Fonte: UOL

A Estrada Turística do Jaraguá é o caminho para o ponto mais alto da cidade de São Paulo, entre Pirituba e Perus, na zona noroeste. E também leva à Terra Indígena do Jaraguá, que tem cerca de 630 habitantes em seis aldeias que ocupam 532 hectares. O povo guarani vive em constante embate com a especulação imobiliária, que tem avançado pela região.

Eles mal tinham se recuperado de uma dessas lutas, no início do ano passado, quando a OMS (Organização Mundial da Saúde) anunciou oficialmente a pandemia do coronavírus. Logo, o Grupo Temático Saúde Indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva alertou para a vulnerabilidade da população indígena.

“Experiências anteriores mostram que doenças infecciosas introduzidas em grupos indígenas tendem a se espalhar rapidamente e atingir grande parte dessas populações, com manifestações graves em crianças e idosos”, dizia a nota, de março do ano passado.

Uma das jovens lideranças guarani, Thiago Henrique Karai Djekupe, 27, disse que as orientações de isolamento foram recebidas com “uma tristeza muito grande” por lá.

“A realidade da comunidade é muito diferente. As pessoas não têm banheiro, as casas são pequenas, às vezes um cômodo comporta duas famílias. A pergunta imediata foi: como vamos fazer essas práticas se não temos condições? E então veio a ideia de se autoisolar dentro da comunidade.”

O UOL se comprometeu a não ter contato muito próximo com nenhum morador quando esteve por lá, no início deste mês.

“Muita gente teve medo de tomar a vacina”

Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), mais de 1 mil indígenas já morreram em decorrência da covid-19 desde março do ano passado. Na Terra Indígena do Jaraguá não houve mortos, mas, segundo Karai Djekupe, ao menos 76 pessoas se contaminaram. No início de junho, sete casos positivos estavam sendo monitorados.

Os indígenas entraram no grupo prioritário de vacinação contra covid-19 em janeiro. Quase todas as pessoas acima de 18 anos foram vacinadas no Jaraguá. Dois líderes espirituais se negaram a tomar vacina por conta desta condição. E outro indígena não quis, por causa de fake news —um problema que atinge muitas aldeias.

Embora grande parte dos guarani fale mbya, variação dialetal, o contato com os não indígenas é frequente —inclusive pela internet.

“Aquelas histórias de que a vacina matava, que era uma fraude, chegaram à comunidade. E como alguns nem sabem falar direito o português e ouviam essas coisas, começavam a pensar que poderia ser uma estratégia do governo para acabar com nosso povo. Muita gente teve medo de tomar a vacina e foi difícil o processo de convencimento, de conscientização”: Thiago Henrique Karai Djekupe, liderança guarani

“Os mais velhos falam que passaram por coisas piores”

A área onde estão as seis aldeias é insuficiente para que os guarani plantem a própria alimentação. A maioria trabalha em atividades que foram prejudicadas pela pandemia e o grupo passa por dificuldades.

“A maioria da comunidade vivia mesmo de artesanato, palestras, de apresentação cultural de músicas, cantigas, atividade com arco e flecha, de dança… A gente recebia escolas ou ia para escolas, só que toda essa articulação foi interrompida e isso trouxe um impacto social enorme”, conta o jovem. (…)