridade, a auto-identificação dos povos e comunidades tradicionais, de modo que possam ter acesso pleno aos seus direitos civis individuais e coletivos;

VII – garantir aos povos e comunidades tradicionais o acesso aos serviços de saúde de qualidade e adequados às suas características sócio-culturais, suas necessidades e demandas, com ênfase nas concepções e práticas da medicina tradicional;

VIII – garantir no sistema público previdenciário a adequação às especificidades dos povos e comunidades tradicionais, no que diz respeito às suas atividades ocupacionais e religiosas e às doenças decorrentes destas atividades;

IX – criar e implementar, urgentemente, uma política pública de saúde voltada aos povos e comunidades tradicionais;

X – garantir o acesso às políticas públicas sociais e a participação de representantes dos povos e comunidades tradicionais nas instâncias de controle social;

XI – garantir nos programas e ações de inclusão social recortes diferenciados voltados especificamente para os povos e comunidades tradicionais;

XII – implementar e fortalecer programas e ações voltados às relações de gênero nos povos e comunidades tradicionais, assegurando a visão e a participação feminina nas ações governamentais, valorizando a importância histórica das mulheres e sua liderança ética e social;

XIII – garantir aos povos e comunidades tradicionais o acesso e a gestão facilitados aos recursos financeiros provenientes dos diferentes órgãos de governo;

XIV – assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e coletivos concernentes aos povos e comunidades tradicionais, sobretudo nas situações de conflito ou ameaça à sua integridade;

XV – reconhecer, proteger e promover os direitos dos povos e comunidades tradicionais sobre os seus conhecimentos, práticas e usos tradicionais;

XVI – apoiar e garantir o processo de formalização institucional, quando necessário, considerando as formas tradicionais de organização e representação locais; e

XVII – apoiar e garantir a inclusão produtiva com a promoção de tecnologias sustentáveis, respeitando o sistema de organização social dos povos e comunidades tradicionais, valorizando os recursos naturais locais e práticas, saberes e tecnologias tradicionais.

DOS INSTRUMENTOS DE IMPLEMENTAÇÃO

Art. 4º São instrumentos de implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais:

I – os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais;

II – a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, instituída pelo Decreto de 13 de julho de 2006;

III – os fóruns regionais e locais; e

IV – o Plano Plurianual.

DOS PLANOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS

Art. 5º Os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais têm por objetivo fundamentar e orientar a implementação da PNPCT e consistem no conjunto das ações de curto, médio e longo prazo, elaboradas com o fim de implementar, nas diferentes esferas de governo, os princípios e os objetivos estabelecidos por esta Política:

I – os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais poderão ser estabelecidos com base em parâmetros ambientais, regionais, temáticos, étnico-socio-culturais e deverão ser elaborados com a participação eqüitativa dos representantes de órgãos governamentais e dos povos e comunidades tradicionais envolvidos;

II – a elaboração e implementação dos Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais poderá se dar por meio de fóruns especialmente criados para esta finalidade ou de outros cuja composição, área de abrangência e finalidade sejam compatíveis com o alcance dos objetivos desta Política; e

III – o estabelecimento de Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais não é limitado, desde que respeitada a atenção equiparada aos diversos segmentos dos povos e comunidades tradicionais, de modo a não convergirem exclusivamente para um tema, região, povo ou comunidade.

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 6º A Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais deverá, no âmbito de suas competências e no prazo máximo de noventa dias:

I – dar publicidade aos resultados das Oficinas Regionais que subsidiaram a construção da PNPCT, realizadas no período de 13 a 23 de setembro de 2006;

II – estabelecer um Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável para os Povos e Comunidades Tradicionais, o qual deverá ter como base os resultados das Oficinas Regionais mencionados no inciso I; e

III – propor um Programa Multi-setorial destinado à implementação do Plano Nacional mencionado no inciso II no âmbito do Plano Plurianual.

 

Publicado no Diário Oficial da União em 08.02.2007, Seção 1, páginas 316 e 317.