Quilombolas não foram corretamente informados ou consultados sobre o empreendimento e seus impactos, que se encontra em fase licenciamento ambiental no Ibama
Mais um empreendimento na região amazônica é planejado sem respeitar os direitos das comunidades quilombolas. Trata-se da Linha de Transmissão 230 kV Oriximiná-Juruti-Parintins e Subestações Associadas, que poderá cortar duas terras quilombolas – TQ Arapucu e TQ Muratubinha, Mondongo e Igarapé-Açu dos Lopes – localizadas no município de Óbidos, no Pará.
A linha de transmissão foi leiloada em 2014 pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). A Abengoa Concessões Brasil Holding S.A., por meio da empresa ATE XXIII Transmissora de Energia S.A., venceu o leilão e solicitou o licenciamento ambiental em janeiro de 2015. Em julho, a empresa encaminhou ao Ibama a primeira versão do Estudo de Impacto Ambiental que foi aceito para análise em setembro.
O Ibama solicitou, em 4 de setembro de 2015, a manifestação da Fundação Cultural Palmares (FCP) sobre a avaliação dos impactos provocados pelo empreendimento em terras quilombolas, e propostas de medidas de controle e de mitigação para os impactos. “Até o momento não foi recebida a manifestação da FCP. A manifestação deverá apontar a existência de possíveis impedimentos à continuidade do processo de licenciamento e indicar as medidas ou condições para superá-los”, esclareceu o Ibama à Comissão Pró-Índio.
A Comissão Pró-Índio entrou contato com a FCP para obter informações sobre a avaliação que o órgão deverá elaborar, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.
Falta informação
A principal queixa dos quilombolas diz respeito à falta de informação sobre o empreendimento e seus impactos. “A informação que teve foi a de ‘um conta para o outro’ que vai ter o linhão e começou a aparecer um pessoal da empresa. Do governo federal não teve ninguém que veio conversar com a gente”, relatou Raimundo Ramos, liderança do quilombo Muratubinha.
Em setembro, as associações quilombolas no Município de Óbidos divulgaram uma carta aberta solicitando a elaboração de estudos que avaliem os impactos, tanto na fase inicial de estudos – que já têm implicado na entrada de funcionários dentro dos territórios quilombolas, em desmatamento e coleta de animais – como na fase de implantação e operação da linha de transmissão. A carta foi encaminhada ao Ministério Público Federal em Santarém, Ibama, Incra e Fundação Cultural Palmares.
O governo não está sequer cumprindo seu dever de informar os quilombolas sobre os impactos do empreendimento”, afirmou Carolina Bellinger, assessora de Coordenação da Comissão Pró-Índio. E completa que “o processo de licenciamento ambiental já está tramitando no Ibama e a Abengoa, empresa responsável pelo empreendimento, realizou os levantamentos em campo, inclusive dentro das terras quilombolas, sem o acompanhamento do Incra ou da Fundação Cultural Palmares”.
Demora para conclusão da titulação fragiliza as comunidades
A morosidade na conclusão dos processos de identificação e titulação das terras quilombolas em Óbidos fragiliza as famílias quilombolas, já que não se pode estabelecer com precisão a área de sobreposição com o traçado da linha de transmissão para mensurar os impactos às comunidades. Essa preocupação foi expressa na carta aberta elaborada pelas associações quilombolas em setembro, que pede também a suspensão do empreendimento enquanto as terras não estiverem tituladas.
O processo de titulação precisa caminhar para que se possa de fato contemplar o direito das comunidades. “O ideal para nós seria a titulação, que o governo agilizasse a titulação dos nossos territórios.”, disse Redinaldo, liderança de Arapucu. A CPI-SP entende que a demora para titulação das terras coloca as comunidades em risco. “A morosidade das titulações aumenta a vulnerabilidade dessas populações aos grandes projetos, pois sem a terra, a permanência e os modos de vida são ameaçados”, alerta Carolina Bellinger.
Conheça as comunidades quilombolas da região
No município de Óbidos existem 1.233 famílias vivendo em 17 comunidades quilombolas, sendo que somente a TQ da Área das Cabeceiras está titulada. Outras seis terras quilombolas, que iniciaram o processo de regularização de seus territórios entre 2004 e 2006, aguardam a conclusão desses processos há uma década.
Destas, três estão com o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) em elaboração (Arapucu, Ariramba e Muratubinha, Mondongo e Igarapé Açu dos Lopes), etapa inicial do processo que visa a emissão do título de propriedade em nome das associações. Os RTIDs das terras Nossa Senhora das Graças (Paraná de Baixo) e Peruana foram publicados, respectivamente, em junho e novembro deste ano.
A comunidade de Patauá do Umirizal, onde vivem 35 famílias, está com o processo aberto desde 2004, contudo não houve nenhuma providência do Incra até agora. A certidão de autorreconhecimento, documento exigido pelo Incra para continuidade do processo de titulação aguarda emissão pela Fundação Cultural Palmares (FCP).