“O governo acha caneta para dar licença para mineração, mas não acha caneta para titular nossas terras”, Aluízio Silvério dos Santos, liderança quilombola de Oriximiná, Pará.
Em fevereiro, metade do prazo estabelecido pela Justiça Federal para a conclusão dos processos de titulação das terras quilombolas em Oriximiná (Pará) transcorreu sem que qualquer medida tenha sido tomada pelo Incra e ICMBio para atender à determinação do judiciário.
A decisão, tomada no âmbito da Ação Civil Pública impetrada pelo Ministério Público Federal em Santarém, determinou que União, Incra e ICMBio concluam no prazo de dois anos (a partir de fevereiro de 2015) o procedimento administrativo de identificação e titulação das terras ocupadas pelas comunidades quilombolas do Alto Trombetas.
O pleito dos quilombolas remota à década de 1990. Em 1994, o Incra realizou a primeira visita em campo na TQ Alto Trombetas sem que houvesse continuidade. Já em 2004, novos procedimentos foram abertos pelo Incra. No entanto, o impasse com o ICMBio tem impedido a continuidade dos processos. Assim, o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação da TQ Alto Trombetas encontra-se pronto desde 2013, mas não é publicado em função da ausência de entendimento entre os órgãos.
Processos quilombolas paralisados por falta de acordo entre ICMBio e Incra
O caso das Terras Quilombolas do Alto Trombetas foi levado pelo ICMBio à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Advocacia Geral da União em 2007 em função da sobreposição com duas unidades de conservação, a Floresta Nacional Saracá-Taquera e a Reserva Biológica do Rio Trombetas. No entanto, transcorridos nove anos, os órgãos ainda não conseguiram consensuar uma proposta concreta para ser apresentada aos quilombolas.
Em sua decisão, o juiz Érico Rodrigo F. Pinheiro, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região em Santarém, considerou que a omissão da Administração em prosseguir com o processo administrativo “transfigurou-se em ato ilícito” tornando possível a intervenção judicial.
Como lembra, Aluízio Silvério do Santos, morador da TQ Alto Trombetas, “quando criaram as unidades de conservação, a gente já estava lá”. Enquanto a titulação não sai, afirma ele, as ameaças crescem como a mineração e os projetos de hidrelétricas.
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Territórios ameaçados pela mineração
Enquanto órgãos protelam o acordo, as terras quilombolas do Alto Trombetas seguem vulneráveis especialmente frente à expansão das atividades da Mineração Rio do Norte (MRN), empresa que tem entre os seus acionistas a Vale, BHP Billiton, Rio Tinto, Hydro Alcan e a Alcoa. A empresa, que é a maior produtora de bauxita no País, extrai toda a sua produção do interior da Flona Saracá-Taquera.
A MRN conta diversas concessões de lavra emitidas pelo DNPM incidentes em terras quilombolas. Um dos platôs, Monte Branco, parcialmente incidente na Terra Quilombola Alto Trombetas 2, teve a licença ambiental de operação expedida pelo Ibama em 2013 sem consulta prévia aos quilombolas. Tampouco foram previstas medidas mitigatórias e compensatórias aos quilombolas que perderão uma importante área onde realizam a extração de óleo de copaíba.
Os demais platôs tiveram o procedimento de licenciamento ambiental paralisado em 2014 após denúncia dos quilombolas. Atendendo à Recomendação do Ministério Público Federal, o ICMBio suspendeu a autorização da MRN até a realização de consulta prévia aos quilombolas.
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