Quilombolas de Óbidos foram surpreendidos com a visita nas comunidades de técnicos da empresa responsável pelo estudo de impacto ambiental da Linha de Transmissão 230 kV Oriximiná – Juruti – Parintins, no norte do Pará.
Trecho do Linhão de Tucuruí já construído em Oriximiná (PA). Foto: Carlos Penteado
Diante da falta de informações sobre o empreendimento e seus impactos para as Terras Quilombolas, a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Óbidos (ARQMOB) recorreu ao Ministério Público Federal no Pará e à Fundação Cultural Palmares solicitando apoio para obter maiores esclarecimentos sobre a construção da Linha de Transmissão 230 kV Oriximiná-Juruti-Parintins e garantir o direito à consulta livre, prévia e informada.
O empreendimento será implantado pela empresa Celeo Redes Brasil, que venceu o leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em dezembro de 2018. O linhão que poderá atravessar o Município de Óbidos encontra-se em processo licenciamento ambiental no Ibama (Processo 02001.001988/2019-68). Segundo informações obtidas no site do Instituto, o processo está na fase de elaboração de Termo de Referência para os estudos de impacto ambiental.
A Comissão Pró-Índio de São Paulo entrou em contato com a Ambientare, responsável pelos estudos de impacto ambiental, que confirmou que existem duas terras quilombolas na área de influência do linhão. “Sendo assim, está prevista a realização dos estudos do Componente Quilombola para as CRQs Arapucu e Muratubinha”, completou a empresa, através de sua Coordenação de Projetos.
Falta de Informação preocupa quilombolas
De acordo com Marcelino da Silva Sena, liderança da Terra Quilombola Arapucu, a Ambientare enviou, em março, um funcionário à comunidade para entregar folder sobre a Linha de Transmissão. Contudo, Marcelino se queixa que os comunitários não tiveram oportunidade de tirar dúvidas sobre o empreendimento. “Ele nos disse que o processo está acelerado, eles querem começar logo a construção”, relatou Marcelino.
Para Raimundo Ramos da Silva, liderança da Terra Quilombola Maratubinha, Mondongo e Igarapé Açu dos Lopes, que também se encontra na área de influência do empreendimento, a empresa deveria se reunir com as comunidades quilombolas. “Eles teriam que fazer uma reunião com a comunidade, esclarecer algumas coisas e ouvir algumas perguntas, só chegaram dizendo que vai passar [o Linhão] e que devemos ir na audiência pública em Juruti. A gente podia ter pedido uma audiência para Óbidos. Não tem nenhuma informação correta, ninguém conseguiu nenhum documento da empresa, que comprove isso. Só temos esse panfleto”. Atualmente, as 180 famílias do quilombo não têm acesso à energia elétrica.
“Segundo informações passadas pelos técnicos das empresas às comunidades, o objetivo é levar energia para Juruti e Parintins, mas não prevê abastecimento para os quilombolas e comunidades ribeirinhas próximas”, alerta Carolina Bellinger, assessora de coordenação da Comissão Pró-Índio de São Paulo. “Os quilombolas ficariam somente com os impactos e não foi esclarecido quais seriam as compensações. Além disso, eles têm direito à consulta livre, prévia e informada, e esse direito precisa ser respeitado”, completou.
Posição da Fundação Palmares e do Ministério Público
Em entrevista concedida à Comissão Pró-Índio, Tiago Cantalice, coordenador de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Cultural Palmares, esclareceu que a Fundação está acompanhando o caso e irá avaliar o traçado do empreendimento. “A depender, [vamos] verificar junto ao IBAMA a possibilidade de sua alteração para desviar das comunidades. De todo modo, se elas estiverem na AID (área de influência) do Linhão, garantiremos a consulta de acordo com a OIT”, explicou.
Entretanto, o coordenador da Fundação Cultural Palmares destacou que “existe um contexto de transição da competência do acompanhamento de licenciamentos que afetam quilombos e quilombolas da Fundação Palmares para o MAPA [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento], porém, enquanto sob nossos cuidados, faremos o acompanhamento devido, conforme a previsão da Portaria Interministerial 60/2015 e o da Instrução Normativa FCP nº 01/2018”.
Já a Procuradora da República Patrícia Daros Xavier informou à Comissão Pró-Índio que, em 2016, o Ministério Público Federal em Santarém abriu inquérito civil público para verificar se a linha de transmissão prevê e cumpre o atendimento aos direitos de comunidades quilombolas que possam vir a ser impactadas. Ainda segundo a Procuradora “se ficar confirmado que há a possibilidade de que Terras Quilombolas venham a ser impactadas, o MPF pretende sim defender os direitos das famílias quilombolas, por meio de medidas judiciais e extrajudiciais que garantam a elaboração do Estudo do Componente Quilombola e a consulta prévia, livre e informada, além de outras medidas que se mostrarem necessárias”.
Comunidades quilombolas em Óbidos
No município de Óbidos existem de mais de mil famílias quilombolas, distribuídas em 18 comunidades, em seis territórios coletivos. Apenas duas Terras Quilombolas já foram tituladas. Outras quatro terras quilombolas, que iniciaram o processo de regularização de seus territórios entre 2004 e 2006, aguardam a conclusão desses processos.
As duas Terras Quilombolas na área de influência da Linha de Transmissão ainda não foram regularizadas e estão com processo de titulação aberto no Incra desde 2006. No território de Arapucu, de 777,91 hectares, vivem 79 famílias. Já a TQ Muratubinha, Mondongo e Igarapé-Açu dos Lopes (21.910 hectares) é habitada por 180 famílias.
A CPI-SP entrou em contato com a Celeo Redes Brasil, responsável pelo empreendimento, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.