Fonte: Unicamp

Um dos braços da Força-Tarefa da Unicamp, criada para ajudar em ações contra a pandemia, é colaborar com a saúde das populações vulneráveis. Por isso, a partir de uma articulação que uniu a universidade, o Instituto Butantan, Funai, Comissão Guarani Yvyrupa e Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), uma equipe de pesquisadores saiu de Campinas no fim de agosto para dar suporte à aldeias do litoral sul paulista. O objetivo do grupo vai muito além de apenas realizar testes diagnósticos entre os membros da população indígena. Engloba também uma abordagem social e multidisciplinar.

“Fizemos rodas de conversa com o intuito de sensibilizar a população sobre o problema e falar sobre as formas que existem para bloquear a transmissão do vírus, como distanciamento social, lavagem das mãos e o uso de máscara. Nossa intenção é continuar acompanhando essas aldeias”, afirma Paulo Abati, médico infectologista da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp especializado em saúde indígena.

As realidades das comunidades Guaranis no município de Mongaguá ajudam a dar mais tensão ao problema causado pela pandemia, segundo Abati. Todos os grupos, por terem pouca área para o roçado, a caça e a coleta de alimentos precisam com frequência visitar a cidade. “O fluxo de deslocamento entre as aldeias e a cidade caiu bastante, mas ficar 100% isolado não é possível”, diz Abati. De acordo com o especialista, um dos grandes impactos da pandemia entre os indígenas pode ser o etnocídio. “Um elemento cultural nas aldeias é a transmissão oral de conhecimento a partir dos mais idosos para os mais novos. Não existe registro em livros. O impacto da doença sobre os mais velhos pode resultar na morte de parte da cultura indígena”, afirma o infectologista.

Apesar de todas as dificuldades, os resultados dos exames diagnósticos feitos pela Unicamp mostram que a maioria das comunidades está conseguindo se proteger. Na Aldeia Aguapeu, 90% da comunidade foi testada, porque os demais estavam na cidade. Entre as 67 pessoas que aceitaram fazer o teste pelo método do swab (cotonete especial) um resultado deu positivo e outros dois foram inconclusivos. “O cacique e os pais dele se recusaram a fazer o teste por causa do desconforto”, diz Abati.

Em outras duas aldeias, Tangará e Aldeinha, os 80 testes realizados deram negativos. Enquanto na primeira localidade 100% da população passou pelo teste, na segunda visita 7 indígenas, de um total de 42 moradores do local, não quiseram fazer o exame. “Nós atuamos sem uma visão etnocentrista. Com muito diálogo e humildade cultural”, afirma o médico da Unicamp. Segundo ele, o apoio às aldeias, em breve, deve se estender também para a região do Vale do Ribeira.

“Uma ação como essa tem muito significado para a universidade. Os indígenas são populações negligenciadas e um dos grupos mais atingidos pela pandemia”, afirma a médica sanitarista Silvia Santiago, que também participou da organização do apoio aos indígenas do litoral sul paulista. “É uma ação culturalmente respeitosa e feita com a soma de diferentes esforços e saberes, seja da área médica ou da antropologia”, diz a pesquisadora da Unicamp. “Não é apenas o teste pelo teste. É um trabalho de vigilância epidemiológica que também envolve educação em saúde e ressalta a importância da universidade pública”, diz Silvia.

O fato de a adesão dos indígenas aos testes ter sido alta, explica a antropóloga Joana Cabral de Oliveira, tem muito a ver com a articulação feita para a realização das ações. “Houve um diálogo muito bem amarrado com os próprios indígenas por meio do comitê inter aldeias, que é ligado também à Comissão Guarani Yvyrupa. Essa articulação explica muito o sucesso das ações da Força-Tarefa da Unicamp”, afirma a antropóloga do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Além da conversa direta com os indígenas, as ações sociais nas aldeias do litoral sul paulista ocorreram em sintonia com os órgãos federais ligados aos indígenas, como a Funai e os grupos responsáveis pela saúde dessas populações.

“A frente de ação social da Força-Tarefa tem exatamente esse papel de identificar grupos, situações e territórios onde existem maior vulnerabilidade social. E, como foi o caso nas aldeias, fazer com que a capacidade de testagem desenvolvida na Unicamp chegue até os locais que estão precisando. Tudo de uma forma bem cuidadosa”, afirma Sávio Cavalcante, professor do Departamento de Sociologia do IFCH e coordenador da frente de ação social da força-tarefa contra o coronavírus.

Além dos indígenas, afirma o sociólogo, outras ações foram realizadas, por exemplo, em áreas de vulnerabilidade social em Sumaré. “O nosso diferencial foi fazer testagem em massa RT-PCR por swab, um dos métodos que mais pode contribuir para a criação efetiva de medidas de controle epidemiológico. Nesse caso, o processo foi exitoso pela cooperação ativa da unidade de saúde indígena do SUS de Mongaguá”, afirma Cavalcante.