Fonte: Rede Brasil Atual

Expulsos ao longo da década de 1950 e da ditadura dos territórios originais, indígenas do Pará iniciaram retorno no final do século passado, e agora aguardam demarcação sob pressão de mineradoras

Belém – A relação entre índios e quilombolas na Amazônia é marcada por momentos de parcerias e conflitos. No município de Oriximiná, oeste do Pará, o momento é de somar forças para cobrar das autoridades a titulação das terras que ocupam. Na região vivem cerca de 3.400 indígenas de, pelo menos, dez etnias diferentes e aproximadamente 8.000 quilombolas divididos em 35 comunidades. É uma das áreas com maior concentração de comunidades tradicionais do país.

Com o apoio da Comissão Pró-Índio de São Paulo e da ONG Iepé, índios e quilombolas de Oriximiná se mobilizam em uma campanha pela titulação imediata de suas terras, aproveitando a Semana Nacional de Mobilização, convocada pela Articulação de Povos Indígenas do Brasil (Apib). A campanha, lançada em um ato público na noite de quarta-feira (2) em Belém, tem o objetivo de pressionar instituições como Incra e Funai a darem andamento aos processos de titulação, atualmente paralisados dentro de seus escritórios.

Juventino Kaxuyana, liderança dos índios Kaxuyana, entende que é necessário aglutinar forças para que a campanha pela titulação seja vitoriosa. “Nós estamos aqui, no Pará, mas tem gente em Brasília e em outros lugares pedindo a mesma coisa que nós, que nossas terras sejam demarcadas”, diz o líder indígena. Em Oriximiná, há três territórios indígenas já homologados e um quarto, a Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana, em processo de titulação. Para os povos indígenas dessa região do país, a conquista dos títulos de terra faz parte de uma luta pelo reconhecimento de sua própria origem.

Desde a década de 1950 e durante a ditadura (1964-85), os índios foram estimulados por missões militares e religiosas a abandonar suas terras e se juntar em grandes aldeias sob o olhar atento da Funai. No entanto, desde o final da década de 1990 e início dos anos 2000, esses povos começaram um movimento de migração de retorno às suas áreas de origem. “Tentaram levar a gente para outro ‘canto’, mas a gente não se acostumou fora de lá. Eu voltei para as nossas terras e comecei a lutar pelo retorno do nosso povo, porque é lá que é nosso lugar”, afirma Juventino.

Segundo informações dos indígenas e da Comissão Pró-Índio, o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), documento necessário ao andamento do processo de titulação da terá indígena, está na mesa da presidência da Funai desde abril deste ano, esperando pra ser assinado e publicado no Diário Oficial da União.

Remanescentes de quilombos e a mineração

Um dos riscos enfrentados pelos povos tradicionais de Oriximiná é provocado pela alta concentração de bauxita, matéria-prima do alumínio, em seu subsolo. Área de atuação da Mineração Rio do Norte (MRN), que já possui uma planta de extração do minério no município, a atividade mineradora já avança sobre as áreas atualmente ocupadas por remanescentes de quilombos que, sem a titulação de suas terras, se sentem vulneráveis ao avanço da economia mineral.

 

Na região do Oriximiná vivem ao 3.500 indígenas de ao menos dez etnias diferentes

 

Desde o ano passado, a MRN realiza pesquisas nas áreas reivindicadas pelas comunidades quilombolas do Alto Trombetas. A abertura de estradas no meio da mata, o uso de tratores e outras máquinas pesadas e a presença de cerca de 60 funcionários da mineradora têm incomodado os quilombolas, que dizem já sentir o impacto destas atividades. “A gente se assustou quando viu a mineração chegando em nossas terras já com trator, desmatando para fazer estrada. Essa situação do acesso da mineração só tem servido pra desmatar, espantar os animais que a gente consumia, e, quando ainda há animais, eles ficam dentro da área da mineração em que a gente não pode entrar”, diz o agricultor Domingos Printes, representante de uma das comunidades quilombolas da região.

Para tentar fazer frente a esse avanço da mineradora, os quilombolas pedem que as atividades da MRN sejam totalmente suspensas na área que ocupam, até que o título de sua terra seja garantido. Atualmente, a situação da titulação desse território é similar a dos indígenas: o Relatório Circunstanciado de Identificação e Demarcação (RCID) aguarda o despacho da presidência do Incra, em Brasília, onde está parado, mesmo tendo sido concluído em abril deste ano.

Em nota, a MRN informou que a prospecção mineral que realiza na área em questão possui todas as autorizações legais do Ibama, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Departamento Nacional de Produção Mineral. A empresa diz também que um possível projeto de exploração mineral na área, caso haja concessão de todas as licenças legais, estaria previsto para iniciar em 2021. Além disso, a MRN diz que tem mantido o diálogo com as comunidades quilombolas e que, só em 2013, cinco reuniões já foram realizadas.

A coordenadora da Comissão Pró-Indio, Lúcia Andrade, diz que, apesar de o diálogo com a mineradora existir, pouco se consegue avançar na pauta dos quilombolas a partir dele. “São reuniões em que nada é encaminhado”, diz a coordenadora. Ela acrescenta que devido à dificuldade de se avançar por meio desses canais é que indígenas e quilombolas decidiram “colocar o bloco na rua”, para dar visibilidade às suas reivindicações e ganhar apoio da opinião pública para a causa.

“Apesar da ação da mineradora ser autorizada legalmente, nós achamos justa e defendemos a reivindicação das comunidades quilombolas de que não haja qualquer ação da mineradora em suas terras antes que haja a titulação”, diz Lúcia. A coordenadora vislumbra na mobilização pela titulação das terras a chance de realizar também um debate amplo sobre os caminhos para o desenvolvimento sustentável dessas comunidades, em que os protagonistas sejam os próprios índios e quilombolas.