Encontro reuniu quilombolas de Óbidos e Oriximiná (Pará) e representantes do governo federal para debater o apoio às comunidades para adaptação às mudanças climáticas
Comunidade quilombola em Oriximiná (PA). Foto: Acervo CPI-SP
Com o intuito de favorecer o diálogo direto entre as comunidades quilombolas e os órgãos governamentais, a Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP) promoveu o evento “Crise Climática e Estratégias de Proteção para as Comunidades Quilombolas de Óbidos e Oriximiná”. Durante os dias 16 e 17 de abril, reunidas em Santarém (Pará), as lideranças quilombolas puderam apresentar um quadro dos impactos da estiagem extrema de 2023 e reivindicar políticas públicas para ajudar na adaptação das comunidades aos efeitos das mudanças climáticas.
Um dos resultados do encontro foi a elaboração de recomendações ao governo, segundo a avaliação de Lúcia M. M. de Andrade, coordenadora-executiva da CPI-SP. “Os quilombolas apresentaram uma série de recomendações e demandaram o engajamento do governo na implementação de ações visando a redução da vulnerabilidade das comunidades à mudança do clima”. Ela pontua os desafios envolvidos: “O clima já mudou e a adaptação é urgente, porém, ainda não existem políticas públicas consolidadas para apoiar os quilombolas”.
Outro resultado do encontro foi a criação de uma comissão das organizações quilombolas de Óbidos e Oriximiná, juntamente com a Malungu Regional Baixo Amazonas, com o Ministério do Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome (MDS) para planejar o apoio durante a seca de 2024. Em 2023, o MDS assegurou cestas alimentação, mas elas chegaram com muito atraso. Além disso, uma demanda primordial não foi atendida: fornecimento de água potável.
O encontro contou com a participação de 42 pessoas, incluindo representantes de dez organizações dos municípios de Óbidos e Oriximiná, bem como membros do Ministério da Igualdade Racial, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Desenvolvimento Social Família e Combate à Fome e Incra. Lenivalda de Souza Xavier, da Comunidade Quilombola Serrinha e da direção da Associação das Mulheres Trabalhadoras do Município de Oriximiná, comentou sobre a importância do evento: “Gostei de poder relatar aos representantes do governo federal a nossa realidade, os nossos sofrimentos e necessidades”.
Lenivalda de Souza Xavier. Foto: Acervo CPI-SP.
A técnica do MDS, Myriam Oliveira, ressaltou como ponto positivo do evento justamente a possibilidade de ouvir as comunidades sobre as dificuldades enfrentadas na seca. “Foi uma oportunidade ímpar para termos uma visão mais qualificada da magnitude do que foi esse fenômeno em 2023 e dos desafios colocados para os entes públicos, em especial para o governo federal, caso essa situação se repita neste e nos próximos anos e que, a médio e longo prazo, se consolide como a ‘nova’ realidade climática da Amazônia”.
Emergência Climática em 2024
Os participantes do encontro enfatizaram que é crucial que as ações de apoio emergencial em 2024 sejam planejadas antes do início da estiagem, garantindo que a ajuda chegue no início do período seco.
As associações enfatizaram a necessidade de reconhecimento por parte do governo estadual da emergência climática que impacta os territórios quilombolas, além da importância do diálogo com as organizações de Óbidos e Oriximiná para estabelecer medidas emergenciais, de médio e longo prazo. “Nós estamos trabalhando junto com a Comissão Pró-Índio, junto com os outros movimentos quilombolas, junto também com o governo para nos preparar para a seca deste ano para que não sejamos pegos de surpresa, como foi no ano passado”, comenta Redinaldo Alves, coordenador de articulação da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Óbidos (ARQMOB) e morador do Quilombo Arapucu.
Redinaldo Alves. Foto: Acervo CPI-SP.
As lideranças pontuaram que o apoio emergencial deve incluir, no mínimo, o fornecimento de água potável e cestas básicas com alimentos definidos em conjunto com as organizações quilombolas. As lideranças presentes solicitaram que os representantes do governo federal se articulem com outros órgãos para garantir a distribuição de água potável às comunidades que não possuem sistemas de abastecimento.
Outro ponto fundamental, dado que o deslocamento da população é por via fluvial, é pensar alternativas de apoio ao deslocamento das famílias, principalmente, para acessar serviços de saúde. Além disso, deve-se considerar a adaptação do calendário escolar, uma vez que muitos alunos enfrentam dificuldades para se deslocarem até as escolas.
Estruturação de políticas públicas para enfrentar as mudanças climáticas
Durante o encontro, foi enfatizada a importância de manter o diálogo entre as organizações quilombolas e o governo federal, visando construir políticas públicas de médio e longo prazo que permitam a adaptação ao cenário de crise climática. As consequências para essas comunidades são significativas e prolongadas, incluindo dificuldades de acesso à água, serviços essenciais de saúde e educação, além da paralisação das atividades agrícolas e pesqueiras, entre outros impactos.
As cisternas foram apresentadas como uma alternativa para enfrentamento da seca extrema, conforme explicou Priscila Cruz, da Secretaria de Políticas para Quilombolas, Povos de Terreiro de Matriz Africana e Ciganos, do Ministério da Igualdade Racial. “Nós viemos reforçar nosso compromisso de articulação, apesar de não executarmos diretamente as políticas, buscamos ser parceiros nessa articulação com outros órgãos.”
Comunidade quilombola Tapagem, em Oriximiná. Foto: Aluízio Silvério.
Confira na Íntegra – Recomendações do Encontro
- As ações de apoio emergencial devem ser planejadas de imediato, precisam chegar no início do período de estiagem e devem contemplar, ao menos:
- fornecimento de água potável durante o período de estiagem.
- cesta alimentação com composição definida juntamente com as organizações quilombolas.
- apoio ao deslocamento das famílias principalmente para o atendimento à saúde.
- adequação do calendário escolar tendo em vista que muitos alunos não conseguirão se deslocar até as escolas.
- Solicita-se que MIR, MDA e MDS articulem com outros órgãos do governo federal que possam assegurar a distribuição de água potável para aquelas comunidades quilombolas que não contam com sistemas de abastecimento de água.
- Aprimorar a logística de distribuição dos apoios nas comunidades para garantir maior agilidade.
- Paralelamente à definição das ações emergenciais, o diálogo das organizações quilombolas com o governo federal deve ter continuidade e ser intensificado visando a construção de novas políticas estruturantes que possibilitem a adaptação ao cenário de crise climática que afeta o acesso a água e aos serviços essenciais de saúde e educação, as atividades agrícolas e pesqueira, entre outros impactos.
- O Incra e MDA precisam assegurar com urgência a atualização e cadastro da Relação de Beneficiários (RB) dos Territórios Quilombolas para que as famílias possam ter acesso aos programas do governo federal, garantindo para isso servidores e recursos para a Superintendência Incra Regional no Oeste do Pará (Santarém).
- O governo do Pará deve reconhecer a emergência climática que impacta os territórios quilombolas em Óbidos e Oriximiná e, em diálogo com as suas organizações representativas, estabelecer medidas emergenciais (seca de 2024) e de médio e longo prazo.
Créditos
Texto: Bianca Pyl