As duas reuniões, promovidas pelo governo e a empresa responsável pela obra, são parte do processo de licenciamento ambiental do empreendimento.

Reunião no barracão comunitário de Muratubinha em 16/12/2019. (Foto: Arquivo CPI-SP).

Nos dias 15 e 16 de dezembro, nas comunidades quilombolas Arapucu e Muratubinha, foram realizadas reuniões informativas convocadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP) para tratar do licenciamento ambiental da Linha de Transmissão 230kV Oriximiná-Juruti-Parintins que está sendo implantada pela Parintins Amazonas Transmissora de Energia S.A, uma empresa da Celeo Redes Brasil e Elecnor.

A agenda teve por objetivo informar e consultar as comunidades sobre o plano de trabalho e o cronograma dos estudos que avaliarão os impactos do empreendimento para os quilombolas e estabelecerão as medidas de mitigação e compensação. O linhão atravessará a Terra Quilombola Muratubinha, Mondongo e Igarapé Açu dos Lopes e será implantada a 220 metros da Terra Quilombola Arapucu, ambas situadas no Município de Óbidos, no Norte do Pará. . Nessas comunidades vivem cerca de 260 famílias que terão suas vidas alteradas com o advento do novo empreendimento.

Cerca de 180 pessoas compareceram às duas reuniões em que as empresas envolvidas na implantação do empreendimento – Parintins Amazonas Transmissora de Energia S.A, Celeo Redes, Elecnor, Dossel e Quarteto Consultoria – prestaram esclarecimentos aos quilombolas. Estiveram presentes também moradores de comunidades ribeirinhas vizinhas, representantes da Comissão Pró-Índio de São Paulo, da Pastoral Social da Diocese de Óbidos.

A Fundação Cultural Palmares é o órgão federal que tem a responsabilidade de se manifestar em processo de licenciamento ambiental quando um empreendimento afeta Terras Quilombolas e conduzir a consulta livre, prévia e informada. George Alan Ramalho Pereira, representante da FCP nas reuniões explica que o Estudo do Componente Quilombola no âmbito do licenciamento ambiental, “é uma radiografia da comunidade em todos os seus aspectos. Aspectos comportamental, laboral, espiritual, identificação territorial, dos seus patrimônios imaterial e material, enfim, toda a atividade que compõe a estrutura da comunidade. ”

Temas debatidos

Nas reuniões, a Dossel Ambiental Consultoria e Projetos Ltda, contratada pela Parintins Amazonas, apresentou o Plano de Trabalho do Estudo Componente Quilombola que será elaborado pela empresa. O cronograma prevê o início da pesquisa de campo em janeiro de 2020 e a finalização dos estudos até junho de 2020.

Os quilombolas manifestaram sua preocupação com os possíveis impactos e com as medidas a serem adotadas pela empresa para mitigá-los e compensar as comunidades pelos eventuais prejuízos. Também reforçaram a necessidade de governo e empresa respeitarem os tempos e modos de decisão dos quilombolas.

A questão dos tempos foi a que gerou mais tensão, mas os quilombolas conseguiram negociar prazos um pouco mais razoáveis” avalia Carolina Bellinger, assessora de Coordenação da Comissão Pró-Índio que acompanhou a atividade. “Havia uma expectativa da empresa e consultorias de já sair das reuniões com as datas acordadas, mas a versão atualizada do cronograma só foi apresentada aos quilombolas nessas reuniões. Então eles solicitaram um prazo para dialogarem sobre as datas entre eles” explica Carolina.

Catarina Soares Franco, vice-coordenadora da Associação de Remanescentes de Quilombo da Comunidade Arapucu (ARQUICA) também problematiza a questão “Eu me senti pressionada a decidir logo as datas. Mas entramos em consenso de pedir alguns dias para gente tomar a nossa decisão e enviar para eles.” Uma decisão final sobre o cronograma proposto pela empresa para a realização do Estudo do Componente Quilombola deverá ser comunicada pelos quilombolas ainda em dezembro.

A falta de diálogo já havia gerado tensão entre quilombolas e a empresa. Em diferentes momentos, ao longo de 2019, os comunitários foram surpreendidos com visitas de técnicos e pesquisas em suas terras sem informação ou consulta prévia.

Carolina Bellinger avalia que as reuniões de dezembro demonstram uma mudança positiva na postura da empresa e do governo frente às comunidades. “Mas ainda há muito a se avançar para que o direito dos quilombolas à informação, consulta e participação efetiva nas decisões relativas ao empreendimento seja plenamente assegurado” pondera a Carolina. Douglas Sena, quilombola de Arapucu e agente da Pastoral Social da Diocese de Óbidos complementa “a partir dos enfrentamentos feitos anteriormente, é preciso que esse processo seja conduzido da forma mais transparente possível, sem fazer com que as comunidades se sintam pressionadas, mas que elas possam responder o seu tempo”.

Sobre a continuidade do processo, Catarina, vice-coordenadora da ARQUICA, espera que a empresa “respeite as nossas culturas, os nossos costumes”. “Não tem como fazer um grande projeto como esse sem ter impactos” pondera Catarina. Ela espera que “a empresa seja o mais transparente possível com os impactos que virão – alguns já estão acontecendo. E que o governo possa olhar com mais carinho através das políticas públicas para o nosso povo e que possa ajudar também na agilidade para a nossa titulação.

Comunidade Arapucu. (Foto: Carolina Bellinger/CPI-SP).

Traçado da Linha de Transmissão

Uma das demandas apresentadas pelos quilombolas em Muratubinha foi a mudança do traçado da Linha de Transmissão. “O que nós gostaríamos muito é que o traçado da linha de transmissão fosse desviado por trás das nossas residências no Muratubinha”, relatou Wanderly Andrade, uma das coordenadoras da associação daquele território.

O projeto inicial prevê que a área de servidão e implantação da Linha de Transmissão sobreposta às áreas ocupadas por residências dos quilombolas. Na reunião, a empresa respondeu que essas áreas são ideias por serem terrenos com solo mais firme. “o que não foi bom da reunião foi perceber que a empresa não pretende desviar o traçado da linha de transmissão, ou seja, eles pretendem passar por cima das nossas residências e isso é muito ruim para nós”, avaliou Wanderly.

Além da preocupação com as áreas de moradias e roças, os quilombolas fizeram perguntas sobre a segurança da comunidade, tanto durante as obras quanto na fase de operação. Foram levantados questionamentos sobre o risco de queda das torres e se a energia em alta tensão poderia ser prejudicial à saúde das pessoas.

Trecho do Linhão de Tucuruí já construído no município de Oriximiná – vizinho de Óbidos. (Foto: Carlos Penteado/CPI-SP).

O empreendimento

A Linha de Transmissão Oriximiná-Juruti-Parintins foi arrematada pela empresa Celeo Redes Brasil, que venceu o leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em dezembro de 2018. O empreendimento se encontra em processo licenciamento ambiental no Ibama (Processo 02001.001988/2019-68). Segundo o Estudo de Impacto Ambiental elaborado em 2019, o “traçado possuirá interconexão com o [Sistema Interligado Nacional] SIN e, em particular, com a Interligação Tucuruí – Macapá – Manaus.

De acordo com o site da Celeo Redes Brasil, ela é a empresa pela qual a Celeo Redes S.L. desenvolve suas atividades no Brasil. A empresa tem origem espanhola e sua “estrutura acionária da Celeo Redes S.L. está dividida em 51% da Celeo Concessões de Invetimento SLU, pertencente ao Grupo Elecnor SA, e os restantes 49% do APG Infrastructure Pool 2012, um fundo holandês gerido pela APG Management NV, um dos principais gestores de fundos de pensões da [sic] mundo.”

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