[Bolsonaro]. Não com armas, mas com a nossa luta. Nós queremos a nossa terra. Ele disse que quilombolas não servem para nada, a gente vai mostrar para ele que servimos, sim. Nós construímos esse país. Nós vamos resistir e nós não vamos vender terra de forma alguma. Nós vamos querer a nossa terra, que é direito nosso”, afirmou dona Ana.
A comunidade quilombola Paiol de Telha existe desde 1860, habitada por trabalhadores que deixaram de ser escravizados pela proprietária das terras, Balbina Francisca de Siqueira, e receberam o território em herança. A história de luta pelas terras, no entanto, começa na década de 1960, quando as famílias que ali moravam foram expulsas violentamente por imigrantes alemães que fundaram no local a Cooperativa Agrária Agroindustrial Entre Rios.
“Eles perguntam: por que nós vamos querer a terra? Por que os negros do Paiol de Telha querem a terra, se não têm dinheiro para investir no território? Mas nós não queremos a terra para ficar ricos, nós queremos a terra para sobreviver, como era no passado. Nós queremos preservar a nossa água, as reservas que eles destruíram”, explicou a militante.
Segundo dona Ana, a luta pelas terras do Paiol recebeu um novo impulso a partir dos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No primeiro governo de Lula, em 2003, foi assinado o decreto nº 4887, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.
Dados da Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP) apontam que, em seus oito anos de governo, Lula titulou 12 áreas de quilombo, equivalentes a cerca de 40 mil hectares. Sua sucessora, Dilma Rousseff (PT), titulou 16 territórios quilombolas, totalizando 11,7 mil hectares.
“O Paiol de Telha existe a partir do Lula. Porque foi Lula que fez com que a gente abrisse os olhos para procurar nossos direitos: direito à terra, direito à moradia, à energia elétrica. Ou seja, as políticas públicas só aconteceram a partir do governo Lula”, comentou dona Ana.
Atualmente, a luta dos quilombolas é pela titulação das terras do Paiol. A comunidade Paiol de Telha era alvo de um processo movido pela Cooperativa Agrária, pedindo despejo das famílias que ocupavam parte da área que extrapola o acordo firmado entre comunidade e Cooperativa em 2015.
Em audiência realizada na 11ª Vara Federal de Curitiba, ficou estabelecida a suspensão do despejo até março de 2019 e o indicativo de que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) faça a titulação de parte das terras do Paiol até lá.
O futuro do quilombo
Antes da audiência, no domingo (2), membros da comunidade quilombola Paiol de Telha estiveram na Vigília Lula Livre para contar suas experiências de luta em uma roda de conversa.
Entre eles estava Djankaw Matheus, travesti negra, militante do coletivo artístico Paiol das Artes e do primeiro coletivo LGBTQI de Guarapuava, o Coletivo Bajubá. Para ela, a juventude do Paiol tem a tarefa não só de perpetuar a luta quilombola pela terra, mas também de “desconstruir e ressignificar padrões sociais”.
Djankaw entende que a eleição de Jair Bolsonaro, baseada em pautas conservadoras e temas morais, mostrou ao campo da esquerda que as lutas chamadas de “identitárias”, como as do movimento LGBT e do movimento feminista, são complementares às pautas econômicas.
“Mais do que nunca, o que nós estamos passando agora é uma expressão de todos esses sistemas impostos para nós: o colonialismo, o eurocentrismo, o capitalismo, o falocentrismo. Porque não basta ser homem, tem que ser homem, branco, hétero. Bolsonaro representa todos esses padrões mentais que nos foram impostos e que ainda estamos reproduzindo”, disse.
Para a militante, a desconstrução desses padrões passa por uma educação libertadora, que ensine as pessoas a “entender como funciona a sociedade, entender como nós chegamos até aqui e para onde nós estamos indo”.
Edição: Mauro Ramos