Revogada pela Instrução Normativa Incra n.º 49 de 29.09.2008

Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que tratam o Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 e o Decreto n.º 4.887, de 20 de novembro de 2003.


O PRESIDENTE DO INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA
, no uso das atribuições que lhe conferem o art. 18, inciso VII, da Estrutura Regimental aprovada pelo Decreto n.º 5.011, de 11 de março de 2004, e art. 22, inciso VIII, do Regimento Interno da Autarquia, aprovada pela Portaria/MDA/n.º 164, de 14 de julho de 2000, resolve:

OBJETIVO

Art. 1º Estabelecer procedimentos do processo administrativo para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas pelos remanescentes de comunidades dos quilombos.

FUNDAMENTAÇÃO LEGAL

Art. 2º As ações objeto da presente Instrução Normativa têm como fundamento legal:

– Artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal;

– Artigos 215 e 216 da Constituição Federal ;

– Lei n.º 4.132, de 10 de setembro de 1962;

– Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999;

– Lei n.º 4.504, de 30 de novembro de 1964;

– Decreto n.º 59.428, de 27 de outubro de 1966;

– Decreto n.º 433, de 24 de janeiro de 1992;

– Lei n.º 8.629, de 25 de fevereiro de 1993;

– Medida Provisória n.º 2.183-56, de 24 de agosto de 2001;

– Lei n.º 10.267, de 28 de agosto de 2001;

– Decreto n.º 4.887, de 20 de novembro de 2003;

– Decreto n.º 4.886, de 20 de novembro de 2003;

Convenção Internacional n.º 169, da Organização Internacional do Trabalho – OIT;

– Lei n.º 10.678, de 23 de maio de 2003.

CONCEITUAÇÕES

Art. 3º Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-definição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

Art. 4º Consideram-se terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos toda a terra utilizada para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural, bem como as áreas detentoras de recursos ambientais necessários à preservação dos seus costumes, tradições, cultura e lazer, englobando os espaços de moradia e, inclusive, os espaços destinados aos cultos religiosos e os sítios que contenham reminiscências históricas dos antigos quilombos.

COMPETÊNCIAS DE ATUAÇÃO

Art. 5º Compete ao INCRA a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação, a desintrusão, a titulação e o registro imobiliário das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 1º As atribuições contidas na presente Instrução serão coordenadas e executadas pelos setores competentes da Sede, dos órgãos regionais, e também por grupos ou comissões constituídas através de atos administrativos pertinentes.

§ 2º Fica garantida a participação dos Gestores Regionais e dos Asseguradores do Programa de Promoção da Igualdade em Gênero, Raça e Etnia da Superintendência Regional em todas as fases do processo de regularização das áreas das Comunidades Remanescentes de Quilombos.

PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS PARA ABERTURA DO PROCESSO

Art. 6º O processo administrativo terá inicio por requerimento de qualquer interessado, das entidades ou associações representativas de quilombolas ou de ofício pelo INCRA, sendo entendido como simples manifestação da vontade da parte, apresentada por escrito ou reduzida a termo por representante do INCRA, quando o pedido for verbal.

§ 1º A comunidade ou interessado deverá apresentar informações sobre a localização da área objeto de identificação.

§ 2º Compete às Superintendências Regionais manter atualizadas as informações concernentes aos pedidos de regularização das áreas remanescentes das Comunidades de Quilombos e dos processos em curso no Sistema de Obtenção de Terras – SISOTE e no Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária – SIPRA, para monitoramento e controle.

CERTIFICAÇÃO

Art. 7º A caracterização dos remanescentes das Comunidades de Quilombos será atestada mediante auto-definição da comunidade.

§ 1º A auto-definição será demonstrada através de simples declaração escrita da comunidade interessada, nos termos do Artigo 2º do Decreto 4.887/03.

§ 2º A auto-definição da Comunidade será certificada pela Fundação Cultural Palmares – FCP, mediante Certidão de Registro no Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos do referido órgão, nos termos do § 4º, do artigo 3º, do Decreto 4.887/2003.

§ 3º O processo que não contiver a Certidão de Registro no Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos da FCP será remetido pelo INCRA, por cópia, àquela Fundação, para as providências de registro, não interrompendo o prosseguimento administrativo respectivo.

IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO

Art. 8º O estudo e a definição do território reivindicado serão precedidos de reuniões com a comunidade e contarão com a participação do Grupo Técnico interdisciplinar, nomeado pela Superintendência Regional do INCRA, para apresentação dos trabalhos e procedimentos que serão adotados.

Art. 9º A identificação dos limites das terras das comunidades remanescentes de quilombos a que se refere o artigo 4º, a ser feita a partir de indicações da própria comunidade, bem como a partir de estudos técnicos e científicos, inclusive relatórios antropológicos, consistirá na caracterização espacial, econômica e sócio-cultural do território ocupado pela comunidade, mediante Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, com elaboração a cargo da Divisão Técnica da Superintendência Regional do INCRA, que o remeterá, após concluído, ao Superintendente Regional, para decisão e encaminhamentos subsequentes.

Art. 10. O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação será feito por etapas, abordando informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas, socioeconômicas, históricas e antropológicas, obtidas em campo e junto a instituições públicas e privadas, e compor-se-á das seguintes peças:

I – relatório antropológico de caracterização histórica, econômica e sócio-cultural do território quilombola identificado, devendo conter a descrição e informações sobre:

a) as terras e as edificações que englobem os espaços de moradia;

b) as terras utilizadas para a garantia da reprodução física, social, econômica e cultural do grupo humano a ser beneficiado;

c) as fontes terrestres, fluviais, lacustres ou marítimas de subsistência da população;

d) as terras detentoras de recursos ambientais necessários à preservação dos costumes, tradições, cultura e lazer da comunidade;

c) as terras e as edificações destinadas aos cultos religiosos;

e) os sítios que contenham reminiscências históricas dos antigos quilombos.

II – planta e memorial descritivo do perímetro do território, bem como mapeamento e indicação das áreas e ocupações lindeiras de todo o entorno da área;

III cadastramento das famílias remanescentes de comunidades de quilombos, utilizando-se formulários específicos do SIPRA;

IV – cadastramento dos demais ocupantes e presumíveis detentores de títulos de domínio relativos ao território pleiteado;

V – levantamento da cadeia dominial completa do título de domínio e de outros documentos similares inseridos no perímetro do território pleiteado;

VI – levantamento e especificação detalhada de situações em que as áreas pleiteadas estejam sobrepostas a unidades de conservação constituídas, a áreas de segurança nacional, a áreas de faixa de fronteira, ou situadas em terrenos de marinha, em terras públicas arrecadadas pelo INCRA ou SPU e em terras dos estados e municípios;

VII – Parecer conclusivo da área técnica sobre a legitimidade da proposta de território e a adequação dos estudos e documentos apresentados pelo interessado por ocasião do pedido de abertura do processo.

§ 1º Fica facultado à comunidade interessada apresentar peças técnicas necessárias à instrução do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, as quais poderão ser valoradas e utilizadas pelo INCRA.

§ 2º O início dos trabalhos de campo deverá ser precedido de comunicação prévia a eventuais proprietários ou ocupantes de terras localizadas no território pleiteado, com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis.

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Art. 11. Estando em termos o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, o Superintendente Regional publicará resumo do mesmo no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federativa, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área estudada.

§ 1º A publicação será afixada na sede da prefeitura municipal onde está situado o imóvel.

§ 2º A Superintendência Regional notificará os ocupantes e confinantes, detentores de domínio ou não, identificados no território pleiteado, informando-os do prazo para apresentação de contestações.

CONSULTA A ÓRGÃOS E ENTIDADES

Art. 12. Concomitantemente à sua publicação, o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação será remetido aos órgãos e entidades abaixo relacionados, para, no prazo comum de trinta dias, apresentarem manifestação sobre as matérias de suas respectivas competências:

I – Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional – IPHAN;

II – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, e seu correspondente na Administração Estadual;

III Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;

IV – Fundação Nacional do Índio – FUNAI;

V – Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional;

VI – Fundação Cultural Palmares.

Parágrafo único. Expirado o prazo e não havendo manifestação dos órgãos e entidades, dar-se-á como tácita a concordância sobre o conteúdo do relatório técnico.

CONTESTAÇÕES

Art. 13. Os interessados terão o prazo de noventa dias, após a publicação e as notificações, para contestarem o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação junto à Superintendência Regional, juntando as provas pertinentes.

§ 1º Competirá ao Comitê de Decisão Regional – CDR o julgamento das contestações oferecidas.

§ 2º As contestações e os recursos oferecidos pelos interessados serão recebidos apenas em efeito devolutivo.

JULGAMENTO

Art. 14. As contestações e manifestações dos órgãos e interessados indicados no artigo 12 serão analisadas e julgadas pelo Comitê de Decisão Regional – CDR, após ouvidos os setores técnicos e a procuradoria regional.

Parágrafo único. Se o julgamento das contestações ou manifestações implicar em alteração das conclusões do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, será realizada nova publicação na forma do artigo 11 desta Instrução.

Art. 15. Realizado o julgamento a que refere o artigo 14, o Comitê de Decisão Regional – CDR aprovará em definitivo o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do território e o submeterá à Presidência do INCRA, para publicação de portaria reconhecendo e declarando os limites do território quilombola.

Parágrafo único. A portaria do presidente do INCRA será publicada no Diário Oficial da União e da unidade federativa onde se localiza a área e trará o memorial descritivo do perímetro do território.

ANÁLISE DA SITUAÇÃO FUNDIÁRIA DOS TERRITÓRIOS PLEITEADOS

Art. 16. Incidindo os territórios reconhecidos e declarados sobre unidades de conservação constituídas, áreas de segurança nacional e áreas de faixa de fronteira, a Superintendência Regional deverá adotar as medidas cabíveis visando garantir a sustentabilidade dessas comunidades, ouvidos, conforme o caso, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente -IBAMA, ou a Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional.

Art. 17. Se os territórios reconhecidos e declarados incidirem sobre terrenos de marinha, a Superintendência encaminhará o processo a SPU, para a emissão de título em benefício das comunidades quilombolas.

Art. 18. Constatada a incidência nos territórios reconhecidos e declarados de posse particular sobre áreas de domínio da União, a Superintendência Regional deverá adotar as medidas cabíveis visando a retomada da área.

Art. 19. Incidindo os territórios reconhecidos e declarados sobre terras de propriedade dos Estados, do Distrito Federal ou dos nicípios, a Superintendência Regional encaminhará os autos para os órgãos responsáveis pela titulação no âmbito de tais entes federados.

Parágrafo único. A Superintendência Regional poderá propor a celebração de convênio com aquelas unidades da Federação, visando a execução dos procedimentos de titulação nos termos do decreto e desta instrução.

Art. 20. Incidindo nos territórios reconhecidos e declarados imóvel com título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado ineficaz por outros fundamentos, a Superintendência Regional adotará as medidas cabíveis visando a obtenção dos imóveis, mediante a instauração do procedimento de desapropriação previsto no artigo 184 da Constituição Federal.

Parágrafo único. Sendo o imóvel insusceptível à desapropriação prevista no caput, a obtenção dar-se-á com base no procedimento desapropriatório previsto no artigo 216, § 1º , da Constituição Federal, ou, ainda, mediante compra e venda, na forma prevista no Decreto 433/92 com alterações posteriores.

Art. 21. Verificada a presença de ocupantes não quilombolas nas terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, a Superintendência Regional providenciará o reassentamento em outras áreas das famílias de agricultores que preencherem os requisitos da legislação agrária.

DEMARCAÇÃO

Art. 22. A demarcação do território reconhecido será realizada observando-se os procedimentos contidos na Norma Técnica para Georreferenciamento de imóveis rurais aprovada pela Portaria/INCRA/P/n.º 1.101, de 19 de novembro de 2003, e demais atos regulamentares expedidos pelo INCRA em atendimento à Lei 10.267, de 28 de agosto de 2001.

TITULAÇÃO

Art. 23. Concluída a demarcação, a Superintendência Regional realizará a titulação mediante outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades, em nome de suas associações legalmente constituídas, sem qualquer ônus financeiro, com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade, devidamente registrado no Serviço Registral da Comarca de localização das áreas.

Parágrafo único. Incidindo os territórios reconhecidos e declarados nas áreas previstas nos artigos 17, 18 e 19, aos remanescentes de comunidades de quilombos fica facultada a solicitação da emissão de Título de Concessão de Direito Real de Uso, em caráter provisório, enquanto não se ultima a concessão do Título de Reconhecimento de Domínio, para que possam exercer direitos reais sobre o território que ocupam. A emissão do Título de Concessão de Direito Real de Uso não desobriga a concessão do Título de Reconhecimento de Domínio.

Art. 24. A expedição do título e o registro cadastral a ser procedido pela Superintendência Regional far-se-ão sem ônus de qualquer espécie aos Remanescentes das Comunidades de Quilombos, independentemente do tamanho da área.

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 25. Os procedimentos administrativos de titulação das áreas das comunidades remanescentes dos quilombos em andamento, em qualquer fase em que se encontrem, passarão a ser regidos por esta norma, aproveitando-se, no que couber, os atos praticados em consonância com as disposições e requisitos ora instituídos.

Art. 26. A Superintendência Regional promoverá em formulários específicos o registro cadastral dos imóveis titulados em favor dos remanescentes das comunidades dos quilombos.

Art 27. Fica assegurada aos remanescentes das comunidades dos quilombos a participação em todas as fases do procedimento administrativo, bem como o acompanhamento dos processos de regularização em trâmite na Superintendência Regional, diretamente ou por meio de representantes por eles indicados.

Art. 28. As despesas decorrentes da aplicação das disposições contidas nesta Instrução correrão à conta das dotações orçamentárias consignadas na lei orçamentária anual para tal finalidade, observados os limites de movimentação, empenho e pagamento.

Art. 29. A Superintendência Regional encaminhará à Fundação Cultural Palmares e ao IPHAN todas as informações relativas ao patrimônio cultural, material e imaterial, contidos no Relatório Técnico de Identificação e Delimitação territorial, para as providências de destaque e tombamento.

Art. 30. A Superintendência Nacional de Desenvolvimento Agrário manterá o MDA, a SEPPIR e a Fundação Cultural Palmares informados do andamento dos processos de regularização das terras de Remanescentes de Quilombos.

ROLF HACKBART

 

Publicada no Diário Oficial da União, Edição n.º 185, em 29.09.2008.