Fonte: Yahoo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A aplicação da primeira dose pediátrica da vacina contra a Covid-19 em um menino da etnia xavante, realizada nesta sexta-feira (14) em cerimônia com a participação do governador João Doria (PSDB-SP), foi recebida de forma ambivalente por líderes indígenas.
Ao mesmo tempo em que a cena foi celebrada por simbolizar o cumprimento de um direito, o do acesso à vacinação por povos originários, ela também suscitou críticas à gestão do tucano e do governo de Jair Bolsonaro (PL) em relação às questões indígenas.
A criança selecionada pela gestão Doria para o ato inaugural da vacinação infantil foi o indígena Davi Seremramiwe Xavante, 8, que nasceu em Mato Grosso e hoje mora no estado de São Paulo. A escolha por seu nome foi revelada em primeira mão pelo jornal Folha de S.Paulo.
Única brasileira a discursar na abertura da COP26 no ano passado, a líder Txai Suruí diz que ficou muito feliz ao saber a notícia. “Nós [indígenas] fazemos parte do calendário de prioridades e fomos um dos [grupos] mais afetados pela pandemia”, diz ela, que perdeu uma avó e um tio para a doença.
Ainda que considere que o episódio “seja uma vitória”, Suruí afirma faltar atenção por parte do poder público às necessidades das tribos em São Paulo, especialmente ao povo guarani na região do Jaraguá, na zona norte da capital paulista.
Em 2020, a área tornou-se objeto de disputa entre os indígenas e a Tenda, construtora que possui projeto para construir no local 11 torres residenciais.
A crítica é endossada pela codeputada estadual em São Paulo Chirley Pankara (PSOL), que integra a Bancada Ativista.
“Eu espero que ele [Doria] tenha um olhar melhor em relação a como os povos indígenas estão vivendo em São Paulo, em como precisam ter seus territórios garantidos, e não ocupados pela especulação imobiliária”, afirma Pankara.
“Ver a criança indígena sendo vacinada, para nós, não é nem para ficar agradecendo. É um direito. A gente quer ser vacinado, diferentemente do presidente [Bolsonaro]”, diz ainda a parlamentar.
A codeputada do PSOL afirma sentir falta de mais políticas afirmativas para a população indígena como em concursos públicos para a educação básica, por exemplo.
Para Cristian Wariu, que é liderança jovem em pautas indígenas, foi uma surpresa descobrir que Davi também é da tribo xavante. “Somos de um território longe, estamos presentes no cerrado, em Mato Grosso, então foi bastante inesperado”, diz.
“Fico muito feliz que temos um representante nesse momento histórico”, ressalta.
Para além do início da imunização para crianças de 5 a 11 anos, o ato desta sexta na capital paulista marcou um novo trunfo eleitoral de Doria, que em 2021 também esteve ao lado da primeira brasileira vacinada. O governador de São Paulo é pré-candidato à Presidência e desafeto de Bolsonaro.
“Já estamos em uma campanha eleitoral e sabemos que a pré-campanha do Doria foi em cima da questão da vacina, então pode ser um jogo político, sim”, diz Txai Suruí. O tucano e seus aliados buscam afastar da iniciativa o viés eleitoral e afirmam se tratar unicamente de medida da gestão em prol da saúde pública.
Suruí, que foi criticada pelo presidente Bolsonaro por “atacar o Brasil” após discursar na abertura da conferência climática, também critica a gestão do governo federal na pandemia. “A gente deveria ter começado a vacinar crianças há muito tempo e a gente sabe por que isso não aconteceu”.
Ela também criticou a decisão do governo federal de não incluir, ainda no início da campanha de imunização, indígenas que vivem em centros urbanos como parte do grupo prioritário para a vacina contra a Covid-19. O caso foi parar no STF (Supremo Tribunal Federal), que decidiu em favor dos indígenas.