Desde a titulação pioneira da Terra Quilombola Boa Vista, no Pará, em 20 de novembro de 1995, apenas 161 terras foram tituladas. 93% das famílias quilombolas no Brasil ainda esperam que o governo garanta a efetividade do direito assegurado na Constituição Federal.

No próximo dia 20 de novembro, os quilombolas da Comunidade Boa Vista, do município de Oriximiná, no interior do Pará, celebrarão os 20 anos da titulação de sua terra, a primeira a ser titulada no Brasil em cumprimento ao artigo 68 do ADCT da Constituição brasileira.

Além de Boa Vista, são poucas as comunidades quilombolas que podem contar com a segurança da terra titulada. Segundo levantamento da Comissão Pró-Índio de São Paulo são apenas 250 comunidades vivendo em 161 terras quilombolas tituladas. Um número extremamente limitado tendo em vista os mais de 1.500 processos em curso no Incra para regularização de terras quilombolas e outros tantos que tramitam nos órgãos estaduais.

20 anos depois, a efetividade do artigo 68 permanece como um desafio

A titulação pioneira de Boa Vista ocorreu sete anos após a Constituição Federal reconhecer o direito dos quilombolas à propriedade de suas terras. Desde então, a lentidão nas titulações permanece. As 15.298 famílias que se encontram nas áreas regularizadas representam somente 7,1% das 214 mil famílias que a SEPPIR estima ser a população quilombola no Brasil.

O que esses números demonstram é que, ao longo de duas, o governo federal e os governos estaduais não construíram e consolidaram uma política efetiva de regularização fundiária das terras quilombolas, com metas, equipe técnica e orçamento compatível com a demanda. Pelo contrário, os procedimentos foram tornando-se cada vez mais burocratizados, deixando as comunidades vulneráveis enquanto aguardam a titulação avalia Otávio Penteado, assessor de programas da Comissão Pró-Índio de São Paulo, organização que, desde 2004, monitora o andamento dos processos de titulação em todo Brasil.

A maior parte das terras quilombolas foi titulada por governos estaduais (132 titulações), com destaque para governo do Pará (49 terras tituladas) e Maranhão (52 terras tituladas). O governo da presidenta Dilma Rousseff titulou 14 terras, 13 delas apenas parcialmente. A dimensão regularizada por Dilma soma cifras bem modestas: apenas 4.411 hectares.

Em muitos casos, tem sido necessária a atuação do Ministério Público Federal para destravar o andamento dos processos. Foi ocorreu no caso da comunidade Rincão dos Negros (RS) que só teve o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação de sua terra publicado pelo Incra em maio deste ano após decisão judicial determinando que o Incra desse prosseguimento ao processo de titulação. O relatório encontrava-se a mais de um ano pronto e aprovado e não havia motivos que obstassem sua publicação.  Decisões semelhantes beneficiaram comunidades quilombolas no Amapá e Pará em 2015.

Titulações em 2015: apenas 4 terras tituladas

O ano de 2015 não mostrou cenário diferente: apenas 4 terras quilombolas foram tituladas até 16/11. Duas pelo governo federal, através do Incra, e duas pelo governo do Pará, por meio do Instituto de Terras do Pará.

O Incra regularizou as terras de Marambaia, localizada em Mangaratiba, no Rio de Janeiro, e Castainho, no município de Garanhuns, em Pernambuco. Já o Instituto de Terras do Pará regularizou as terras das comunidades Castanhalzinho e Cutuvelo, ambas localizadas no município paraense de Garrafão do Norte.

A titulação de Marambaia pelo Incra tornou-se possível com o acordo firmado em novembro de 2014 entre os quilombolas e a Marinha.  Desde a instalação de base da marinha na ilha, em 1980, os quilombolas enfrentavam dificuldades para permanecer em seu território. O Termo de Ajustamento de Conduta assinado pela associação quilombola, a Marinha, Incra e Ministério Público Federal pôs fim há anos de conflito, mas resultou em drástica redução do território quilombola: dos 1.638,0231 hectares identificados pelo Incra, apenas 52,99 hectares foram titulados e em seis áreas descontínuas – cinco para moradia e uma para “manifestação cultural e religiosa”, onde é vedada a construção de casas.

Direitos Ameaçados – PEC 215

A titulação de terras quilombolas pode ser ainda mais comprometida caso seja aprovada a Proposta de Emenda Constitucional 215 que altera o Artigo 68 do ADCT da Constituição Federal e determina que as terras quilombolas sejam regularizadas por meio de Lei. Isso significa que a titulação de terras quilombolas passaria também a ser atribuição do Poder Legislativo.  

A Comissão Pró-Índio de São Paulo alerta que a aprovação da PEC 215 seria mais um obstáculo para que os mais de 1.500 processos abertos no Incra venham a ser concluídos.

 

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