Fonte: Mercadizar.com

Ao longo dos anos, os povos indígenas sofreram com o descaso e, durante a pandemia, esse cenário se escancarou.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui 305 povos e 274 línguas indígenas diferentes. Apesar dessa enorme diversidade que deveria ser representativa, a população indígena brasileira vive realidades diferentes que envolvem desde grupos isolados em zonas rurais até os que residem em áreas urbanas.

O momento que vivemos nos relembra que epidemias chegaram a dizimar aldeias inteiras e, infelizmente, o vírus Sars-CoV-2, causador da Covid-19, tem reavivado cada vez mais essa memória. Doenças respiratórias já são a principal causa de morte entre as populações nativas brasileiras, o que torna a pandemia atual especialmente perigosa para esses grupos. Com maior vulnerabilidade a doenças infectocontagiosas e dependentes de um subsistema médico que apresenta problemas de articulação com as secretarias estaduais e municipais de saúde, os povos indígenas deveriam estar no centro das discussões durante esta pandemia.

Em carta publicada na revista Science em 17 de abril, os biólogos Philip Fearnside e Lucas Ferrante, ambos vinculados ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), alertavam para o perigo do vírus aos povos indígenas: “Os grupos de risco padrão para COVID-19 são idosos e com comorbidades, mas no Brasil faz sentido expandir a designação de grupo de risco para incluir povos indígenas. Os patógenos historicamente têm sido um dos fatores mais poderosos para dizimar os povos indígenas da América do Sul. A COVID-19 representa uma ameaça particular para essas comunidades, uma vez que o governo federal do Brasil marginalizou e negligenciou os povos indígenas, mesmo quando seus direitos são garantidos por lei ou por acordos internacionais”.

Além da ameaça da doença, há também a preocupação com o desabastecimento de muitas comunidades indígenas que compram alimentos em cidades e dependem de programas sociais como o Bolsa Família, mas estão sendo orientadas a evitar os deslocamentos para impedir o contágio. Apesar da gravidade da situação, associações indígenas e entidades afirmam que órgãos federais não têm adotado as providências necessárias para proteger as comunidades.

A principal vulnerabilidade das populações indígenas diante do novo coronavírus é a falta de acesso à saúde. Existe um subsistema de saúde dentro do próprio Sistema Único de Saúde (SUS) criado especialmente para atender às necessidades sociais e epidemiológicas específicas desses povos. Ele é controlado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), subordinada ao Ministério da Saúde.

A política diferenciada de saúde indígena foi criada no Brasil seguindo diretrizes da Constituição Federal, que define que os povos tradicionais têm direito à diferença, ou seja, têm direito de ser indígenas. É dever do Estado respeitar a organização social desses grupos, seus costumes, idiomas, crenças e tradições – garantindo, portanto, que haja um sistema público de saúde adequado a seus modos de vida.

A saúde indígena prioriza a atenção primária, ou seja, a “porta de entrada” dos usuários ao sistema de saúde. Às vezes compostas por integrantes indígenas, as equipes médicas são preparadas para lidar com a população, conhecendo também sua cultura e idioma. Como o sistema prioriza os serviços básicos, os usuários demoram mais para encontrar serviços de média e alta complexidade, como Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), por exemplo.

Em 17 de março, a Sesai anunciou um plano especial de contenção para o novo coronavírus. A orientação era que os postos de saúde indígena priorizassem o atendimento de casos suspeitos de covid-19 e também recomendava as medidas de prevenção adotadas no restante do país, como higiene das mãos e distanciamento social.

A medida foi recebida com ressalvas por lideranças indígenas, que dizem acreditar que o sistema não dá conta dos casos graves da doença. O sistema recebe há anos reclamações de falta de verbas, de médicos e enfermeiros, de remédios e infraestrutura. Indígenas também relatam casos de preconceito em cidades no interior do país onde as prefeituras proíbem o atendimento desses grupos.

A pandemia ocorre durante o governo de Jair Bolsonaro que, desde que assumiu, realizou uma série de mudanças que enfraqueceram a política indigenista. Quando falamos em saúde indígena, devemos lembrar que a Sesai passou por mudanças em sua estrutura e por severos cortes orçamentários em 2019. Junto a saída dos profissionais cubanos do programa Mais Médicos, em 2018, isso gerou um “apagão de saúde” em comunidades indígenas em todo o país.

A primeira morte por covid-19 notificada oficialmente pela Sesai foi de um jovem de 15 anos que fazia tratamento contra malária, em 10 de abril, na terra dos yanomami, uma região dominada pelo garimpo. De acordo com especialistas, invasores podem ter levado o vírus da cidade em direção ao território indígena.

Segundo dados da Sesai, atualmente são 24.650 indígenas infectados pelo novo coronavírus no Brasil e 401 óbitos. O Distrito sanitário especial indígena (DSEI) Leste de Roraima é o local com o maior número de casos confirmados com 2.119, seguido por Alto Rio Solimões com 1.559 e Alto Rio Negro com 1.425. Além disso, o DSEI Xavante apresenta 39 óbitos pelo vírus, o maior número apresentado até o momento.

Essa vulnerabilidade da saúde indigenista diz respeito, principalmente, à disponibilidade de leitos hospitalares, mobilidade territorial e estrutura de atendimento da saúde indígena. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a terra indígena Barragem, localizada no estado de São Paulo, é a maior com índice de vulnerabilidade (0.729), seguida da Yanomami (0.697), em Roraima, e Jaraguá (0.681), também em São Paulo.

Esses dados representam apenas os casos de indígenas que residem em áreas rurais, desconsiderando e não incluindo na notificação os “não aldeados” que moram em zona urbana. Com isso, organizações não governamentais tem trabalhado para combater a subnotificação dos indígenas e divulgado boletins informativos, como é o caso da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

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