Lideranças indígenas e quilombolas procuram apoio do Ministério Público Federal de Santarém para fortalecer articulação no enfrentamento às recentes ameaças contra seus territórios.
Indígenas e quilombolas compartilharam com o MPF suas preocupações com os retrocessos na política indigenista e quilombola e com o anúncio de expansão e de novos empreendimentos para a região. Foto: Patrícia Vaz (CPI-SP).
As crescentes ameaças aos direitos dos povos indígenas e quilombolas foram tema do encontro da Aliança Indígena-Quilombola de Oriximiná com o Ministério Público Federal (MPF) que ocorreu no dia 17 de julho, em Santarém, no norte do Pará. Dezoito lideranças, acompanhadas de representantes do Iepé-Instituto de Pesquisa e Formação Indígena e da Comissão Pró-Índio de São Paulo, compartilharam suas preocupações diante dos retrocessos na política indigenista e quilombola com os Procuradores da República no Pará Patrícia Daros Xavier e Luis de Camões Lima Boaventura. Esses retrocessos ficam evidenciados com anúncio de novos empreendimentos para a região e a expansão da mineração em territórios indígenas e quilombolas.
O objetivo da reunião, segundo Lúcia Andrade, coordenadora da Comissão Pró-Índio de São Paulo, foi fortalecer a articulação da Aliança Indígena-Quilombola com o Ministério Público Federal: “O apoio do MPF é ainda mais importante num momento em que assistimos um processo de desmonte das políticas que asseguram os direitos desses povos”. No início do ano, grandes projetos e novas obras que atingem territórios indígenas e quilombolas foram anunciados pelo governo federal.
Em entrevista concedida à Comissão Pró-Índio, a procuradora Patrícia destacou a importância da Aliança Indígena-Quilombola para a conquista e manutenção de direitos desses povos: “São comunidades que convivem e possuem demandas, muitas vezes, semelhantes. Por isso a união entre indígenas e quilombolas é que vai estabelecer a força que eles têm e a importância de suas demandas trazidas não somente ao Ministério Público, mas também a todas as instituições”.
Para Juventino Kaxuyana, presidente da Associação dos Povos Indígenas Kaxuyana, Tunayana e Kahyana (AIKATUK), o apoio do MPF pode colaborar para salvaguardar seus territórios neste momento. Sobre a aliança, justifica: “Ela é importante porque fortalece cada vez mais a nossa luta e em prol dos direitos que foram conquistados. Nossa luta tem mais sentido com a união de todos. A participação do Ministério Público é muito importante porque pode nos ajudar a dar encaminhamentos nos nossos processos, pelos nossos direitos”. Firmada em 2012, a Aliança Indígena-Quilombola de Oriximiná têm atuado pela proteção dos territórios diante de ameaças comuns à essas populações. Desde então, indígenas e quilombolas de Oriximiná produziram encontros e campanhas em ações conjuntas.
A Aliança Indígena-Quilombola se formou em 2012 com o objetivo de incentivar uma articulação e proteção dos territórios frente às ameaças comuns. Foto: Carlos Penteado.
Os fundamentos dessa aliança foram lembrados por Seu Aluízio, quilombola da comunidade de Tapagem, em Oriximiná, que ressaltou: “É muita força a gente junto, né? Os índios acolheram muitos quilombolas quando os nossos avôs, antepassados fugiram. Foram os índios que acolheram eles e é por isso que a gente tem essa aliança muito concreta, a gente foi buscar isso pra nós, e já tivemos muita vitória e vamos atrás de mais vitórias”.
Grandes projetos no Norte do Pará
Os grandes projetos na região integraram a pauta do encontro. Assim, foram apontados os casos referentes aos impactos da mineração de bauxita em Oriximiná para os quilombolas e a apreensão sobre a segurança das barragens de rejeito que a Mineração Rio do Norte mantêm na região. No total, são 26 barragens já instaladas e outras devem ser construídas. Oriximiná é o município do Pará com maior número de barragens de mineração atualmente.
Lideranças também levaram ao MPF suas preocupações sobre proposta de construção da Linha de Transmissão 230 kV Oriximiná-Juruti-Parintins, que atravessará o município de Óbidos, vizinho a Oriximiná. Conforme apurou a Comissão Pró-Índio, em 11 de junho de 2019, a Celeo Redes Brasil requereu ao Ibama a Licença Prévia para o empreendimento. Duas terras quilombolas em Óbidos estão na área de influência da obra, sendo elas Arapucu e Muratubinha. As lideranças pediram o apoio do Ministério Público para que seu direito à consulta livre, prévia e informada, assegurado pela Convenção 169 da OIT, seja respeitado nesse processo.
Outra iniciativa que pode afetar a vida dessas comunidades refere-se ao Projeto Barão do Rio Branco do governo federal, um conjunto de empreendimentos no norte do Pará com impactos diretos nas Terras Indígenas e Quilombolas em Oriximiná. O projeto prevê a construção de uma hidrelétrica no Rio Trombetas; a conclusão da rodovia BR-163 até a fronteira com Suriname e a instalação de ponte, no município de Óbidos, sobre o Rio Amazonas. Segundo dados de 2018, levantados pela Comissão Pró-Índio junto ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), essa ampliação levaria a BR 163 a atravessar quilombos, Terras Indígenas e Unidades de Conservação.
Anunciada pelo Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, General Santa Rosa, em janeiro deste ano, as obras do Projeto Barão de Rio Branco têm sido constantemente divulgadas, ainda que não haja previsão de investimentos para sua implementação, segundo a imprensa. No site da Secretaria Geral da Presidência da República, é possível encontrar a minuta e justificativa de criação do projeto.
É justamente a ampliação da BR-163 que pode justificar a inclusão da Floresta Nacional Saracá-Taquera e da Reserva Biológica do Rio Trombetas à lista das mais de 60 Unidades de Conservação que teriam seus limites alterados pela gestão de Jair Bolsonaro. Sob a premissa de eliminar “interferências” com estruturas existentes e dar “segurança jurídica” para os empreendimentos como estradas federais, ferrovias, portos e aeroportos, o governo pretende reduzir e alterar os limites dessas UCs.