TERRA INDÍGENA PIAÇAGUERA
A Terra Indígena Piaçaguera, no litoral sul de São Paulo, é morada de 331 indígenas (Sesai, 2023) que se autodenominam Tupi-Guarani. Distribuídos em doze aldeias, eles ocupam uma área de 2.773,7978 hectares no município de Peruíbe.
A trajetória dos Tupi-Guarani de Piaçaguera é marcada por resistência, luta e a busca por viver de acordo com sua cultura em um contexto bastante adverso. O processo de demarcação da Terra Indígena consumiu muitos anos. A demarcação de Piaçaguera foi homologada pela presidenta Dilma Rousseff em 2016 e registrada em cartório no mesmo ano. Em 2018, a terra foi registrada na Secretaria do Patrimônio da União finalizando o procedimento de regularização fundiária.
A Terra Indígena está localizada no bioma da Mata Atlântica e ocupa uma área que vai desde a beira da praia até o sertão. É uma área bastante preservada – apenas 14% de seu território encontra-se desmatado – situada em uma região bastante urbanizada do litoral paulista, onde as atividades e os empreendimentos ligados ao turismo e ao lazer constituem base importante da economia local.
Como se vê na foto abaixo, Piaçaguera é cercada por habitações e estruturas das áreas urbanas dos municípios de Peruíbe e Itanhaém. A Terra Indígena é cortada pela rodovia Manoel da Nóbrega de movimento intenso e alvo de ocupações irregulares e da visitação não autorizada de turistas. Uma grande ameaça à integridade do território indígena é a presença de mais de 100 posseiros que, mesmo após a homologação, ainda não foram retirados pela Funai.
Limite da Terra Indígena Piaçaguera: o verde cercado pela área urbana
© Carlos Penteado
A Luta pela demarcação
“A terra para nós tem um valor muito grande por ter a espiritualidade de nossos ancestrais”
Catarina Delfina dos Santos, TI Piaçaguera (SP)
© Carlos Penteado
O processo de demarcação da Terra Indígena Piaçaguera foi iniciado em 2000 com a criação pela Funai do Grupo de Trabalho para identificação do território. O processo consumiu 16 anos até a homologação e foi alvo de diversas pressões contrárias ao reconhecimento dos direitos indígenas.
O Espólio de Leão Benedito de Araujo Novaes, que detêm a propriedade de quatro glebas sobrepostas à TI Piaçaguera, criou seguidos empecilhos a demarcação. O Espólio apresentou questionamentos administrativos e judiciais ao procedimento em diferentes fases do processo.
Em 2005, contestou o relatório de identificação da terra indígena, aprovado e publicado no Diário Oficial da União em 2002, apresentando um parecer que questionava a identificação da área como de ocupação tradicional indígena. O parecer foi entregue fora do período previsto para a contestação no procedimento para demarcação de terras indígenas, porém, em 2007, a Funai criou um novo GT com o objetivo de realizar estudos complementares após técnico do órgão fazer uma reavaliação do relatório de identificação e constatar falhas e insuficiência de informações (Mainardi, 2010).
Com a abertura de novo período para contestação dos estudos complementares, o Espólio voltou a apresentar parecer questionando a demarcação e também Gheorgue Popescu proprietário de área sobreposta a Piaçaguera. A Prefeitura de Peruíbe também protocolou contestação afirmando que a regularização do território indígena traria impactos ao desenvolvimento da cidade. As contestações não foram aceitas pela Funai.
Em abril de 2011, o Ministro da Justiça declarou de posse permanente do grupo indígena Guarani Nhandeva a Terra Indígena Piaçaguera. A declaração foi contestada pelo Espólio de Leão Benedito de Araujo Novaes por meio de ação judicial apresentada ao Tribunal Federal Regional da 1ª Região que solicita a anulação da declaração (N° 0025281-50.2015.4.01.3400). O pedido de antecipação de tutela foi negado em 2015 e o processo original ainda não foi julgado.
A homologação da demarcação aconteceu em 2016 e no mesmo ano o Espólio de Leão Benedito de Araujo Novaes ajuizou Mandado de Segurança solicitando a anulação do decreto presidencial. A homologação chegou a ser suspensa em 2017 após o relator do caso, o Ministro Celso de Mello, aceitar pedido de cautelar. Entretanto, ao decidir sobre o mérito, o Ministro Celso de Mello denegou o Mandado de Segurança – os advogados do Espólio recorreram da decisão dias depois.
Em plenário virtual realizado entre 25 de setembro a 2 de outubro de 2020, as ministras e ministros decidiram, de forma unânime, negar provimento ao agravo e manter a decisão que denegou a segurança, impondo uma derrota ao Espólio autor da ação.
As pressões e ameaças
Nos municípios litorâneos do Estado de São Paulo tem crescido a importância de atividades portuárias (nas cidades de Santos e São Sebastião) ligadas à cadeia de petróleo e gás e dos setores de infraestrutura, portos, estradas, ferrovias, saneamento (Pólis, 2012:10). Os indígenas em Piaçaguera tiveram de enfrentar duas significativas ameaças de projetos de infraestrutura nos últimos anos a intenção de construir um Porto dentro de seu território nos anos 2000 e a instalação de um complexo termoelétrico no município de Peruíbe já mais recentemente, em 2017.
A empresa EBX de Eike Batista planejava instalar o Porto Brasil em Peruíbe, porto que seria o maior do Brasil (Funai, 2013). Para isso, a empresa pretendia adquirir parte do território indígena durante o processo de realização dos estudos complementares de identificação. A empresa promoveu reuniões tentando persuadir as lideranças em torno da venda das terras, chegando a causar fortes divergências na comunidade indígena (Funai, 2013: 19). Ação do Ministério Público Federal, porém, impediu que o licenciamento do porto tivesse andamento enquanto a demarcação da TI não ocorresse” (Funai, 2013:20).
Em 2017, um novo projeto surgiu: o empreendimento Projeto Verde Atlântico Energias, que previa a implantação de usina termelétrica e terminal marítimo em Peruíbe, e também de gasoduto e linha de transmissão que cortariam o litoral até a região de Santos e Cubatão. A sua instalação resultaria em impactos a diversas terras indígenas e a áreas de proteção ambiental federais, estaduais e municipais localizadas no litoral de São Paulo em região de Mata Atlântica. Após diversas ações e denúncias dos povos indígenas, organizações indigenistas e ambientalistas e da população da região acerca das consequências negativas que a instalação do complexo traria para a região e a extrema rapidez do processo de licenciamento ambiental sem o necessário prazo para um debate amplo e participativo, a CETESB indeferiu o pedido de Licença Prévia apresentada pela empresa responsável pelo empreendimento.
Outro desafio posto aos Tupi-Guarani em Piaçaguera é mitigar os impactos de mais de 50 anos de extração de areia pela empresa Vale do Ribeira Indústria e Comércio S.A. Somente em 2011, o, então, Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) suspendeu a outorga e renovação de títulos minerários na área (CPI-SP, 2013).
A extração de areia durante mais de 50 anos deixou marcar irreversíveis do ponto de vista a restaurar o equilíbrio ecológico que havia originalmente. A supressão vegetal causada pela mineradora afeta a qualidade biológica dos fragmentos flores tais que restaram, o que dificulta a coleta de material para o artesanato e construção de casas tradicionais, e a realização de roçados pelos indígenas. Esse problema da terra leva a população a um estado de maior vulnerabilidade e ameaça à soberania alimentar desse povo (CPI-SP, 2016).
O viver na cultura Tupi-Guarani
Nos últimos anos, os indígenas de Piaçaguera têm buscado consolidar a sua presença no território e fortalecer o viver na cultura Tupi-Guarani. Nesse processo, a escola tornou-se local especial a atualização/articulação do conhecimento tradicional, da língua, da reza, e de quem são seus detentores, perpassa o ambiente escolar, afirma a antropóloga Camila Mainardi (2011: 82). A cartilha Folhas e Raízes: Resgatando a medicina tradicional Tupi-Guarani elaborada pelos professores indígenas Luan Apyká e Dhevan Pacheco publicada com apoio da Comissão Pró-Índio de São Paulo foi uma dessas experiências. O projeto articulou professores, alunos e os mais velhos e promoveu caminhadas pelo território para que os txeramoi e as txedjaryi da aldeia apresentassem para as crianças uma série de folhas e raízes que curam.
Integra esse processo também a luta por uma alimentação escolar mais saudável que respeite os hábitos alimentares do povo indígena, fortalecendo mais esse aspecto do modo de viver Tupi-Guarani. Desde 2015, lideranças e educadores indígenas em parceria com a Comissão Pró-Índio de São Paulo buscam conseguir melhora na alimentação escolar realizando uma série de atividades visando sensibilizar o Poder Público a promover mudanças na alimentação atualmente oferecida nas escolas, tornando esta mais saudável e culturalmente adequada.
Outra iniciativa realizada em parceria com a Comissão Pró-Índio de São Paulo foram as vivências de cozinhar: uma troca de saberes e sabores sobre práticas alimentares e a soberania alimentar, onde mulheres mais velhas recordam e ensinam às mais jovens os pratos tradicionais. Foram realizados dois intercâmbios em Tenondé Porã (Capital de São Paulo) e em Piaçaguera.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CPI-SP. 2013. Terras Indígenas na Mata Atlântica: pressões e ameaças. São Paulo.
CPI-SP. 2016. Alimentação nas Escolas Indígenas – desafios para incorporar saberes e sabores. São Paulo.
FUNAI. 2013. Mapeamento Participativo da Terra Indígena Piaçaguera (Peruíbe-SP). São Paulo.
INSTITUTO PÓLIS. 2012. Diagnóstico Urbano Socioambiental e Programa de Desenvolvimento Sustentável em Municípios da Baixada Santista e Litoral Norte do Estado de São Paulo, Boletim Regional n.º 02, São Paulo.
INSTITUTO PÓLIS. 2012. Apresentação — Seminário Diagnóstico Regional, São Paulo.
MAINARDI, Camila. 2010. Construindo proximidades e distanciamentos: etnografia Tupi Guarani da Terra Indígena Piaçaguera – SP. São Carlos.