Fonte: Repórter Brasil
Apenas 7% das famílias quilombolas vivem em áreas tituladas. Na busca pelo reconhecimento dos territórios, comunidades enfrentam ameaças, confisco de objetos históricos e resistência até do órgão de preservação do patrimônio
Na última sexta-feira (13/05), a canetada da Princesa Isabel que aboliu oficialmente a escravidão no Brasil completou 128 anos. Com a Lei Áurea, muitos dos libertos engrossaram os quilombos já existentes ou se organizaram em novas comunidades. Mas o reconhecimento do direito dos povos negros a seus territórios tradicionais só viria cem anos depois, com a Constituição de 1988. Apesar de prever a propriedade definitiva das áreas remanescentes de quilombos, até hoje apenas 16 mil famílias – de um total de 214 mil – vivem em áreas devidamente tituladas, de acordo com dados do governo federal.
A titulação é a última etapa de um longo processo que tem início com a “auto-definição” das comunidades quilombolas – assessorada pela Fundação Palmares, entidade ligada ao Ministério da Educação e Cultura – e prossegue em órgãos estaduais e federais, como Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsáveis por estudos antropológicos e desapropriações de terra (confira o passo a passo da titulação de terras quilombolas).
Dos cerca de 2.700 quilombos de todo o país já certificados pela Fundação Palmares, só 163 chegaram à etapa final e foram titulados. No Incra, a morosidade é absoluta: “A questão é que há mais de 1.500 processos abertos no Incra, mas o órgão não tem capacidade de encaminhá-los”, afirma Otávio Penteado, assessor da Comissão Pró-Índio de São Paulo, organização que também lida com a questão quilombola. Para Otávio, a falta de titulação das terras ocorre por “desinteresse político”, o que se traduz em cortes orçamentários na área.
A mudança na composição dos ministérios que o presidente interino Michel Temer (PMDB) realizou assim que Dilma Rousseff foi afastada pelo Senado, na semana passada, agravou as preocupações das entidades ligadas à questão quilombola. Na última quinta-feira (12/05), o deputado federal ligado à bancada ruralista Osmar Terra (PMDB-RS) foi nomeado para a pasta de Desenvolvimento Social e Agrário, que é responsável pelo Incra. Também foi extinto o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, que coordenava o Programa Brasil Quilombola e executava políticas voltadas às comunidades negras tradicionais.
O governo interino de Michel Temer ainda não detalhou as medidas que vai tomar com relação à titulação de territórios quilombolas. Porém, Fernando Prioste, assessor jurídico da organização Terra de Direitos, acredita que a legislação atual pode ser substituída por uma que atenda pleitos da bancada ruralista, “como não fazer desapropriações e reverter a questão da auto-definição”.