Evento da Comissão Pró-Índio fortalece a luta das mulheres quilombolas pela justiça climática e defesa dos territórios
Nos dias 20 e 21 de maio, a Comissão Pró-Índio de São Paulo, com apoio da Malungu Regional Baixo Amazonas, realizou o encontro “Mulheres Quilombolas: Gestão Territorial e Justiça Climática”, reunindo 52 mulheres quilombolas de Óbidos, Oriximiná e Santarém, municípios do norte do Pará.
Como explica Lúcia Andrade, coordenadora-executiva da Comissão Pró-Índio de São Paulo, “o evento é mais uma iniciativa de nossa organização frente aos impactos da crise climática que se tornaram evidentes nessa região, principalmente pelas secas extremas registradas nos últimos dois anos. Nesse contexto, promovemos um espaço de troca entre mulheres quilombolas para refletirmos sobre os desafios e as oportunidades de promoção da gestão territorial e justiça climática”.
O evento também foi avaliado como um espaço para fortalecer o protagonismo das mulheres. “Espaços de escuta para a gente traçar estratégias de como fazer gestão nos territórios são de suma importância porque a gente que é mulher, a gente está envolvida em tudo que é trabalho, mas a gente não consegue ser protagonista”, reflete Silvia Rocha, coordenadora de mulheres na ARQMO – Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná.
Saberes ancestrais, desafios contemporâneos
A partir das trocas, ficou evidente que a gestão territorial sempre fez parte da vida quilombola. “Gestão territorial é cuidado com o território, é viver em coletividade, desenvolver ações a partir da sustentabilidade, é planejamento coletivo e continuidade das práticas dos mais velhos. Temos responsabilidade de dar continuidade nesse trabalho, nesse legado”, resumiu Carlene Printes, Coordenadora de Diversidade e Gênero na Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará – Malungu.
Contudo, a crise climática desafia os saberes tradicionais. “Eu percebi que as mudanças climáticas estão quebrando com o conhecimento dos antepassados. No ano passado, mesmo respeitando os tempos, todas as mandiocas morreram. Moramos em uma área de igarapé e uma grande área ficou completamente seca. Enfrentamos diversas dificuldades que antes as pessoas não passavam por isso. Hoje, não conseguimos mais deter esse conhecimento diante das mudanças climáticas”, reflete Rosânia Serrão do Quilombo Castanhaduba no Município de Óbidos.
Crise climática: impactos que têm cor, classe e gênero
Durante os debates, as participantes ressaltaram que a crise climática não impacta todos de forma igual. “Nós quilombolas somos os mais afetados. As classes menos favorecidas sempre são as mais afetadas, são as que menos poluem, são as que menos agridem o ambiente, mas são as que mais são afetadas”, ponderou Verinha Oliveira, vice coordenadora administrativa na ARQMOB – Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Óbidos.
“A mudança climática afeta muito, principalmente as mulheres dentro da comunidade. A mudança climática não está sendo justa e os governantes não estão preparados para isso”, relatou Alinne Mara Pinheiro Mota Monteiro, do Quilombo Tiningú, em Santarém.
Reforçando as preocupações trazidas pelas participantes do encontro, a Comissão Pró-Índio trouxe ao debate o conceito de justiça climática antirracista. Conforme alertam as organizações do movimento negro, não existe justiça climática sem o reconhecimento do racismo ambiental e o protagonismo das populações negras, quilombolas, ribeirinhas, indígenas e periféricas na governança climática. Silvia Rocha, da ARQMO, destacou a importância desse protagonismo: “eu penso que não há justiça climática se a base não participa do diálogo onde as coisas são acertadas. Então, não há justiça climática se nós, os maiores prejudicados, não estamos envolvidos”.

Mulheres quilombolas de Óbidos, Oriximiná e Santarém debatem estratégias para a gestão territorial. Foto: CPI-SP
PNGTAQ e PGTAQ: ferramentas para gestão territorial e resiliência climática
O evento discutiu também como a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (PNGTAQ) e os Planos Locais de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAQs) podem ser instrumentos para garantir direitos, fortalecer a autonomia das comunidades e planejar ações de enfrentamento à crise climática.
A PNGTAQ foi instituída pelo Decreto nº 11.786, de 20 de novembro de 2023 como resultado de anos de luta do movimento quilombola nacional. O desafio agora é assegurar que a política saia do papel e se torne realidade com protagonismo de mulheres e homens quilombolas. “Esse encontro foi muito importante porque trouxe coisas que a gente não conhecia. Na verdade, a maioria das mulheres que estava lá já tinha olhado o decreto que criou a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola, mas ninguém tinha lido ainda para se inteirar, até porque é uma coisa muito nova, né?”, destaca Verinha Oliveira, da ARQMOB.
Segundo informações que a CPI-SP apurou junto ao Ministério da Igualdade Racial, no momento, o governo federal apoia a realização de Planos de Gestão Territorial e Ambiental em Rio dos Macacos (Bahia); Vidal Martins (Santa Catarina); Alcântara (Maranhão) e Boa Vista (Oriximiná- Pará).
Carlene Printes, da Malungu, avalia a importância dos PGTAQs “com o plano conseguimos visualizar as questões dos nossos territórios, muito pensando no futuro. Nessa perspectiva, entendemos que o plano de gestão vai facilitar o acesso às políticas públicas. Quando andamos por aí, percebemos que esse povo não nos conhece, mas concebe políticas para nós. O plano é uma estratégia para apresentarmos nossas demandas, com detalhes minuciosos, para saberem como queremos que essas políticas sejam feitas. É uma porta para acessarmos essas políticas”.
Carlene é do Quilombo Boa Vista, de Oriximiná, que, nesse momento, está iniciando a elaboração do seu PGTAQ. Karine Souza também do Quilombo Boa Vista reforça a importância do processo que vivenciam atualmente na sua comunidade “vai ser um plano feito por nós, com nossos saberes. Vamos conseguir mapear onde vamos conseguir plantar, onde tem nascente que precisa ser cuidada, onde tem nossas ervas de cura. Vai ser algo que deixaremos para nossas crianças”.
Compromisso para o futuro
Ao final do encontro, as participantes enfatizaram a importância de compartilharem as reflexões do encontro com as suas comunidades e suas associações. “O tema discutido foi muito positivo, precisamos partilhar isso, só tem serventia se compartilharmos nas nossas bases. Precisamos fazer isso”, alertou Verinha Oliveira, da ARQMOB.
Já Marluce Costa Coelho do Quilombo Nova Vista do Ituqui, em Santarém, destacou que é preciso traçar estratégias para concretizar as oportunidades trazidas pela PNGTAQ: “precisamos aproveitar essa política. Estamos sofrendo com o avanço de portos, da mineração e a PNGTAQ é mais um instrumento de defesa. Então, precisamos sair daqui com o compromisso, enquanto multiplicadoras, de pensar de que forma podemos trabalhar com isso”.
Bianca Pyl
Assessora de Comunicação/ CPI-SP
